08/08/2009

Os fins justificam os meios...

«Mas esta natureza convém saber colori-la, ser-se grande fingidor e dissimulador; e são tão simples os homens, e obedecem tão bem às necessidades presentes, que aquele que engane, sempre há-de ter quem se deixe enganar[...]. A um Príncipe não é pois necessário que possua as sobreditas qualidades, sendo porém de grande precisão o parecer tê-las[...] Como de parecer piedoso, fiel, humano, generoso, e até sê-lo; impõe-se-lhe porém ter o espírito instruído de tal modo que, sendo preciso não ser tais coisas, possa e saiba tornar-se o contrário delas.»

Este pedaço de texto foi escrito em 1532 por Nicolau Maquiavel. Pertence à sua (grande) obra O Príncipe.
Mal interpretada na maioria das vezes, esta é uma das mais importantes obras das Ideias e Teorias Políticas.
Refira-se que a expressão "maquiavélica" (ou "maquiavélico") é aplicada quando se pretende conotar determinado indivíduo ou acção com uma "maldade extrema". Isso graças à interpretação feita erradamente deste trabalho.
As teorias expressas por este autor no século XVI são facilmente aplicáveis nos tempos que correrem. Não esqueçamos que foi um dos pioneiros na defesa dum dos pressupostos das democracias actuais: a separação do Estado e da Igreja e ainda o monopólio da violência pelo Estado.

(Recomendo a leitura desta obra despida de preconceitos... não foi pelo facto de terem lido este livro que Hitler ou Mussolini se tornaram ditadores... algures ouvi que este também era um livro de cabeceira do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e não é por isso que o vemos a proferir comentários que possam indiciar tendências ditatoriais... significa apenas que consideram O Príncipe uma boa obra de teoria política. É importante, antes de iniciar a leitura, contextualizar a obra com a Itália da altura - uma manta de retalhos, isto é, um aglomerado de Principados.)

Não pretendendo entrar na área reservada aos filósofos, nomeadamente à filosofia política, podemos encaixar Nicolau Maquiavel na área da "Ética Teleológica", ou seja, as teorias defendidas por este autor podem ser encaixadas no "estudo do fim".
Porque a "Ética" é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral (sendo este último conceito o conjunto de princípios, juízos ou normas aceites por uma sociedade), a "Ética Teleológica" é aquela defende que o valor da acção reside nas suas consequências. É portanto uma ética consequencialista, onde as boas e más acções se devem medir pelas consequências que delas resultam.
É, tal como Maquiavel concluiu, onde «os fins justificam os meios».
Uma outra vertente da ética é a "Ética Deontológica" que não é mais do que o oposto à anterior: trata-se da teoria do dever onde o valor da acção reside na intenção com que é promovida. Independentemente das consequências, a acção é boa (ou má) se a intenção for boa (ou má).

A propósito da elaboração das listas do PSD para as legislativas, os meios de comunicação social foram preenchidos com conceitos de "ética" (ou falta dela) e "moral".
Na verdade aquilo que foi (e continua a ser) publicado em jornais, TV e rádios não passam de "reflexões éticas". Tratam-se assim, não de estudos sobre os actos ou consequências da inclusão de pessoas acusadas (não arguidas) e de fiéis partidários e a exclusão de opositores nas listas de candidatos a deputados na AR (o que vai verdadeiramente a votos e não um primeiro ministro como alguns julgam - outro tema que «daria pano para mangas»), mas sim de "reflexões éticas" que é o que permite ao ser humano pensar a sua acção em função de um fim desejável, que ele escolheu, por considerar conveniente.

Desta forma pode-se perfeitamente aceitar que a líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, quando confrontada com a ideia de se tornarem politicamente inelegíveis pessoas que estejam acusados judicialmente responda que «O PSD está de acordo e apoiará todas as iniciativas que tenham por objectivo dar maior transparência à vida política e à democracia. Estamos disponíveis para discutir, mas não em véspera de eleições» ou que «em vésperas de eleições não se discutem assuntos tão sérios».
Então Sra. Manuela Ferreira Leite, quando deverão ser discutidos estes «assuntos tão sérios»? Depois de eleitos para a Assembleia da República ou Autarquias candidatos que enfrentam «em vésperas de eleições» acusações em processos judiciais?
Naturalmente que tenho presente o princípio de que todos são inocentes até provas em contrário, mas não existe nestes casos a necessidade de imposição de princípios morais (não se trata de ética!?)?

O que é feito do projecto de lei aprovado na generalidade em 2006 na AR que estabelecia algumas regras no sentido de «dar maior transparência à vida política e à democracia»?
Pelos vistos não houve qualquer discussão sobre a matéria... nem depois nem em «véspera de eleições»!
Pergunta o Prof. Marcelo no seu blogue «António Preto e Helena Lopes da Costa, elegíveis para o Parlamento por Lisboa. Ambos acusados, e não arguidos, em processo-crime? Se assim fosse, como haveria o actual PSD concordar com a lei de Marques Mendes?»
Começa a ser pouco evidente (ou talvez não) a "Política de Verdade" tão defendida pelo PSD.

Não estaremos nós perante uma evidência de que as teorias do século XVI de Maquiavel são efectivamente aplicáveis nos dias de hoje?
«Mas esta natureza convém saber colori-la, ser-se grande fingidor e dissimulador; e são tão simples os homens, e obedecem tão bem às necessidades presentes, que aquele que engane, sempre há-de ter quem se deixe enganar».

Recordemo-nos de todo o percurso desta liderança do PSD, com os seus sucessivos tropeções (como diz Pacheco Pereira), afinal não foi só no tempo de Santana Lopes, e vem à memória a fábula de George Orwell, A Quinta dos Animais, em que no início do domínio dos animais os princípios regentes foram resumidos a 7 mandamentos, posteriormente alterados em função das circunstâncias, e por fim resumidos em apenas um mandamento: «Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros».

Parafraseando o antigo líder do PSD, Marques Mendes, «basta de hipocrisia».
Volto à velha pergunta (de retórica, seguramente): como pretendem os políticos de hoje dignificar a classe governante?

Recomendação de leitura: «A arte da mentira política» atribuído a Jonathan Swift. Um texto de 1733. A edição que conheço é da FENDA EDIÇÕES, LDA de 1996.

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