Mostrar mensagens com a etiqueta ciência política. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ciência política. Mostrar todas as mensagens

27/01/2015

Grécia: um novo paradigma?

Não vale a pena discorrer sobre o que a Grécia foi e sobre a sua história ou o que representou para a Democracia(1). Ela é sobejamente conhecida, desde muito cedo a partir dos planos escolares.
Não vale a pena discorrer sobre como a Grécia está. Também o seu estado actual é do conhecimento geral (níveis de desemprego incomportáveis, um sistema de saúde a rebentar pelas costuras, a economia desfeita, fome... desespero!) mesmo que a muitos governantes e a uma "Europa unida na diversidade" interessasse esconder esse cenário de devastação social e económica. Lembremo-nos dos vários "nós não somos a Grécia". Antes, e agora outra vez.
Mas valerá a pena falar sobre o futuro da Grécia?... Não sei se tal será possível.

Sem qualquer sombra de dúvida que o eleitorado grego optou por um governo liderado por um partido (ou uma manta de retalhos de vários partidos resultante de dissidências de todos os espectros políticos) de esquerda radical como forma de protesto - contrariamente ao que muitos disseram e tentaram que outros assimilassem, não estamos a falar de um partido de extrema-esquerda.
A eleição do Syriza não é mais do que o resultado do cansaço dos gregos pelas políticas de austeridade impostas pela União Europeia e pelo próprio governo (que, tal como cá, obedece a um plano estritamente nacional assente numa linha ideológica, mas que depois justifica como a necessidade de corresponder ao "mercados", aos "credores" ou mesmo aos "nossos parceiros"). Políticas com os resultados que todos conhecemos.
Portanto, o eleitorado não escolheu um partido com base no seu programa político (uma situação recorrente), mas sim num conjunto de chavões e num discurso que foi sendo alterado ao longo do tempo. A mesma razão que levou à ascensão do partido de extrema-direita - neonazi -, o Aurora Dourada, como a 3.ª força política da Grécia(2).

Da esquerda à direita, da ciência política à economia, vi extremarem-se posições: "a Europa vai mudar", "acabou a austeridade", "a seguir à Grécia serão outros a impor a sua voz", "a Grécia tem de cumprir se não sai da UE", "a Grécia ficará pior", etc., etc.

A única coisa podemos assegurar é que esta eleição é como uma pedrada no charco: vai fazer ondas, mas ninguém sabe se serão suficientemente grandes para fazer transbordar a água!
No entanto, este acto eleitoral grego deve, tem!, de soar como um alarme para os governantes dos países do norte e centro da Europa. Vai para lá da evidência económica de que as políticas de austeridade falharam. É, agora, se é que ela faltasse, a evidência social e política do falhanço da orientação europeia de cortes cegos, custe o que custar. Já não estamos na fase de subidas ou descidas nas sondagens, ou aumento ou decréscimo no número de votos. Está provado que a radicalização do discurso ganha eleições - tanto à esquerda como à direita - e até forma governos, como o que agora foi eleito na Grécia: um governo de coligação da esquerda radical como a estrema-direita!

Poderíamos dizer que agora, o levantar da voz da Grécia no plano da UE iria conduzir a alterações profundas. Não estou certo disso.
É que o quadro institucional e orgânico da UE não mudou. É que, ao contrário do que algumas pessoas julgam (ainda no dia 27 de Janeiro, na TVI24, José Manuel Fernandes mostrava a sua imensa ignorância neste campo), a posição dos "pequenos" países da UE - e nova dificuldade se coloca no consenso em torno da definição de "pequenos países" - não está "sobre-valorizada" no Conselho da UE ou no Conselho Europeu, nem o Parlamento Europeu dispõe de um peso tão grande nas políticas europeias, muito menos nas financeiras e económicas. Dizer o contrário é mostrar um desconhecimento de como funciona a UE e o sistema de alianças nestas instituições.

O que vai ser o futuro da Grécia, não sei. Ninguém sabe. E esse é que vai ser o grande desafio para os gregos. A minha esperança, para a Grécia, para Portugal e para a Europa, é que o Syriza saiba encontrar o seu caminho, ser coerente, saiba contrariar a austeridade, defender os mais desprotegidos e acabar com as desigualdades. Porque se o conseguir, aí sim, reconquistar-se-á um dos mais preciosos bens da Democracia: a crença na política, a confiança dos governados nos governantes. Aí sim, as pessoas acreditarão!




(1) Não obstante a diferença do conceito de Democracia na antiga Grécia importa salientar o enorme contributo que esta deu para a Democracia tal como a entendemos nos dias de hoje.

(2) Não deixa de se verificar aqui um paradoxo a quando de campanhas (maioritariamente nas redes sociais) com a evocação da história da Alemanha nazi como um ataque à actual hegemonia política alemã e simultaneamente se verifica o crescimento eleitoral da força partidária que advoga o retorno a esse nacionalismo nazi.

29/09/2014

O Secretário-Geral e o Líder

Este foi o argumento que sustentou toda uma situação que o Partido Socialista dispensava.

Depois das eleições de 25 de Maio de 2014 para o Parlamento Europeu, onde uma parte significativa dos comentadores, jornalistas e cientistas políticos perceberam que não correram de feição para o PS, ouvimos e vimos dirigentes, neste caso António José Seguro, reclamar para si e para o PS uma "grande vitória" (que Francisco Assis disse que nunca ter sido reclamado mesmo quando escrito no site do próprio PS!?) mas na qual, afinal, o PS apenas não terá conseguido capitalizar o descontentamento das pessoas com a política, e que, mais tarde, voltaria a ser a "maior derrota desde o 25 de Abril" que o "PS infligiu à direita unida".

No meio de tantos "zigue-zagues", a direcção nacional e o próprio Secretário-Geral do PS, nessa noite e nas semanas que se seguiram, teimosamente se recusaram a reconhecer o que estava aos olhos de todos. Entraram numa espécie de estado de negação.

