30/07/2013

O imperativo da mudança

 Benjamin Franklin, 1754
Mesmo com o descontentamento crescente dos cidadãos com a política e com os políticos ou, mais grave ainda, com as próprias instituições que os governam, há uma verdade que, muitos anos depois, ainda é uma verdade absoluta: as decisões que influenciam a governação das sociedades ainda emana a partir dos actores políticos, em especial dos partidos políticos.

Não são novas as minhas derivações pelos "ensinamentos da história" (aqueles que retive) onde entendo como fundamental a participação dos partidos políticos nos processos de decisão e os seus graus de responsabilidade nesses mesmos processos, nomeadamente, e para além do seu papel na estruturação da opinião pública e na integração social, no que respeita à selecção e formação dos seus dirigentes. 
Nos dias que correm, e agudizado pela crise política e social que Portugal vive, torna-se evidente um problema transversal a todos os partidos políticos: as direcções dos partidos tomam hoje decisões, em alguns casos contrárias a posições anteriores ou às suas próprias linhas orientadoras, perante uma total apatia dos seus militantes.  

Por considerar que a mudança se faz, ou se deveria fazer, a partir do interior dos partidos, sempre considerei a filiação partidária como o primeiro passo para a alteração do status quo podendo ser, dessa forma, um contributo para contrariar o recorrente discurso contra os políticos e contra a política. Infelizmente, um discurso para o qual os partidos políticos muito têm contribuído.

Como qualquer estrutura social, também os partidos têm falhas: nas suas estruturas, nas suas orgânicas e, mais grave, porque deveria ser a partir destas que se deveria reclamar o imperativo da mudança, até nas suas bases.
Num sentido figurado, o oxigénio dos partidos é o poder, são as vitórias eleitorais, e os militantes  os seus pulmões. As razões das militância são próprias de cada um e os objectivos com que se a exerce são legítimos, todos eles - importa aqui notar a diferença entre objectivos legítimos e meios/métodos legítimos.
Mas ao contrário dos pulmões no corpo humano, cujo movimento é 'não intencional', o movimento militante deveria ser provido de intencionalidade. A militância deve ser ideológica, racional e isenta de dogmas. Os militantes devem ser ser informados e formados para que a plataforma onde assenta a sua escolha e acção possa ser concebida a partir da razão. E para isso muito deveriam contribuir lideranças coerentes e programáticas.

Se antes entendi que os partidos se deveriam abrir aos militantes para que houvesse uma aproximação aos cidadãos e aos seus verdadeiros interesses, hoje entendo que os partidos se devem abrir aos cidadãos para que haja uma verdadeira aproximação aos interesses das próprias comunidades. Talvez seja a partir daqui que, efectivamente, se possam abrir as portas para a mudança do paradigma partidário e da percepção, algumas vezes não muito longe da realidade, que os cidadãos têm dos partidos e, consequentemente, dos políticos e da política.

22/07/2013

Livro: Não vos rendais!

O que mais prazer me dá na leitura de um livro é identificar-me com aquilo que leio. E este é um livro onde me identifico praticamente da primeira à última página. Stéphane Hessel em "Não vos rendais!", à semelhança de outro ensaio por si escrito ("Indignai-vos!"), em poucas páginas expõe de forma muito simples os problemas com que se deparam hoje os cidadãos e a própria União Europeia.

Hessel neste pequeno livro que apela à irresignação, entre outras coisas, aponta como uma das soluções para a credibilização da política e dos partidos políticos a participação dos cidadãos nos fóruns políticos e nas estruturas partidárias. Com essa forma de acção política, com a qual concordo e defendo, os cidadãos estarão posicionados para contribuírem positivamente e activamente para a mudança que tanto se pede e exige.
"Não vos rendais!" é um livro que, seja qual for a conjuntura, deveria ser de leitura obrigatória.

