21/11/2013

A Mensagem

Aqueles que julgavam que que hoje, 21 de Novembro de 2013, na manifestação das forças de segurança - a maior que Portugal assistiu até aos dias de hoje - se iria assistir ao mesmo espectáculo de violência de 14 de Novembro de 2012, só podem andar distraídos.

As cenas a que assistimos o ano passado, em que o Corpo de Intervenção entrou pela multidão depois de deixar que um bando de meia dúzia de arruaceiros fustigasse a policia com pedradas (um comando distraído?), jamais se poderiam repetir hoje. Só os mais desatentos poderiam pensar o contrário.

Tal nunca aconteceria por três razões óbvias:
  1. em ambos os lados, do de quem protesta e do de quem protege, estão policias - o interesse é comum e desta vez ninguém anunciou no dia da manifestação um aumento de 11% no vencimento dos agentes da PSP (e da GNR);
  2. o desequilibro de forças entre os dois lados, desta vez, favorecia o lado protestante - apesar de menos equipados, estavam em muito maior número e com o mesmo nível de capacidade na "avaliação do teatro de operações";
  3. as forças de segurança, em ambos os lados, têm bem presente o episódio "secos e molhados" em 21 de Abril de 1989, um cenário triste, curiosamente (e não coincidentemente) em resultado das políticas de um Governo PSD - na altura liderado pelo Primeiro-ministro Cavaco Silva, hoje (!) inquilino de Belém, isto é, a ocupar o cargo de Presidente da República.

Os meus heróis são aqueles que hoje estiveram em frente da Assembleia da República e não aqueles que anteontem estiveram na Suiça a dar uns pontapés numa bola para irem até ao Brasil à conta do erário público.

E hoje, os meus heróis, simpaticamente declaram que o facto de terem conseguido subir a escadaria da Assembleia da República até à entrada se trata de um acto simbólico e de uma mensagem de que os agentes policiais estão a chegar ao limite.

Consentida ou não consentida, não interessa, mas quem achar que esta foi, de facto, a mensagem que as forças de segurança quiseram passar com este acto simbólico, então pertence ao grupo dos distraídos.

A mensagem passou. E a mensagem é só uma: "Subimos as escadas, não entrámos pela porta. Mas não entrámos AGORA apenas porque não quisemos!"

Uma mensagem que faria qualquer Governo sério (coisa que este não é) parar para pensar e tirar as devidas ilações. E tenho dúvidas que vir agora anunciar mais aumentos ou estatutos especiais surta algum efeito... vamos ver.

22/10/2013

Um Neoliberalismo declarado

Temos hoje um Governo que quis ir mais além do Memorando de Entendimento assinado por Portugal, a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu, e dessa forma tem vindo a galopar a destruição e a degradação da sociedade portuguesa em todos os níveis e a uma velocidade estonteante.

Facilmente reconhecemos no actual executivo através das suas políticas públicas um Governo que defende, com grande veemência, «grandes cortes nos impostos (especialmente para as empresas e para quem tem altos rendimentos); a redução dos serviços sociais e dos programas de assistência social; a substituição da assistência social pela protecção social em troca de trabalho; [...] emagrecimento do governo; [...] medidas anti-sindicais para aumentar a produtividade e a "flexibilidade laboral"; [e a] eliminação dos controlos dos fluxos globais financeiros e comerciais.» 
Estas são intenções inegáveis do XIX Governo Constitucional de Portugal... mas estas são também características inegáveis do Neoliberalismo.

Lendo com atenção o trabalho de 2010 de Manfred Steger e Ravi Roy, "Introdução ao Neoliberalismo", editado pela Actual Editora, nomeadamente a página 35 onde expressam as manifestações do Neoliberalismo através da fórmula "D.L.P." - Desregulação (da economia), Liberalização (do comércio e da indústria) e Privatização (das empresas detidas pelo Estado) - , ficamos com a nítida sensação de que estamos a ler uma descrição quase ao pormenor das linhas orientadoras seguidas por este Governo desde a segunda metade de 2011. Frequentemente reconhecemos o Governo de coligação PSD/CDS-PP nas páginas daquele livro!

São recorrentes as polémicas, mentiras e contradições em que o Governo se consegue envolver, e uma mentira não deixa de a ser apenas porque passa de ser grande para para ser pequena, mas talvez fosse um pouco mais sério se o Governo deixasse de negar insistentemente que a política que está a impor têm uma mais que evidente carga ideológica! Mais ainda, que os cidadãos percebessem efectivamente quais os objectivos subjacentes nestas políticas.