Mesmo depois da disponibilidade manifestada por António Costa para tentar inverter caminho que estava a ser imposto ao PS, António José Seguro continuou a insistir numa visão muito distante da realidade. Com base nesse imaginário, de que os militantes, e até mesmo os eleitores do PS não militantes, estariam ao seu lado, continuou a insistir na sua condição de líder: "Face à situação provocada na última semana dentro PS, não quero que restem dúvidas: sou o líder legítimo do PS e não me demito". E assim, numa espécie de fuga para a frente, numa tentativa de ganhar algum tempo e, talvez, tentar adormecer a rápida corrente de apoio que se gerou em torno de Costa (em poucas horas!), engendrou uma "solução" na qual ele não acredita.

Ora, o que António José Seguro talvez não tenha percebido, e esse o seu grande erro, é que a sua legitimidade não assentava no facto de ser "líder", mas sim no facto de ser "Secretário-Geral". O que António José Seguro não percebe, ou não percebeu, é a diferença entre "líder" e "Secretário-Geral".

No momento em que internamente algum militante se mostra disponível para assumir o cargo de Secretário-Geral, mesmo que o momento não se enquadre no calendário eleitoral do partido, e quando esse militante reúne um número significativo de apoios, como foi o caso de António Costa, o Secretário-Geral em funções, seja ele quem for, não deve temer a luta partidária e despoletar de imediato todos os mecanismos que estão ao seu alcance para deixar a democracia interna funcionar.  Mais do que isso, não deve permitir que quaisquer dúvidas quanto à liderança se possam aprofundar ou adensar no interior do partido.
António José Seguro, no cargo de Secretário-Geral, e o único com o poder resolver rapidamente este tipo de questões, julgou que era o líder do PS e recusou partir para eleições. Acreditou que o "povo", com excepção duma certa Lisboa, o confirmaria como o Primeiro-Ministro. Sim, como Primeiro-Ministro e não como candidato a tal, uma vez que desde a primeira hora, em 2011, e também em 2013, Seguro afirmara ter o seu destino traçado: "A minha ambição é de ser primeiro-ministro para poder servir Portugal".

Mas se o resultado destas primárias, ganhas expressivamente por António Costa (67,88% contra 31,65% de António José Seguro), mostra alguma coisa é que a sustentação da campanha de António José Seguro era a errada: ser-se Secretário-Geral do PS não significa ser líder ou ter o partido do seu lado; ser-se Secretário-Geral do PS não é ter o "direito" a disputar de eleições legislativas, mesmo sem fazer oposição, mesmo sem ideias ou um rumo; e, também, que a disponibilidade de António Costa, como foi usado recorrentemente, não abriu "uma crise no PS", mas sim, apresentou-se como uma solução à crise silenciosa que se vivia no interior do partido. Esta última evidência, desde cedo se tornou clara.

Mas há lições a retirar de todo este processo de sucessão mal conduzido pela direcção nacional do PS e, em particular, pelo seu Secretário-Geral.
Toda a campanha, longa e demasiadamente arrastada, para estas primárias ficou marcada por acusações pessoais e rasteiras, muitas vezes comprovadamente assente em mentiras (!), ou mesmo assente na demagogia e no populismo. Uma situação que serviu para criar divisões e roturas no interior do partido. Entre militantes de base, que muitas vezes encararam esta campanha com a emoção com que muitas vezes se acompanham os clubes desportivos, e até mesmo entre dirigentes - atente-se aos discursos dos dois candidatos, tanto o do perdedor como o do vencedor. Custa a acreditar que tamanha cisão tenda a desaparecer num curto ou médio espaço de tempo. Isto, se a hipocrisia não galgar terreno entre os militantes.

No entanto, as "primárias", abertas a não militantes, sem discutir nesta fase se acrescentaram mérito ou demérito à política, especialmente tratando-se de eleições primárias para um cargo que não existe eleitoralmente, abre espaço a perguntas para as quais não é fácil encontrar resposta.
Amanhã, imaginando que António Costa assume o cargo de Primeiro-Ministro, se por alguma razão se vê obrigado a pedir a demissão, estará o PS legitimado para apresentar um outro nome ao Presidente da República para esse cargo para formar governo, ou terá que forçosamente ir a eleições, mesmo dispondo de um excelente grupo parlamentar eleito (os únicos de facto eleitos em legislativas)?

Não obstante uma das candidaturas envolvidas nesta eleição ter tentado diferenciar os temas e os lugares próprios em cada momento para os discutir, estas eleições primárias colocam ainda mais dúvidas ao nível partidário.
Não conduzirão este tipo de eleições ao esvaziamento dos partidos, isto é, neste caso, onde o Secretário-Geral, que era também um candidato, se demitiu obrigado a uma eleição interna para esse lugar, qual será o peso da opinião ou da discussão entre os militantes? Não será a próxima eleição do Secretário-Geral apenas uma ratificação, que não pode levar em consideração a discussão entre militantes? Não é esta a abertura de um caminho para o profissionalismo da política onde os partidos só precisarão de meios (humanos) para desenvolver acções de marketing político e para a organização de actos electivos? Estarão, porventura, os militantes legitimados para contrariar uma eleição primária para candidato a Primeiro-Ministro, na eventualidade de outro candidato se apresentar à eleição do Secretário-Geral?

Apesar de muitos defenderem esta iniciativa como positiva para a democracia, não estou tão certo de que tal assim seja. Não porque tenha alguma evidência imediata do prejuízo introduzido por esta iniciativa de personificação na política, nomeadamente no cargo de Primeiro-Ministro, mas sim pelas incertezas que ela levanta para o futuro.
Mas estou certo que os muitos estudos e trabalhos académicos que surgirão no campo das Ciências Sociais, a partir desta oportunidade que se abriu, poderão dar respostas a algumas das muitas perguntas que agora se levantam.