Sinopse:

O mundo como o conhecemos corre o risco de perecer. «Na crise actual», diz Stéphane Hessel, «está em jogo a sobrevivência das conquistas sociais alcançadas nas últimas décadas. O Estado- Providência, os direitos básicos dos cidadãos e dos trabalhadores, o direito à saúde e à educação, a liberdade de imprensa… tudo isto está hoje ameaçado pelo poder insolente do dinheiro e da ditadura dos mercados.» 

Stéphane Hessel foi a voz que, graças à publicação do livro-manifesto Indignai-vos!, deu nome ao movimento dos indignados um pouco por todo o mundo. Inspirado pelo movimento que ele próprio inspirou - e que viu como «um sinal de que há seiva nova para revitalizar o corpo social» -, lança neste seu testamento político um fervoroso chamamento para que não cedamos perante a fatalidade, para que nos comprometamos e actuemos, convencido de que a indignação não basta e que é preciso agir para derrubar a oligarquia e reivindicar a verdadeira democracia. 

Com a lucidez e a sabedoria que conquistou por ter sido actor de primeira linha no conturbado século XX, Hessel apela à insurreição das consciências e à mobilização pacífica mas concertada, com vista a gerar a metamorfose necessária e reconstruir o futuro da Europa. Pois «será da Europa - que é o mesmo que dizer de nós próprios - que deverá surgir a luz que nos conduzirá à saída do túnel. É a nossa responsabilidade.»

21/07/2013

Livro: Atentado ao Pudor

"Atentado ao Pudor" ("Indecent Exposure" no original, 1973) de Tom Sharpe, autor britânico recentemente falecido e que possuía um excelente humor negro, é a sequela do "Balbúrdia na Cidade" ("Riotous Assembly") de 1971. A continuação da saga do Kommandant Van Heerden e, surpreendentemente, do Konstabel Els é mais uma história repleta da sátira e do humor muito peculiar a que Sharpe habituou os seus leitores.


«O Sargento desceu à morgue da Polícia, onde o médico estava a fazer uma autópsia num Africano que tinha sido espancado até à morte no interrogatório.

- «Morte natural» - escreveu na certidão de óbito, antes de atender o Sargento Breitenbach.»

Foram passagens como esta, escritas em pleno Apartheid, que continuaram a irritar as autoridades sul africanas (que já o tinham expulso da África do Sul no início dos anos 60) e com as quais Sharpe apontava a perversão e o ridículo do regime que se viveu naquele país africano entre 1948 e 1994.

Sharpe tinha esta capacidade: o uso da sátira de forma inteligente e muito divertida para a exposição do ridículo das situações políticas e sociais.

"Atentado ao Pudor" é mais um livro capaz de proporcionar alguns momentos de gargalhadas e boa disposição cuja leitura recomendo. Ainda não posso dizer que tenho toda a sua bibliografia lida, mas já falta muito pouco, mesmo muito pouco...


Sinopse:

«O Kommandant Van Heerden, que o leitor já conhece de Bálburdia na Cidade, convencido de possuir um coração de gentleman inglês, em consequência do transplante a que foi submetido, passa a cultivar sinais exteriores de inglesismo, inscrevendo-se no clube de golfe de Piemburg, onde conhece Mrs. Heathcote-Kilkoons, uma cinquentona bem conservada e provida de carnes, que o vai arrastar para as mais loucas aventuras.

O Luitenant Verkamp continua com as suas velhas obsessões e, temporariamente no comando, aproveita para pôr em prática dois fabulosos planos da sua autoria: um para acabar com as «perversões» sexuais na polícia, outro para apanhar uma suposta rede de sabotadores comunistas. Acaba por enlouquecer, sendo entregue aos cuidados da sensual e atrevida Dra. Von Blimenstein, que usando de chantagem, o tenta obrigar a casar. No final, porém, tudo se compõem e a paz e os Valores da Civilização Ocidental voltam a reinar em Piemburg.»

19/07/2013

Estou cansado, pá!

Porque também isto é política, não podia deixar aqui a letra da música "Vernáculo" dos UHF. Um excelente tema que faz parte do muito bom álbum "A Minha Geração" (de 2013). Além do texto, não deixem de ouvir também a música (em baixo), não deixem de comprar o CD!