Se dúvidas ainda houvessem, a violenta proposta para o Orçamento do Estado para 2014 é a inequívoca evidência de que este Governo segue um Neoliberalismo declarado. Um Neoliberalismo, assente em ideias dos anos 40 e 90, e que já deu provas suficientes que não é caminho para a construção de uma sociedade justa e equitativa.

17/10/2013

Histórias de rua 2


Conversa fina


...uma manhã passada na oficina... enquanto esperava que o carro ficasse pronto, dois outros clientes à espera conversavam sobre a porcaria que os cães do vizinho de um deles fazia no seu terreno... eu lia, ou tentava ler, um livro mas a minha concentração era constantemente interrompida: "aqueles filhos da p%&$", "cães do car#$£§", "fod&%-me o terreno todo"... e ali estava todo o vernáculo em poucos minutos!!... e eis quando sou surpreendido pela forma como terminou a conversa: "e depois lá anda a empregada a apanhar cócó"...

Sim, cócó, porque dizer "merda" é coisa de gente mal educada!

30/09/2013

Autárquicas 2013

A primeira ideia que se deve ter presente quando se olham para os resultados saídos de eleições é a sua característica principal: se são eleições de primeira ordem ou eleições de segunda ordem.
Não devem confundir-se com eleições de "primeira categoria" ou eleições de "segunda categoria". É que a "ordem" é facilmente (e cientificamente) explicável enquanto que a "categoria" é subjectiva.
As eleições de primeira ordem são aquelas cujo resultado final terá um impacto directo nos eleitores e cidadãos, e.g. eleições legislativas, e as de segunda ordem aquelas cujo impacto é sentido de uma forma indirecta, e.g. eleições locais - não obstante ser o poder local aquele que mais próximo está das populações, ou deveria estar, é do poder central, nomeadamente da Assembleia da República e, em consequência, do Governo que saem as grandes decisões com impacto elevado na vida dos cidadãos.

É por esta diferença que as análises qualitativas são arriscadas e pouco fiáveis principalmente quando delas se pretendem retirar mensagens - sejam elas locais ou nacionais.

Mas, evitando aquilo que considero um erro que é olhar para os resultados dos sufrágios locais, as eleições autárquicas, e daí retirar conclusões directas para a esfera nacional, se olharmos os resultados das eleições autárquicas de 2009 e os das eleições autárquicas de 2013, há leituras claras que podem ser feitas, em todos os sentidos:

§ É claro o aumento do número de pessoas que se deram ao trabalho de ir a uma secção para anular o seu voto - 69.120 (1,25%) em 2009 e 144.906 (2,95%) em 2013 - ou para votar em branco - 94.983 (1,72%) em 2009 e 190.288 (3,87%) em 2013;

§ É clara a redução do número de votantes - em 2009 foram 5.533.824 (59,01% dos 9.377.343 inscritos) e 4.944.099 em 2013 (52,59 dos 9.401.518 inscritos);

§ O PS, o aparente grande vencedor em 2013, pois ganhou 150 Câmaras Municipais, muitas delas com maioria absoluta, precisa de analisar o porquê de, à data em que faltam apurar 22 freguesias, no global ter perdido um mandato para a Câmara Municipal (908 em 2009 e 907 em 2013), ter perdido 193 mandatos para as Assembleias Municipais (2819 em 2009 e 2626 em 2013 - note-se que estão por atribuir apenas 86 mandatos!) - de referir, nesta fase, a perda de 2910 mandatos de freguesia é prematuro dada a reforma administrativa que tratou de eliminar algumas Assembleias de Freguesias.

§ O PSD foi naturalmente um dos grandes derrotados - até na Região Autónoma da Madeira. De 2009 para 2013 perdeu em todas as linhas. Convém ao PSD uma análise cuidada principalmente sobre as escolhas dos candidatos e políticas. A associação com as políticas centrais não é totalmente clara pois é sobejamente conhecido que os eleitores, para as suas autarquias, votam nas pessoas e não nos partidos - excepto se os candidatos não conseguirem criar uma ligação com os eleitores;

§ O parágrafo anterior reveste-se de verdade, e é um ponto que as estruturas do PS devem considerar como um aviso e ponto de reflexão, a ver pela reeleição do candidato independente de Matosinhos, militante do PS e preterido pelo próprio partido em detrimento de outro militante sem enraizamento profundo na estrutura autárquica;

§ A coligação PCP/PEV subiu tanto em n.º de mandatos como em votos - sinal desta subida nos sufrágios foi, por exemplo, o resultado obtido em Loures, um grande centro urbano na região de Lisboa;

§ O concelho de Oeiras continua a reincidir em resultados eleitorais que contrariam a lógica de que os bons e correctos é que deveriam ser eleitos para governar o bem público.  