21/01/2014

Um referendo à estupidez

Sobre a proposta dos deputados do PSD para a realização de um referendo, publicada em Diário da República do dia 20 de Janeiro, já muito se falou e escreveu. Já se falou e escreveu sobre o facto de poder ser inconstitucional por desrespeitar a lei orgânica regime do referendo - na forma e no conteúdo - e sobre as motivações: o facto de se tratar uma manobra politiqueira de parar um processo legislativo (por birra ou razão ideológica) ou de ser resultado de enorme incompetência (de todo um grupo parlamentar ou de um grupo de pirralhos que levou pela certa as velhas raposas).
Qualquer uma das duas teorias para os motivos que levaram à proposta e à sua aprovação pode assentar que nem uma luva neste processo. Na verdade, será mais verosímil que sejam as duas simultaneamente.

Numa altura em que tanto se fala na possibilidade de se vir a verificar uma diminuição na qualidade e quantidade da investigação cientifica feita em Portugal, aqui estou eu para mostrar que com este texto em nada estou a contribuir para contrariar esse vaticínio. Mas, ainda assim, permitam-me a ousadia de usar o (nenhum) rigor científico para testar a hipótese de uma terceira motivação para a proposta de um referendo sobre esta matéria: a estupidez.
A estupidez do acto da proposta e a estupidez do acto da aprovação.
Poder-se-ia dizer, e só para dar um ar de que talvez até possa perceber o que estou a dizer (e fiquemo-nos só pelo "dar um ar"), num teste estatístico feito com todo o rigor (coisa que este não é, nem estatístico nem com rigor) esta minha hipótese seria a h1 (hipótese alternativa) e as anteriores a h0 (hipótese nula).

Tomando o modelo teórico adiantado por Carlo Cipolla, com base na acção e na relação perda/ganho, pressupõe-se a existência de quatro tipos de pessoas: os Inteligentes, os Crédulos (ou ingénuos), os Bandidos e, por fim, os Estúpidos.

A tipificação dos indivíduos, como referi antes, decorre de uma relação entre aquilo que estes perdem e ganham decorrente das suas próprias acções. Esta relação pode perfeitamente ser representada graficamente através do Sistema de Coordenadas Cartesianas (ou Plano Cartesiano) - lá estou eu a dar, novamente, o ar de quem percebe da coisa - conforme mostra a figura:


Consideramos, por isso, X como o individuo que promove a acção e Y aquele que sofre uma consequência dessa acção, I como o (1º) quadrante dos Inteligentes, H como o (2º) quadrante dos Crédulos, S como o (3º) quadrante dos Estúpidos e, finalmente, B como o (4º) quadrante dos Bandidos.

Podemos ver, assim, que uma acção promovida por X da qual ele obtenha um ganho (+) e que também ela proporcione algo de positivo (+) a Y, esta enquadra-se no 1º quadrante (I) e por isso depreendemos que X agiu de forma inteligente procurando o bem de ambos.

Se, por alguma razão, uma acção de X resulte para si numa perda (-) e para Y um ganho (+), o ponto cartesiano, isto é, o posicionamento do individuo encontrar-se-á no 2º quadrante (H) respeitante aos Crédulos ou Ingénuos e que, dependendo do tipo de acção, também poderão ser tipificados como honestos.

Mas se uma acção de X que tenha para a si um ganho (+) e para Y uma perda (-), encontraremos o individuo no 4º quadrante (B), o dos Bandidos. Pressupõe-se, aqui, uma acção intencional para prejudicar Y ou para obter um ganho exclusivamente seu sem qualquer preocupação com terceiros.

Finalmente, se atendermos que a acção de X resultou numa perda (-) para si próprio sem que Y tivesse um ganho, isto é, que para Y também resultasse uma perda (-) então depreendemos, pela sua acção, que o individuo agiu de forma estúpida e perfeitamente enquadrado no 3º quadrante (S) do Plano.

Apresentadas as possibilidades resultantes da acção, resta-nos testar a hipótese enquadrando, para isso, a acção dos deputados do PSD no que respeita à proposta e aprovação da realização de um referendo sobre co-adopção por um cônjuge do mesmo sexo e adopção de crianças por "casais" do mesmo sexo.

Tomando em consideração que a acção dos deputados do PSD (aqui, o X), ao proporem um referendo, fez com que ficassem conotados como batoteiros ou como gente capaz de fazer golpadas políticas e, dessa forma, ter resultado num prejuízo para a imagem da Assembleia da República e dos próprios deputados, constatamos que há uma notória perda (-).
Se considerarmos também que a aprovação posterior desse referendo provocou outra perda (-) no que respeita à sua própria imagem e credibilidade como deputados, da democracia representativa ou mesmo no estatuto que dispunham, então é seguro dizer que o ponto cartesiano de X se poderá encontrar no 2º ou  então no 3º quadrante.

Mas para aferir o enquadramento correcto de X, então teremos que olhar a consequência da sua acção em Y.

Se entendermos Y como as crianças e famílias que, com a proposta e aprovação de um referendo despropositado (e note-se, mais uma vez, o rigor cientifico do "despropositado"!), continuarão sem ver concretizados alguns dos seus direitos fundamentais, constataremos que também estes, em resultado da acção de X, sofreram uma perda (-). Assim, constatamos que -X com -Y coloca o ponto cartesiano no 3º quadrante conotando X - deputados do PSD que propuseram e aprovaram um referendo parvo (de novo o rigor cientifico na assumpção de "parvo") - na posição que, segundo a teoria de Carlo Cipolla, pertence àqueles que agem de forma estúpida.