Cada um fará a interpretação que mais lhe convir, entenderá a mensagem da forma que melhor lhe aprouver, mas... estou cansado, pá! O país está num farrapo... as pessoas estão alheadas... estou cansado, pá! Estou mesmo cansado, pá!


Estou cansado, pá
Cansado e parado por dentro
Sem vontade de escolher um rumo
Sem vontade de fugir
Sem vontade de ficar
Parei por dentro de mim
Olho à volta e desconheço o sítio
As pessoas, a fala, os movimentos
A tristeza perfilada por horários
Este odor miserável que nos envolve
Como se nada acontecesse
E tudo corresse nos eixos.
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar
Idiotas convencidos
Que um dia um voto lançou pela TV
E se acham a desempenhar uma tarefa magnífica.
Com requinte de filhos da puta
Sabem justificar a corrupção
O deserto das ideias
Os projectos avulso para coisa nenhuma
A sua gentil reforma e as regalias
Esses idiotas que se sentam frente-a-frente no ecrã
À hora do jantar para vomitar
O escabeche de um bolo de palavras sem sentido
Filhos da puta porque se eternizam
Se levam a sério
E nos esmigalham o crânio com as suas banalidades:
O sôtor, vai-me desculpar
O que eu quero é mandá-los cagar
Para um campo de refugiados qualquer
Vê-los de Marlboro entre os dedos a passear o esqueleto
Entre os esqueletos
Naquela mistura de cheiros e cólicas que sufoca
Apenas e só - sufoca.

Estou cansado

Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou cansado de viver neste mesmo pequeno país que devoram

Escudados pelas desculpas mais miseráveis
Este charco bafiento onde eles pastam
Gordos que engordam
Ricos que amealham sem parar
Idiotas que gritam
Paneleiros que se agitam de dedo no ar
Filhos da puta a dar a dar
Enquanto dá a teta da vaca do Estado
Nada sabem de história
Nada sabem porque nada lêem além
Da primeira página da Bola
O Notícias a correr
E o Expresso, porque sim!
Nada sabem das ideias do homem
Da democracia
Atenas e Roma
Os Tribunos e as portas abertas
E a ética e o diálogo que inventaram o governo do povo pelo povo
Apenas guardam o circo e amansam as feras
Dão de comer à família até à diarreia
Aceitam a absolvição
E lavam as manipulas na água benta da convivência sã
Desde que todos se sustentem na sustentação do sistema
Contratualizem (oh neologismo) o gado miúdo
Enfatizem o discurso da culpa alheia
Pela esquizofrenia politicamente correcta:
Quando gritam, até parece que se levam a sério
Mas ao fundo, na sacristia de São Bento
O guião escrito é seguido pelas sombras vigentes. 

Estou cansado

Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou farto de abrir a porta de casa e nada estoirar como na televisão

Não era lá longe, era aqui mesmo
Barricadas, armas, pedradas, convulsão
Nada, não há nada
Os borregos, as ovelhas e os cabrões seguem no carreiro
Como se nada lhes tocasse - e não toca
A não ser quando o cinto aperta
Mas em vez da guerra
Fazem contas para manter a fachada:
Ah carneirada, vossos mandantes conhecem-vos pela coragem e pela devoção na gritaria do futebol a três cores
Pelas vitórias morais de quem voa baixinho
E assume discursos inflamados sem tutano.

Estou cansado

Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou cansado, pá

Sem arte, sem génio, cansado:
Aqui presente está a ementa e o somatório erróneo do desempenho de uma nação
Um abismo prometido
Camuflado por discursos panfletários:
Morte aos velhos!
Morte aos fracos!
Morte a quem exija decência na causa pública!
Morte a quem lhes chama filhos da puta!
- E essa mãe já morreu de sífilis à porta de um hospital.
Mataram os sonhos
Prenderam o luxo das ideias livres
Empanturraram a juventude de teclados para a felicidade
E as famílias de consumo & consumo
Até ao prometido AVC
Que resolve todas as prestações:
Quem casa com um banco vive divinamente feliz
E tem assistência no divórcio a uma taxa moderada pela putibor.
Estou cansado, pá
Da surdez e da surdina
Desta alegria por porra nenhuma
Medida pelo sorriso de vitória do idiota do lado
Quando te entala na fila e passa à frente
É a glória única de muita gente
Uma vida inteira...

