30/05/2014

As falhas dos Partidos ou os Partidos das falhas

Varias vezes escrevi aqui sobre os partidos políticos e a importância que estes representaram, representam e, acredito, representarão para os Estados democráticos e na manutenção daquela que é a principal característica destes: a Democracia.

O afastamento entre governantes e governados, entre eleitores e políticos, isto é, entre os cidadãos e os partidos políticos, é cada vez maior.
Peter Mair atesta esse mesmo afastamento no seu último trabalho, Ruling the Void - The hollowing of western democracy
«[...] parties are increasingly failing in their capacity to engage ordinary citizens, who are voting in smaller numbers than before and with less sense of partisan consistency, and are also increasingly reluctant to commit themselves to parties, wether in terms of identification or membership. In this sense, citizens are withdrawing from conventional political involvment. [...] the parties can no longer adequately serve as a base for the activities and status of their own leaders, who increasingly direct their ambitions towards external public institutions and draw their resources from them. Parties may provide a necessary platform for political leaders, but this is increasingly the sort of platform that is is used as a stepping stone to other offices and positions. Parties are failing, in other words, as a result of a process of mutual withdrawal or abandonment [...]»

Se dúvidas existissem sobre a constatação, científica e empírica, deste distanciamento crescente entre os cidadãos e a política, uma rápida consulta aos números resultantes dos actos eleitorais dos últimos anos (sejam legislativas, presidenciais, autárquicas ou europeias) facilmente seriam desfeitas.

Não obstante os partidos políticos reconhecerem estas evidências, o que eu não estou certo é da sua capacidade, ou mesmo de alguma vontade, para inverter esta tendência perigosa - o alheamento é a base da desresponsabilização.

Porque a política se faz com pessoas, continuo a acreditar que a mudança da situação actual se fará como no passado: com a adesão dos cidadãos à militância política em partidos ou movimentos (com as devidas limitações destes últimos), e, dessa forma, através da transformação e debate de ideias.

27/05/2014

Europeias 2014, um retrocesso na construção europeia?

Muito se disse e se escreveu sobre estas eleições europeias (2014) e sobre as eventuais consequências dos resultados, tanto ao nível nacional como ao nível europeu.
Um dia depois do sufrágio ainda não são conhecidos os resultados finais:
«Com os resultados de inscritos e votantes já disponíveis (7965 inscritos e 481 votantes) dos consulados que têm suspenso o apuramento por estarem a aguardar, para apuramento, os votos de mesas com menos de 100 eleitores, é possível concluir pela certeza da distribuição dos quatro mandatos ainda não atribuídos na plataforma às candidaturas da Aliança Portugal, CDU - Coligação Democrática Unitária, Partido da Terra e Partido Socialista (indicados por ordem alfabética, por não ser definitiva ordem da sua atribuição).»
Não vou entrar na discussão sobre se a vitória do PS foi uma "uma grande vitória", ou se a derrota da Aliança Portugal não tem assim um tão grande impacto na condução do Governo como lhe querem atribuir e que as legislativas não estão perdidas, ou se a CDU e o "justicialista" Marinho Pinto (MPT) foram os grandes vencedores ou, ainda, se o BE foi realmente o grande perdedor.
Há já quem o tenha feito e, diga-se, com alguma lógica e sentido, mas há alguns indicadores nestas eleições (ainda que, à data de hoje, os dados sejam provisórios) que lançam para a discussão algumas pistas sobre quem mais perdeu e quem mais ganhou. A interpretação, fica ao critério de cada um:
Dados comparativos (provisórios à data 26.05.2014)

Evidências que saltam à vista de 2009 para 2014: o PS apenas aumentou o seu leque de votantes em 86.407 votos; PSD e CDS juntos perderam 517.869 votos; CDU só aumentou em 36.323 votos o seu anterior resultado; MPT conquista mais 211.104 votos e o BE perdeu 232.445 votos. Menos 279.146 eleitores inscritos deixaram de ir votar, aumentando o número de abstencionistas, e dos votantes, 29.325 decidiram ir às urnas anular o seu voto.

Parece-me, portanto que, nem a CDU foi o grande agregador do voto de descontentamento do eleitorado, nem o PS teve um grande crescimento face a 2009. BE é, de facto, um grande perdedor ao lado do PSD e CDS. O MPT, sim, com um discurso também ele pouco virado para a Europa, talvez tenha sido aquele que melhor conseguiu capitalizar o voto de descontentamento. (Julgo ainda que um partido uni-pessoal como é o Livre, com 71.558 votos, teve um muito bom resultado.)

Há, ainda um outro dado importante que não foi referido, ou pelo menos não encontrei qualquer referência na comunicação social ou na comunicação dos partidos (e que o PS poderá ou poderia ter capitalizado mas não o fez, optando por se focar numa subida de (quase) 5 pontos percentuais): tendo havido uma redução do número de deputados portugueses no PE, de 22 para 21, é muito provável que o maior prejudicado (utilizando os resultados provisórios à data de hoje) tenha mesmo sido o PS - se se mantivessem os 22 eurodeputados, muito provavelmente o PS elegeria o 9 eurodeputado alargando a distância em relação à coligação PSD/CDS:
Distribuição de eurodeputados pelo Método d'Hondt (resultados provisórios à data 26.05)

Com estes dados, facilmente se conseguirá compreender os motivos de preocupação de António Costa ou as conclusões de Nuno Severiano Teixera, hoje (26.05), no Público: "[...] derrota clara da coligação que é a punição do Governo e da política de austeridade, sem dar uma vitória folgada ao Partido Socialista."