Poderá o leitor atento, ou aquele que se deu ao trabalho de ler este texto até aqui (nem que seja só para me chamar algum nome feio), argumentar que este trabalho, na constatação a que agora chega, apresenta uma fragilidade científica - se o fizer, nesta fase, deixa-me bastante surpreendido o que, simultaneamente, me satisfaz: ou não prestou a devida atenção ao processo de análise ou a teorização, aparentemente, sustenta-se numa argumentação credível.
Mas, e voltando ao tema, poderá o leitor argumentar que a hipótese que aqui foi levantada pode não se comprovar uma vez que o posicionamento de Y poderá ser 0 (zero) o que faz com que o ponto de X acabe por não estar colocado no 3º quadrante.
Pois, prezado leitor, a utilização dessa argumentação é desmontada de imediato se se recordar que existia em curso, e votada favoravelmente, uma proposta de legislação que permitiria a co-adopção por um cônjuge do mesmo sexo. Assim, o posicionamento de Y nunca poderá ser 0 (zero) mas sim de valor negativo (-) uma vez que, pela acção de X, houve para Y um retrocesso, uma perda.

Infelizmente, não tendo este trabalho o objectivo de aferir o grau ou o nível de estupidez que a acção em estudo confere, poderemos concluir que, pelo menos, se podem assumir como verdadeiras a Primeira Lei Fundamental da Estupidez Humana (pela surpresa que a acção provocou) e a Terceira Lei Fundamental da Estupidez Humana (pelo resultado da própria acção), a saber:

1ª - Cada um de nós subestima, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação;
3ª - Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo.

30/09/2013

Autárquicas 2013

A primeira ideia que se deve ter presente quando se olham para os resultados saídos de eleições é a sua característica principal: se são eleições de primeira ordem ou eleições de segunda ordem.
Não devem confundir-se com eleições de "primeira categoria" ou eleições de "segunda categoria". É que a "ordem" é facilmente (e cientificamente) explicável enquanto que a "categoria" é subjectiva.
As eleições de primeira ordem são aquelas cujo resultado final terá um impacto directo nos eleitores e cidadãos, e.g. eleições legislativas, e as de segunda ordem aquelas cujo impacto é sentido de uma forma indirecta, e.g. eleições locais - não obstante ser o poder local aquele que mais próximo está das populações, ou deveria estar, é do poder central, nomeadamente da Assembleia da República e, em consequência, do Governo que saem as grandes decisões com impacto elevado na vida dos cidadãos.

É por esta diferença que as análises qualitativas são arriscadas e pouco fiáveis principalmente quando delas se pretendem retirar mensagens - sejam elas locais ou nacionais.

Mas, evitando aquilo que considero um erro que é olhar para os resultados dos sufrágios locais, as eleições autárquicas, e daí retirar conclusões directas para a esfera nacional, se olharmos os resultados das eleições autárquicas de 2009 e os das eleições autárquicas de 2013, há leituras claras que podem ser feitas, em todos os sentidos:

§ É claro o aumento do número de pessoas que se deram ao trabalho de ir a uma secção para anular o seu voto - 69.120 (1,25%) em 2009 e 144.906 (2,95%) em 2013 - ou para votar em branco - 94.983 (1,72%) em 2009 e 190.288 (3,87%) em 2013;

§ É clara a redução do número de votantes - em 2009 foram 5.533.824 (59,01% dos 9.377.343 inscritos) e 4.944.099 em 2013 (52,59 dos 9.401.518 inscritos);

§ O PS, o aparente grande vencedor em 2013, pois ganhou 150 Câmaras Municipais, muitas delas com maioria absoluta, precisa de analisar o porquê de, à data em que faltam apurar 22 freguesias, no global ter perdido um mandato para a Câmara Municipal (908 em 2009 e 907 em 2013), ter perdido 193 mandatos para as Assembleias Municipais (2819 em 2009 e 2626 em 2013 - note-se que estão por atribuir apenas 86 mandatos!) - de referir, nesta fase, a perda de 2910 mandatos de freguesia é prematuro dada a reforma administrativa que tratou de eliminar algumas Assembleias de Freguesias.

§ O PSD foi naturalmente um dos grandes derrotados - até na Região Autónoma da Madeira. De 2009 para 2013 perdeu em todas as linhas. Convém ao PSD uma análise cuidada principalmente sobre as escolhas dos candidatos e políticas. A associação com as políticas centrais não é totalmente clara pois é sobejamente conhecido que os eleitores, para as suas autarquias, votam nas pessoas e não nos partidos - excepto se os candidatos não conseguirem criar uma ligação com os eleitores;

§ O parágrafo anterior reveste-se de verdade, e é um ponto que as estruturas do PS devem considerar como um aviso e ponto de reflexão, a ver pela reeleição do candidato independente de Matosinhos, militante do PS e preterido pelo próprio partido em detrimento de outro militante sem enraizamento profundo na estrutura autárquica;

§ A coligação PCP/PEV subiu tanto em n.º de mandatos como em votos - sinal desta subida nos sufrágios foi, por exemplo, o resultado obtido em Loures, um grande centro urbano na região de Lisboa;

§ O concelho de Oeiras continua a reincidir em resultados eleitorais que contrariam a lógica de que os bons e correctos é que deveriam ser eleitos para governar o bem público.  

Outras análises e mensagens podem e devem ser retiradas, mas talvez aquela que poderá ter um maior significado acaba por ter origem nos resultados obtidos por Presidentes de Câmara em fim do 3.º mandato que entenderam candidatar-se a autarquias vizinhas (e.g. Loures, Lisboa, Sintra, Vila Nova de Gaia, etc.).

Uma mensagem para os partidos e para os próprios Presidentes "profissionais": numa altura em que a política é vista com grande desconfiança pelos cidadãos, se há coisa que se pode assumir é que os eleitores não toleram facilmente candidatos que pretendem perpetuar-se no poder, nem que para isso o tentem em concelhos com os quais não têm ligação!
... e não foi por falta de aviso, pois quando Avelino Ferreira Torres, por sua própria iniciativa em 2005, decidiu deixar a Câmara Municipal do Marco de Canaveses para se candidatar a Amarante, os eleitores deixaram isso bem claro, tanto em Amarante como depois, em 2009, de novo no Marco de Canaveses.