Eleitos, cuidem da oratória...


A música aqui:

12/07/2013

Indicadores do descontentamento

Sessão inaugural da Assembleia Constituinte, 1975.
Fonte: http://www.parlamento.pt/
É cada vez mais frequente encontrarmos nos discursos e comentários políticos a referência a "indicadores". É, também, cada vez mais frequente utilizarmos "indicadores" para encontrar explicações, uma vez bem e outras mal, para as consequências resultantes da aplicação de políticas públicas.
Temos indicadores para o consumo, temos indicadores para a satisfação, temos indicadores de confiança, indicadores da conjuntura, temos indicadores para tudo e mais alguma coisa. E com eles criamos percepções sobre o estado em que o país se encontra.

Sustentada por alguns estudos de opinião, exercícios cada vez mais recorrentes, cresce a percepção de que a desconfiança dos cidadãos nas instituições está "pelas ruas da amargura".
Mas a juntar a todos os outros indicadores há um que começa a agora a surgir e, esse sim, é merecedor de alguma atenção pelos "analítico-comentadores": a atenção que os cidadãos focam, não na Assembleia da República, mas sim na figura do Presidente da Assembleia da República. O fenómeno é novo.

A Constituição da República Portuguesa estabelece, desde o seu início, a figura de Presidente da Assembleia da República como a segunda figura do Estado - a primeira o Presidente da República, a segunda o Presidente da AR.
Se o momento que vivemos actualmente é histórico, então ele torna-se mais acentuado graças a esta segunda figura do Estado. Nunca antes na história da AR ou de Portugal, algum dos seus ilustres presidentes teve tanta atenção como está a ter agora a actual Presidente, a Sra. Assunção Esteves, e pelas piores razões.

Este é mais um traço na teia de convergência em que Portugal se vê enredado: um Presidente que transformou um cargo independente e apartidário num órgão que se confunde ideologicamente, no espectro político, num apoio (pouco) disfarçado a um Governo que não respeita nem o seu programa eleitoral nem o seu programa de Governo; Governo esse que, meramente orientado por uma ideologia e entidades exteriores, não tem um entendimento claro da lei fundamental do Estado e consegue algo inédito como a convergência de associações antagónicas, empregadores e empregados; e uma AR alinhada cega e religiosamente com uma orientação do Governo aprovando diplomas a torto e a direito sem respeitar o diálogo com parceiros sociais ou partidos da oposição.

Nesta legislatura, aquele que era um triângulo político rapidamente se transformou numa quadratura pois passou a incorporar a Presidente da Assembleia da República que por não ter sido eleita para ser desrespeitada, parece entender que se encontra numa posição de desrespeitar os cidadãos, aqueles que a elegeram e os outros, a democracia e a "casa" para a qual foi eleita.

Parece-me que, quando pela primeira vez na história do Estado democrático português, a figura do Presidente da Assembleia da República se coloca, por iniciativa própria, numa posição em que passa a ser um dos alvos de descontentamento dos cidadãos, então sim, esse é um "indicador" que deve ser analisado como um alerta para o regime político que muito custou a conquistar para Portugal.

Cidadãos, Partidos e a Política

Sempre defendi a importância da política e dos partidos políticos, dois pilares que estiveram na génese de algumas das grandes transformações nas sociedades. E considero que é neles que reside algumas das soluções para os problemas com que nos deparamos na actualidade.

Infelizmente, pela sua própria acção, da esquerda à direita e com responsabilidades repartidas por toda a estrutura hierárquica partidária, os partidos políticos têm contribuído decisivamente para um aumento da desconfiança dos cidadãos na acção partidária e, bem pior, um descrédito avassalador na própria acção política exercida por qualquer uma das instituições basilares da democracia.