Mas o que fica claro é que num sufrágio que tinha como objectivo a eleição de deputados para o Parlamento Europeu, a campanha foi quase exclusivamente focada nas questões internas do país.
Os partidos, note-se, nenhum foi capaz de explicar aos eleitores a importância destas eleições de 25 de Maio. Tanto a importância que o Parlamento Europeu desempenha no dia-a-dia dos cidadão europeus, assim como o significado da alteração que o Tratado de Lisboa introduziu na escolha do Presidente da Comissão Europeia - é que mesmo que continuem a ser os Governos (Conselho Europeu) a decidir sobre o Presidente da Comissão, o resultado das eleições terá impacto nessa escolha uma vez que tem de ser tomado em consideração no nome a propor. E por isso, as consequências estão à vista: uma enorme abstenção (66,10% em Portugal, a cima da média europeia 56,91%) e um claro crescimento das forças anti-europeias e radicais (à esquerda e à direita!) na Europa. Mas foi este um problema unicamente português? Não, não foi.

A perspectiva sobre o futuro da Europa está nublada. Mas a do sistema partidário português não augura nada de bom... é que, como escreveu um dia Peter Mair (em Ruling the Void):
«The age of party democracy has passed. Although the parties themselves remain, they have become so disconnected from the wider society, and pursue a form of competition that is so lacking in meaning, that they no longer seem capable of sustaining democracy in its present form.»  

12/05/2014

A Tragédia da limpeza

A edição portuguesa le'Monde Diplomatique, de há algum tempo para cá que se tornou a minha leitura preferida. Um jornal diferente que se destaca pela qualidade (elavada) dos seus textos.
Na edição de Maio, posso deixar de destacar a "Tragédia Limpa", por Sandra Monteiro, que desmistifica muito do discurso recorrente sobre o estado em que Portugal se encontrava antes deste Governo de maioria PSD e CDS, e como se encontra actualmente. Um discurso que, como a autoria indica, e infelizmente, não sofre qualquer critica:
«Estamos perante uma farsa limpa, uma realidade suja e uma saída que, nestes moldes, simplesmente não existe. A farsa, eficazmente montada por responsáveis políticos preocupados com as eleições de 25 de Maio para o Parlamento Europeu e reproduzida sem qualquer exigência crítica pela generalidade dos meios de comunicação, está a tornar-se intoxicação. E isso fará dela uma tragédia.
O Memorando de Entendimento assinado em 2011 com a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional), tanto na versão inicial como nas ultrapassagens pela direita depois introduzidas, serviu para disfarçar de «ajuda financeira externa a um país em dificuldades» um empréstimo bancário muito condicionado a políticas orçamentais de reconfiguração do Estado (amputando as suas dimensões sociais e os serviços públicos) e do trabalho (cortando empregos, direitos e salários, precarizando e forçando tantos desempregados à emigração).
Este programa tipicamente neoliberal, que nem deixou de fora as privatizações de empresas e sectores lucrativos, permitiu ao sistema financeiro internacional transformar uma crise bancária e financeira numa crise de dívidas dos Estados. Mesmo países como Portugal, que antes da crise iniciada em 2008 não tinham grandes problemas de dívida pública, caíram na armadilha. 
[...]
A celebração da «saída limpa» não é, portanto, nem «saída» nem «limpa» A única «limpeza» é a da farsa, que aproveita de forma obscena as fragilidades de uma população sequiosa de boas notícias e alguma esperança. Há poucas mentiras tão detestáveis quanto as que são ditas nestas condições de sofrimento colectivo. Pelas ausência de limites na prossecução dos seus fins, mas também por serem um concentrado de anti-democracia. Governar pela impostura é expulsar do conflito político-social as regras do jogo democrático (e a confiança nelas depositada para resolver problemas colectivos); é alimentar soluções que prescindem da democracia.
[...]
Se não for agora que a esquerda, que todas as esquerdas, se empenham em deter este empreendimento criminoso e substituí-lo por políticas que promovam a justiça social, quando será? Quando as regras de saída das crises já nada quiserem com o jogo democrático? Por muito que se tente manipular a realidade, a tragédia, quando se instala, é sempre suja.»

Já agora, uma leitura n'"A máquina de punir" de Serge Halimi também vem a calhar.

06/05/2014

A História que nada ensina

«O mundo económico será na realidade, como pretende o discurso dominante, uma ordem pura e perfeita, desenrolando implacavelmente a lógica das suas consequências previsíveis e pronta a reprimir todas as infracções por meio de sanções que inflige ou de maneira automática, ou, mais excepcionalmente, através do seu braço armado, o FMI ou a OCDE, e das políticas drásticas que este impõe, baixa o custo da mão-de-obra, redução das despesas públicas e flexibilização do trabalho? E se tudo isto não passasse de facto do pôr em prática de uma utopia, o neoliberalismo, assim convertida em programa político, mas de uma utopia que, com o auxílio da teoria económica da qual se reclama, logra pensar-se como a descrição científica do real?»

Como reagiria se lhe dissesse que estas duas perguntas tão actuais em 2014 dizem respeito à "actualidade" de 1997 e 1998?
A História apenas mostra a nossa incapacidade de aprender com ela e uma incompetência tamanha para evitar que se repita!

Este excerto pertence ao «O Neoliberalismo, utopia (em vias de realização) de uma exploração sem limites», de Janeiro de 1998, texto de um dos mais brilhantes sociólogos (antropólogo e filósofo também), Pierre Bourdieu.
Poder-se-ia dizer que a referência ao «em vias de realização», hoje, teria de ser actualizada para um «em fase avançada de execução»!
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