A bem da verdade, diga-se que o caso de Macário Correia em Faro, em 2009, cuja eleição não foi tão fácil assim, pode revelar que há regiões onde esta prática é melhor tolerada pelos cidadãos. Mas, tal como aqui já foi dito, as eleições autárquicas são locais e por isso têm características próprias e difíceis de serem colocadas em comparação com eleições ou estados de espírito nacionais. 



09/07/2013

O Futuro da Democracia

Com uma Democracia destas, quem precisa de uma Ditadura?
Há uns anos atrás, enquanto lia umas coisas por causa de um trabalho académico, tive de ler o livro de Norberto Bobbio, de seu título "O Futuro da Democracia", um trabalho de 1984 onde o autor expôs algumas das virtudes e, principalmente, ameaças à Democracia.

E hoje, perante as crises económica e política (à beira da social) com que Portugal se depara, com um governo "ferido de morte" que pouca ou nenhuma confiança inspira a uma grande parte dos portugueses (sim, eu não falo em "todos os portugueses", limito-me aos factos e não à especulação), quando ouço algumas vozes que, por meros interesses próprios, de classe, partidários ou ideológicos, defendem a não realização do exercício democrático máximo, eleições, não posso esquecer as palavras de Bobbio no seu texto "Governo dos homens ou governo das leis?":

«Em alguns dos maiores escritores políticos da idade moderna [...] a ditadura romana é apresentada como exemplo de sabedoria política [...]» onde, acrescenta, «[...] o dever do ditador é exactamente o de restabelecer o Estado normal e, com isso, a soberania das leis.»

Assim, perante o argumento de que, mesmo na confusão em que o país se encontra, não deve haver eleições para devolver a "voz" aos eleitores permitindo a legitimação das políticas que se estão a impor em Portugal contra aquilo que foram os programas eleitorais dos partidos que compõem hoje o Governo, e onde os próprios partidos políticos, aqueles que, a cima de tudo deveriam procurar defendera democracia, entendem que esta só ocorre de 4 em 4 anos (Guilherme Silva, deputado do PSD, teve a pouca vergonha em o dizer abertamente, uma vez, num programa de debate na TVI24), então parece-me que o vaticínio que se fazia há já uns meses atrás está mais perto do que nunca: com as crises actuais, em Portugal e na Europa, é a própria democracia que já se encontra verdadeiramente em risco uma vez que, em nome de uma dita estabilidade política que poucos conseguem vislumbrar, se exortam como virtudes algumas das características das ditaduras. 

Estamos já, em pleno retrocesso civilizacional. 

Hegel escreveu há muitos anos que a História ensina-nos que não somos capazes de aprender nada com a História... e aparentemente, tinha toda a razão.

10/10/2012

As pombinhas do Professor Augusto

Há uns anos atrás tive a sorte de participar numa acção de formação em que um dos módulos foi ministrado pelo Prof. Augusto dos Santos Silva. Aliado ao interesse que o próprio tema constituía, tive a oportunidade de estar a poucos metros de distância de uma figura da cena política portuguesa que admiro e pude, dessa forma, constatar que a semelhança entre o político que vemos nas televisões e a pessoa ao vivo é a mais pura das realidades.

O discurso simples e acessível, claro e esclarecedor foram tónica no decorrer de todo o módulo. Mas na mesma proporção, as restantes características que lhe aprecio também estiveram presentes: o sentido de humor e a ironia com o perfeito conhecimento das fronteiras do sarcasmo.

No decorrer da prelecção, o Prof. Augusto Santos Silva aludiu a certas diferenças nas visões que os sociólogos e os politólogos têm em determinadas matérias pelo que não perdeu a oportunidade de introduzir, na caracterização que fez, o seu sentido de humor acutilante em relação aos cientistas políticos, sendo ele um homem da sociologia "clássica".

No fim, aproveitei o pedido de autógrafo num dos livros da bibliografia usada para essa acção de formação em que o Prof. era co-autor e aproveitei para usar um pouco do gosto que tenho pela provocação: «Prof. pergunto-lhe se, na qualidade de sociólogo, não coloca reservas em autografar o meu exemplar, mesmo sendo eu licenciado em ciência política.»

E após uma pequena troca de palavras simpáticas e bem humoradas recebi o meu autógrafo! «Para um polítólogo promissor, de um sociólogo mais que clássico.» - Convenhamos que de extrema gentileza e optimismo na parte do "promissor".

Tal como naquele dia, pela riqueza do conteúdo e a forma como o conhecimento foi transmitido, aprendi bastantes coisas novas e aprofundei outras ideias que já não me eram desconhecidas, utilizo todas as oportunidades de que disponho para continuar essa aprendizagem com as suas intervenções.

Hoje no programa "Política Mesmo" da TVI24, no espaço dedicado à opinião e comentário, o Prof. Augusto Santos Silva voltou a ter um momento que só ele poderia ser capaz de proporcionar de verdadeira partilha e absorção de conhecimento imbuído de humor e assertividade.
Quando se referiu às características que os ministros devem possuir, políticas e não técnicas, para estarem disponíveis e preparados para enfrentar os eleitores disse com toda a clareza: «não podemos ser pombinhas nos braços de homens musculados que são os seguranças.»

Obrigado Professor, por mais este momento de grande "malha"!

06/10/2012

Quantidade de deputados

Sem recorrer à quantidade de trabalhos académicos que estão na prateleira, agora que voltamos a ouvir falar do número de deputados e a intenção de os reduzir, começo por dizer, é minha convicção, que a recorrência deste discurso demonstra o quão fácil é lançar soundbytes para atrair "boas graças".