Num determinado contexto, atrevi-me a escrever sobre a importância dos partidos. Tal como na altura, continuo hoje a acreditar, talvez com maior convicção, que os partidos, apesar das suas matrizes e ideologias orientadoras, são feitos por pessoas e pelas pessoas têm de mudar.

Num momento de grande exigência política como o que vivemos nos dias de hoje, o país (e também a Europa) encontra-se, talvez, numa das suas maiores e mais perigosas incertezas: a de saber se dispõe de partidos políticos à altura da situação!

Parece-me que o texto de Fevereiro de 2012 se mantém actual:

«Estudos recentes mostraram que em Portugal a ideia de que “os partidos os são todos iguais”, tem vindo a enraizar-se entre a população. Em 1985, estimou-se que essa noção estava presente em cerca de 60% da população. Em 2008, estimaram-se 82%. E tudo aponta para que esta tendência se mantenha.

Uma personalidade marcante na história recente portuguesa escreveu um dia, não há muito tempo, que “o perigoso é que os partidos se fechem sobre si próprios, as bases se desinteressem, os eleitores se tornem indiferentes”. A história e os números deram-lhe razão!

Olhando atentamente a evolução da nossa democracia, torna-se evidente o aumento do fosso entre os cidadãos e a política, entre os cidadãos e aqueles que os deveriam representar.

Um afastamento que não deve ser interpretado apenas como indiferença. Deve considera-se a possibilidade de ser representativo do descontentamento e mal-estar instalado nos cidadãos em relação aos que os governam.

No passado, os partidos políticos desempenharam um papel fundamental na construção democrática e na defesa e protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos. 

Na conjuntura actual, quando todos nós, de alguma forma, somos afectados por dificuldades a vários níveis, social, económico, laboral, saúde e educação, não restam dúvidas que é o momento dos partidos políticos retomarem a sua função e de estarem à altura das suas responsabilidades. Este é o momento de chamar novamente os cidadãos para junto da política, para junto daquele que é também o seu interesse: o “governo da coisa pública”.
Aos partidos cabe a responsabilidade de dar voz aos cidadãos, de os envolver na construção social, de lhes pedir a contribuições para o bem comum.»

09/07/2013

O Futuro da Democracia

Com uma Democracia destas, quem precisa de uma Ditadura?
Há uns anos atrás, enquanto lia umas coisas por causa de um trabalho académico, tive de ler o livro de Norberto Bobbio, de seu título "O Futuro da Democracia", um trabalho de 1984 onde o autor expôs algumas das virtudes e, principalmente, ameaças à Democracia.

E hoje, perante as crises económica e política (à beira da social) com que Portugal se depara, com um governo "ferido de morte" que pouca ou nenhuma confiança inspira a uma grande parte dos portugueses (sim, eu não falo em "todos os portugueses", limito-me aos factos e não à especulação), quando ouço algumas vozes que, por meros interesses próprios, de classe, partidários ou ideológicos, defendem a não realização do exercício democrático máximo, eleições, não posso esquecer as palavras de Bobbio no seu texto "Governo dos homens ou governo das leis?":

«Em alguns dos maiores escritores políticos da idade moderna [...] a ditadura romana é apresentada como exemplo de sabedoria política [...]» onde, acrescenta, «[...] o dever do ditador é exactamente o de restabelecer o Estado normal e, com isso, a soberania das leis.»

Assim, perante o argumento de que, mesmo na confusão em que o país se encontra, não deve haver eleições para devolver a "voz" aos eleitores permitindo a legitimação das políticas que se estão a impor em Portugal contra aquilo que foram os programas eleitorais dos partidos que compõem hoje o Governo, e onde os próprios partidos políticos, aqueles que, a cima de tudo deveriam procurar defendera democracia, entendem que esta só ocorre de 4 em 4 anos (Guilherme Silva, deputado do PSD, teve a pouca vergonha em o dizer abertamente, uma vez, num programa de debate na TVI24), então parece-me que o vaticínio que se fazia há já uns meses atrás está mais perto do que nunca: com as crises actuais, em Portugal e na Europa, é a própria democracia que já se encontra verdadeiramente em risco uma vez que, em nome de uma dita estabilidade política que poucos conseguem vislumbrar, se exortam como virtudes algumas das características das ditaduras. 

