Há uns dias comprei um livro chamado "Wit - ensaios humorísticos" de Robert Benchley e após ter lido 3 dos "ensaios" daquele conjunto fiquei, sinceramente, a duvidar da existência, na minha pessoa, de sentido de humor. Felizmente, uma oferta 'literária' neste Natal fez-me recuar nessa minha dúvida.
Numa livraria, passaria ao lado deste livro e não perderia um segundo sequer a ler a contracapa. Graças a esta oferta, percebo hoje o que estaria a perder: largos minutos de boa disposição.
Se há uns dias atrás me dissessem que estaria a ler o livro "Reformar sem medo - Um independente no Governo de Portugal" de Álvaro Santos Pereira eu não acredita e, provavelmente, desataria a rir. O que é um facto é que o estou mesmo a ler e admito que estou a gostar. Não pela assertividade que ele contém (nenhuma!) mas sim pelo optimismo e auto-elogio do autor.
Com o Capítulo 1 lido, a apresentação do autor e dos seu trabalho, o leitor fica com a clara ideia de que o livro se deveria chamar "As aventuras de Álvaro sem Medo - Um independente no Governo de Portugal"*.
Álvaro apresenta-se aqui como uma personagem, pela sua independência, em espírito de missão numa espécie de Zorro com tiques de Calimero. Sem a indumentária característica do justiceiro ou o seu cavalo Tornado (mas mostrou-se, na altura, disposto a reduzir o número e a cilindrada dos veículos do Ministério), Álvaro relata que lutou contra lobís e interesses instalados dentro do Ministério da Economia e do Estado e, por isso, foi alvo de represálias e destrato - e eis que o Zorro se confunde com o Calimero. Foi graças a ele, diz-nos 'Álvaro sem Medo', que "o maior Ministério desde o 25 de Abril de 1974" (faz questão de o lembrar, pelo menos, 3 vezes ao longo deste primeiro Capítulo) implementou as maiores "reformas estruturais" alguma vez vistas em Portugal (outra repetição constante ao longo destas páginas). Mas mesmo depois de ter deixado de ser Ministro, nestas páginas, Álvaro mantém a mesma coerência de quando exercia o cargo: enche o peito para reclamar a si a autoria e implementação de "reformas estruturais" sem que conseguisse ou consiga concretizar uma única que seja.
Neste Capítulo, onde apenas dá uma curta alfinetada no CDS e no seu líder, Paulo Portas, relativamente ao aumento da austeridade, Álvaro apenas concretiza "reformas estruturais" nas quais, diz, não ter responsabilidade, por falta de peso político: o aumento do IVA da restauração, a saída da AICEP do Ministério da Economia, "a enorme subida de impostos" ou a incapacidade de avançar com a redução do IRC em 2012. Mas quando arrisca entrar nas suas "reformas estruturais" eis que parece que estas se concretizam em revolucionar a "máquina burocrática do Estado" (pergunto-me se alguma vez terá ouvido falar de um programa chamado SIMPLEX ou mesmo no 'SIMPLEX II' que foi anunciado pelo seu ex-colega de Governo, Paulo Portas), acabar com as golden shares (veja-se o resultado que teve no caso da PT), ao inicio das privatizações (vejam-se as consequências nos casos da EDP, REN ou ANA, apenas como exemplos), a aposta "no sector mineiro em Portugal" (para onde se propagaram e multiplicaram as minas em Portugal, exportação mineira ou mesmo o aumento de empregos neste sector??) ou, veja-se o que se descobre pela caneta de Álvaro, o "relançar o sistema dual e de aprendizagem". Parece assim ficar evidente que, para além de uma propulsão destruidora das empresas que traziam para o Estado rendimentos e de uma visão muito redutora do conceito e definição de 'estrutural', pelo próprio, ficamos a saber que é 'Álvaro sem Medo" o mentor de algumas das políticas de Crato "o implodidor".
Há, no entanto, um ponto neste Capítulo onde concordo integralmente com Álvaro: a competência para o exercício de qualquer cargo ou função não se obtém através de títulos académicos!
Uma coisa é certa: esta leitura, definitivamente, promete!
* - uma clara alusão à obra "As aventuras João sem Medo" de José Gomes Ferreira