Foram várias as vezes que ouvimos, particularmente em momentos de campanha eleitoral, alegar como grande medida na reforma do sistema eleitoral a redução do número de deputados na Assembleia da República como se os 230 deputados, máximo previsto na Constituição da República Portuguesa, fossem a razão de todos os males do nosso país e da nossa Democracia.
Não digo que da casa da Democracia não saia algum do mal (e também do bem, é justo que se diga) de que padecemos, mas o mal não está, certamente, no número de deputados.
Recentemente ouviram-se até propostas, sem qualquer fundamentação ou estudo, que o número de deputados poderia passar de 230 para 180 ou mesmo para 115!

Tantos foram os estudos sobre reformas do sistema eleitoral que nem vale a pena cita-los todos (desde a redução dos círculos eleitorais até à representação personalizada passando pelo sistema maioritário em vez de proporcional), mas poder-se-ia dividi-los naqueles que continuam a permitir uma maior representatividade dos partidos e noutros que reduzem essa representatividade favorecendo os partidos mais votados.
Mas de todos estes estudos, seja qual a posição de representatividade de ocupem, maior ou menor, nenhum deles é capaz de correlacionar a redução do número de deputados com a «maior proximidade entre eleitos e eleitores e uma menor dependência dos eleitos face às direções partidárias», como foi recentemente (05 de Outubro de 2012) anunciado pelo Secretário Geral do Partido Socialista, António José Seguro.

A intenção apresentada agora por António José Seguro para a apresentação de uma proposta de alteração para uma espécie de modelo de representação proporcional personalizada não é diferente. É por isso que me parece prematuro avançar qualquer soundbyte de que a proposta visará a redução do número de deputados. E se o fizer, isto é, se efectivamente a proposta permitir uma redução do número de deputados ela não deve ser entendida como uma melhoria e eficácia nos trabalhos parlamentares, legislativos e, muito menos, numa maior independência dos eleitos face às direcções partidárias. Com uma relação mais estreita com os eleitores, talvez, agora um maior distanciamento das direcções partidárias, dificilmente! Esse distanciamento resulta mais do funcionamento interno dos próprios partidos do que do número maior ou menor dos deputados.

Apenas como exemplo posso destacar um dos mais recentes estudos sobre esta matéria, curiosamente solicitado pelo Grupo Parlamentar do PS e elaborado pelos Professores André Freire e Manuel Meirinho, e Diogo Moreira: "Para uma melhoria da representação política, A reforma do sistema eleitoral" publicado pela Sextante Editora.

Porque o que se pretende no discurso político, muitas vezes, é a capturar a atenção para o tema através de frases marcantes e com pouca concretização, o que me parece que ficou subjacente ao discurso do Secretário Geral do PS não deverá diferir muito de algumas das ideias deixadas neste trabalho, onde facilmente se percebem as vantagens e desvantagens numa reforma neste sentido. Por isso, poderão constatar que nele, onde se prevê uma alteração aos actuais círculos eleitorais mas mantendo os níveis de proporcionalidade e governabilidade, a redução do número de deputados é da grandeza de... 1 (um). O sistema eleitoral português veria reduzido o número de deputados de 230 para 229!

Em conclusão, não existe qualquer estudo, que se conheça, que atribua ao número de deputados um impacto relevante no sistema eleitoral que justifique uma reforma eleitoral baseada apenas nessa convicção!
Antes de se perguntar sobre qual o número certo de deputados para compor a Assembleia da República é necessário que se saiba exactamente que sistema se pretende implementar.

Empiricamente poder-se-á dizer que, na maior parte das vezes, a critica feita aos deputados pelos cidadãos não passa tanto pela quantidade de deputados mas sim pela qualidade do trabalho por eles realizado. Este sim, um soundbyte a ter em conta.


ADENDA (06.10.2012)
Este texto faz ligação à notícia disponibilizada no site do PS que já não está disponível (pelo menos através do mesmo link). Por essa razão aqui a reproduzo na integra (imagem):


30/06/2011

De candidato a Primeiro-Ministro

Para memória futura... para um qualquer trabalho de análise da transformação de "políticos candidatos" em "políticos governantes"...

..

..

02/06/2011

Ensinamentos da História

(Texto escrito em Março de 2011... ainda estava por publicar)

Relativizarmos o tema da crise apenas a Portugal seria incorrer num erro. É impossível negar: a crise está aí, não é só nossa ainda que estejamos a sofrer mais do que outros e, ao que parece, está para durar mais algum tempo.

A capacidade para a ultrapassar depende de todos nós mas, e naturalmente, mais daqueles que são legitimados para exercer cargos de governo – sejam eles de nível central, regional ou local – porque, afinal, Portugal é ainda um estado democrático.

Se acreditarmos que a História não se repete devemos, pelo menos, considerar que pode servir para evitar erros passados que estiveram na génese de grandes convulsões. Se atendermos que se a «a crise mundial [que teve início em 1929 arrastando-se até meados dos anos 30] provocou um enfraquecimento geral da democracia, considerada responsável pelas desordens económicas e sócias, e facilitou o aparecimento de novas ideologias autoritárias e que utilizam o nacionalismo como meio de ascensão ao poder ou como fuga aos problemas interinos»[i], os nossos decisores políticos têm uma responsabilidade acrescida na escolha das políticas. Não devem ser cometidos os mesmos erros do passado.

E é precisamente em momentos sensíveis e conturbados como os que vivemos actualmente que vemos surgir movimentos, cujas reivindicações roçam a utopia ou demagogia orientadas por ideias que no mínimo se poderão considerar anarquistas, imiscuindo-se com outros devidamente identificados e passíveis de uma apreciação séria por se considerar poderem trazer propostas exequíveis. Vimos recentemente uma mescla de contestações e sugestões sem que daí consigamos retirar de forma clara e inequívoca uma ou mais propostas com soluções.