Estamos já, em pleno retrocesso civilizacional. 

Hegel escreveu há muitos anos que a História ensina-nos que não somos capazes de aprender nada com a História... e aparentemente, tinha toda a razão.

02/07/2013

Xeque... Mate?

Dizem os entendidos que, num jogo de estratégia como o Xadrez, os jogadores devem calcular e antecipar as três jogadas seguintes, se pretendem ganhar o jogo.


Hoje, Paulo Portas, apresentando a sua demissão do Governo, demonstrou que a melhor resposta a uma acção estratégica disparatada e declaradamente errada é uma atitude estrategicamente inteligente.

Com a demissão apresentada pelo ex-Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, de entre as várias opções que se colocavam perante o Governo, nomeadamente perante o Primeiro-Ministro, a acção politicamente inteligente poderia passar por:

  1. escolher para novo Ministro das Finanças uma cara nova, dissociado da imagem de austeridade que este Governo tem infligido aos portugueses, permitindo, dessa forma, uma folga na contestação até meados de Setembro;
  2. ou, querendo manter a mesma linha política e orçamental, escolhendo a "prata da casa" e promovendo um Secretário de Estado em funções a Ministro (um precedente perigoso e questionável moral e eticamente, já aberto anteriormente), de todos os Secretários de Estado em funções a escolha deveria cair sobre Paulo Núncio, aquele que goza de um índice de impopularidade menor por lhe ter sido atribuída a autoria da medida da factura electrónica.
Qualquer uma destas opções, um mal menor, poderiam contribuir para evitar [mais] um erro estratégico na governação de Portugal.

Mas quando julgamos que a falta de visão política, para não lhe atribuir outra expressão, não pode causar maiores danos, eis que alguém trata de provar que estamos enganados. 

Passos Coelho, colocando novamente o "pé em ramo verde", fez com que o seu parceiro de coligação, Paulo Portas, decidisse jogar forte - na gíria do xadrez, decidiu atacar o rei em xeque, e com vista ao mate!
Portas decidiu, assim, 1) capitalizar o descontentamento do eleitorado do PSD, que viam na promoção da ex-Secretária de Estado Maria Luís Albuquerque uma linha de continuidade e «persistência dos desequilíbrios , estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira», 2) cair novamente nas boas graças do eleitorado do CDS e, por fim, 3) apresentar-se como determinante para a salvação nacional de um mal maior. Portas, que, desta forma, puxa o tapete ao terceiro líder do PSD, e uma vez que dificilmente conquistará votos no eleitorado do PS, não obstante algum descontentamento nele patente, ou no do BE e do PCP, posiciona-se para aumentar a sua base de apoio na direita portuguesa.

Num cenário de queda do XIX Governo Constitucional, ainda que a sua manutenção, mesmo com uma base de apoio declaradamente mais reduzida na Assembleia da República, não seja de todo um cenário a excluir, com o actual quadro institucional português Paulo Portas é, novamente, e independentemente duma vitória eleitoral da esquerda em Portugal, aquele que em melhores condições se apresentará para decidir a formação do XX Governo Constitucional da República Portuguesa.

Paulo de Sacadura Cabral Portas é, de longe, actualmente e dificilmente será ultrapassado num futuro próximo, o melhor e mais brilhante estratega político em Portugal.

Ainda que ocupemos espectros ideológicos antagónicos, reconheço que seria extremamente estimulante disputar uma partida de xadrez com Paulo Portas.


PS: sob a égide de evitar uma crise política, no actual cenário político e democrático português, o Presidente da República tornou-se o único responsável político pela actual instabilidade política que se vive em Portugal. E desta vez, a Democracia tem que forçosamente funcionar!
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