Reclamava-se por melhores condições ao mesmo tempo que outros pediam a demissão do Governo. Mais à frente clamava-se por uma maior atenção pelas pessoas e simultaneamente a extinção de todos os cargos políticos no nosso país. Exigiam-se políticas de iniciativa interna, viradas para os portugueses ao mesmo tempo que manifestantes de várias nacionalidades estrangeiras contribuíam para adensar a massa manifestante. E esta situação torna-se particularmente grave quando a ela se associam partidos políticos. Quando os partidos optam pelo discurso vazio, com um conteúdo de fácil combustão quando misturados com descontentamentos e frustrações, e sem soluções que sirvam o interesse geral, o resultado raramente se pode saldar como positivo.

Os partidos políticos têm, em democracia, um papel fundamental. São estas associações de indivíduos com interesses na participação política e governo que têm a seu cargo a responsabilidade: no recrutamento e selecção de dirigentes (que passa pela formação e pela renovação destes); de contribuir para a estruturação da opinião pública com a apresentação de programas e políticas; organizar a grande diversidade de valores e uma integração social. É também nestes que, além da natural função de assegurar a representação política, recai a função de mediação – ligação e articulação – entre as instituições políticas e a sociedade, assim como a integração de conflitos.

É por estas razões que os partidos políticos não só não podem deixar de existir, sob o risco de se instalarem modelos de governação assentes em grupos onde os aspectos societais e sociais pequem por inexistentes, como também não devem tornar a sua existência financeira ou “ideológica” dependente de grandes grupos de interesses. Por isso, reivindicações para a erradicação da classe política, por exemplo, ou alterações nas estruturas com funções governativas devem ser alvo duma apreciação cuidada e desprovida de sentimentos.

Julgo, por isso, que a conjuntura actual, onde naturalmente a governação não deve, ou antes dizendo, não pode entrar navegação automática, é a que indica que está na altura de se repensarem os partidos sem se esquecer as suas origens, interesses próprios e ideológicos e, naturalmente, colocando sempre o país e os seus cidadãos como principal destaque.

Os aparelhos partidários devem retomar ao seu estado de estrutura directa, isto é, nos partidos cuja filiação é individual a interacção entre o partido e o militante deve ser feita de forma directa; ainda que não possamos classificar as actuais estruturas partidárias como partidos de quadros, estas deverão perder a condição que claramente têm vindo a adquirir e a que Robert Michels (1876-1936) chamou em 1911 a “Lei de ferro da oligarquia” (também traduzida como “Lei de bronze da oligarquia”). Encontramos hoje nas direcções partidárias uma espécie de oligarquia onde praticamente as “massas” são necessariamente governadas por uma minoria que se lhes impõem, com um sentido algumas vezes oposto à função de renovação e com uma consequente inércia por parte dos seus militantes ou cidadãos.

No passado, diz-nos a história, os partidos políticos foram preponderantes na transformação das sociedades. Porque a actual crise não é exclusivamente económica, chegou o momento em que os partidos devem reassumir o seu papel principal na construção duma melhor e mais justa sociedade.



[i] MOUGEL, Françoies-Charles, PACTEAU, Séverine (2009). História das Relações Internacionais. Mem Martins: Publicações Europa-América. Pág 67.

19/02/2011

O Sistema Eleitoral Português

Finalmente li um dos livros que, há mais de um ano, estava em lista de espera: «O Sistema Eleitoral Português, crónica de uma reforma adiada».

O autor baseou-se em obras dos Professores Manuel Braga da Cruz, Manuel Meirinho Martins, André Freire, Pedro Magalhães, entre outros, para, ao longo do trabalho, nos deixar algumas reflexões e uma descrição muito clara, sem ser demasiado exaustiva, de todos os processos de intenção e concretização de reformas eleitorais desde 1974.
Permite-nos, assim, compreender melhor as posições e propostas anteriores dos partidos políticos em relação às reformas eleitorais e, numa perspectiva comparada, não se tornam evidentes diferenças significativas ao longo dos anos.

Porque recentemente se deu inicio, promovida pelo PS e PSD, a nova discussão (?!) sobre uma eventual reforma do sistema eleitoral, este livro publicado em 2008 adquire uma nova actualidade porque nele podemos encontrar diversas semelhanças com reformas anteriores e, eventualmente, nos permitirá antecipar o seu desfecho no que respeita aos pontos principais em discussão, nomeadamente, e apenas como exemplo, à "famosa" redução do número de deputados na Assembleia da República.

Resultado da dissertação de mestrado de Nuno Sampaio sobre um tema recorrente ao longo da jovem democracia portuguesa, não deixa de ter um subtítulo muito interessante e, por que não dizê-lo, muito adequado.

Pois, tal como na obra de Gabriel García Marquez, «Crónica de uma morte anunciada», quando já todos sabiam que Santiago Nasar ia morrer excepto o próprio, também as reformas eleitorais em Portugal tem o seu vaticínio: na luta pelo poder, a tendência é a ausência dum equilíbrio entre quem o disputa. Há sempre alguém que ganhe mais e há sempre alguém que perca mais. Estarão as forças políticas dispostas a correr o risco de perder na distribuição desse poder?

Provavelmente também aqui possamos aplicar o "dilema do prisioneiro"...

06/12/2010

O Poder Presidencial em Portugal

No passado dia 25 de Novembro tive oportunidade de assistir ao lançamento do livro "O Poder Presidencial em Portugal - Os dilemas do poder dos presidentes na república portuguesa" na mítica Livraria Barata (ainda que lá vá poucas vezes, é uma das minhas favoritas!).

Neste lançamento, além dos autores, Profs. André Freire e António Costa Pinto, estavam também os Profs. Carlos Blanco Morais e Jorge Reis Novais que proporcionaram momentos de discussão académica bastante interessantes.
Por momentos senti-me de novo aluno.

Uma apresentação maioritariamente em convergência de ideias que acabou enriquecida com um debate onde os presente puderam assistir a uma troca de ideias interessantíssima, algumas delas em discordância com o trabalho dos autores. Não posso ficar indiferente às críticas do Prof. Jorge Reis Novais aos métodos da ciência política e dos politólogos de «atribuir classificação a tudo» chamando a atenção do seu trabalho "Semipresidencialismo" na mesma temática. Não deixa de ser corajosa esta crítica encontrando-se literalmente entre dois autores da área da Ciência Política.

Um debate que, na minha humilde opinião, pecou por ser demasiadamente curto perante o interesse do tema e à discussão que suscita, o poder e a acção presidencial. Para esta sensação de que muito ficou por discutir, contribuiu a clareza e qualidade dos oradores presentes.

Porque tinha em mãos outro livro interessante, só consegui iniciar a leitura alguns dias depois. Ainda que o tempo disponível não fosse muito, o conteúdo absorvente deste trabalho fez com que o lesse em apenas 3 noites!

Este livro divide-se em duas partes: a primeira aborda a evolução histórica do poder presidencial («O Poder Presidencial em Perspectiva Histórica»); e a segunda a questão deste poder em democracia complementada com alguns dados e factos («O Poder Presidencial em Democracia»).
Refira-se que esta obra assenta no anterior trabalho dos mesmos autores, O Poder dos Presidentes - A República Portuguesa em debate.
Ambos os trabalhos debruçam-se sobre a mesma temática, e por isso verificamos que as primeiras partes são iguais, encontrando-se diferenças nas segundas sendo o último (O Poder Presidencial em Portugal - Os dilemas do poder dos presidentes na república portuguesa) acrescentado e complementado também com as presidenciais de 2006.

Trata-se, na minha opinião, de um livro interessante e que contribui positivamente para a compreensão, além da componente histórica do cargo de Presidente da República, de determinadas atitudes e exercício da função. É, sem qualquer sombra de dúvidas, uma obra apropriada para o momento que se aproxima, as eleições presidenciais.
Responde a muitas questões que se levantam no dia a dia sobre a figura do Presidente da República (como instituição).

No entanto, e apesar de considerar este livro muito válido e que contribuiu para que pudesse aprofundar o meu conhecimento nesta área, julgo pertinente umas pequenas observações (porque a ciência política, além dos números e probabilidades, também se faz de discussão).

Ainda que a vertente constitucional não seja o meu forte, sou levado a acompanhar o Prof. Jorge Reis Novais na divergência dos autores quando referem que com a revisão constitucional de 1982 os poderes do Presidente da República ficaram reduzidos. Não obstante a necessidade do PR ter de consultar o Conselho de Estado antes de dissolver a Assembleia da República, o facto do parecer desse órgão não ser vinculativo e a abertura que o texto constitucional permite ao entendimento individual, dá a liberdade ao Presidente de proceder por iniciativa e motivação pessoal.
Considero também que as acções presidenciais - vetos e fiscalizações - demonstradas pelos autores (pág. 108) poderia ser complementada com o números de leis enviadas para promulgação pela AR e pelo o Governo em cada mandato. Desconhecendo a dificuldade que esse pormenor implicaria para o trabalho, julgo que dessa forma poderia ficar mais clara a percentagem dos vetos e das fiscalizações de cada um dos Presidentes nos mandatos analisados em relação ao número de leis elaboradas.

Como seria natural num trabalho destes, não poderiam fugir ao tema das "escutas de Belém". No entanto, nesta passagem, os autores referem a demissão do assessor do Presidente que alegadamente esteve na origem deste incidente. Na verdade, este assessor apenas foi afastado da função que exercia na altura mantendo-se ao serviço da presidência e sendo recentemente promovido dentro da instituição.

Por fim, na abordagem duma das partes que considero bastante relevante neste trabalho, a relação dos candidatos presidenciais com o sistema partidário e os partidos políticos, para o leitor menos esclarecido sobre as candidaturas a Presidente da República pode ficar a noção errada de que as candidaturas são de natureza partidária. Esta confusão obviamente não é da responsabilidade dos autores mas sim do discurso fortemente partidário na apresentação de candidaturas (onde destaco a responsabilidade das candidaturas apoiadas pelo PCP) e no decorrer das campanhas eleitorais.

Em suma, este é um livro que se recomenda a todos aqueles que se interessam por Ciência Política, por Política e para aqueles que querem ficar esclarecidos sobre o nosso semipresidencialismo!



Nota: as considerações que aqui deixo não devem ser entendidas como críticas ou uma forma de desvalorizar este livro. Muito pelo contrário: a importância com que este livro se apresenta na temática que aborda é razão suficiente para se abrir à discussão.

04/10/2010

PSD e a Ciência Política

A Ciência Política não é, e está longe de o vir a ser, uma ciência exacta. Para poder incidir sobre o seu objecto de estudo, as "coisas políticas" (citando o Prof Adelino Maltez), tem que recorrer constantemente à história, entre outras disciplinas, para encontrar soluções e respostas para determinadas condutas humanas e políticas.
Não se trata duma ciência onde seja possível criar experiências controladas em laboratório e dessa dificuldade Karl Deutsch dava conta dizendo que as questões sobre as quais a Ciência Politica se debruça não são passiveis de verificar de forma constante.

Ciente dessa dificuldade, não posso deixar de dar aqui conta dum artigo de opinião da Prof Marina Costa Lobo que dá conta da actual dificuldade da Ciência Política na análise do comportamento dos líderes do PSD:

«Em ciência política, é comum partir do princípio da racionalidade dos actores políticos. Significa isto que se atribui a todos os líderes políticos a capacidade de, perante um objectivo, e com alguma informação, o de escolher o melhor caminho para alcançar esses mesmos objectivos. Mas há qualquer coisa de sistematicamente irracional nos líderes recentes do PSD, dificilmente explicável à luz dos conhecimentos que existem sobre os processos políticos. Por exemplo, a decisão de Manuela Ferreira Leite de não fazer campanha eleitoral nas últimas eleições desbaratando a vitória nas recentes europeias, ou agora toda esta conduta de Passos Coelho.»
Related Posts with Thumbnails