Outras análises e mensagens podem e devem ser retiradas, mas talvez aquela que poderá ter um maior significado acaba por ter origem nos resultados obtidos por Presidentes de Câmara em fim do 3.º mandato que entenderam candidatar-se a autarquias vizinhas (e.g. Loures, Lisboa, Sintra, Vila Nova de Gaia, etc.).

Uma mensagem para os partidos e para os próprios Presidentes "profissionais": numa altura em que a política é vista com grande desconfiança pelos cidadãos, se há coisa que se pode assumir é que os eleitores não toleram facilmente candidatos que pretendem perpetuar-se no poder, nem que para isso o tentem em concelhos com os quais não têm ligação!
... e não foi por falta de aviso, pois quando Avelino Ferreira Torres, por sua própria iniciativa em 2005, decidiu deixar a Câmara Municipal do Marco de Canaveses para se candidatar a Amarante, os eleitores deixaram isso bem claro, tanto em Amarante como depois, em 2009, de novo no Marco de Canaveses.

A bem da verdade, diga-se que o caso de Macário Correia em Faro, em 2009, cuja eleição não foi tão fácil assim, pode revelar que há regiões onde esta prática é melhor tolerada pelos cidadãos. Mas, tal como aqui já foi dito, as eleições autárquicas são locais e por isso têm características próprias e difíceis de serem colocadas em comparação com eleições ou estados de espírito nacionais. 



04/09/2013

Verdade e Direitos

Limitado apenas pelas regras da decência, da boa educação e do respeito - umas vezes mais conseguidas que outras - espaços como este podem disponibilizar conteúdos induzidos pela ideologia, cientificamente incorrectos ou factualmente desencontrados da realidade.

Mas se tais conteúdos em plataformas como as que são os blogs ou redes sociais poderão ser eventualmente tolerados, motivados pelo maior ou menor grau de profissionalismo ou experiência de quem escreve ou pela intenção com que o faz, o mesmo não deveria acontecer quando o conteúdo faz parte de um órgão de comunicação social.

É verdade que a conjectura actual afecta todas os sectores e a imprensa não é diferente. O cortes que as empresas e os meios de comunicação social têm sido alvo por decisão dos grupos económicos que os detêm também tem contribuído para um declínio daquele que foi, em tempos, apelidado de "Quarto Poder". Estas situações têm motivado nestes últimos anos uma redução do número de jornalistas e a substituição da "velha guarda" por recém-formados e estagiários pretendentes à categoria de jornalistas. As redacções transformaram-se e, como consequência natural, verificou-se existir uma perda significativa da memória jornalística.
Destes profissionais são muitos poucos aqueles que, na verdade, representam a essência do jornalismo: há um grande volume de transcrições de ofícios das agências noticiosas, fontes que não são confirmadas e ainda um débil jornalismo de investigação que, em alguns casos, fazem jus ao dizer "a montanha pariu um rato".

Mas se tudo isto é grave mesmo num simples pasquim, a dimensão atinge níveis de grande preocupação em jornais que usam como slogan o facto de há 40 anos fazerem opinião.

De há muito a esta parte que a escolha de pessoas para ocuparem espaços de opinião no semanário Expresso é bastante discutível, pelo conteúdo e qualidade (em especial os casos de Rui Ramos ou, pior ainda, de Henrique Raposo que muita tinta têm feito correr), mas esta poder-se-á ainda argumentar pela pluralidade do espectro ideológico que o semanário quer oferecer aos seus leitores.
O que não se compreende é que essa falta de rigor e até mesmo de isenção, num jornal com história como a do Expresso, ultrapasse as fronteiras das colunas de opinião.

Na edição de 31 de Agosto de 2013, no habitual espaço dedicado a uma espécie de avaliação por "Altos" e "Baixos", sabe-se lá quais os critérios utilizados para tal juízo, pode ler-se (nos baixos):
"Sousa Ribeiro
Presidente do Tribunal Constitucional
Na explicação do acórdão em que os juízes consideraram que ninguém pode ser despedido no Estado (apesar de poder sê-lo no privado) e que, portanto, há uma espécie de Constituição para filhos e outra para enteados, brindou os portugueses com uma pérola, ao afirmar que o regime de férias dos juízes do TC é "particularmente desfavorável" para os magistrados. Assim se vê como estão deslocados da realidade do país."

Não deveria ser permitido, pelo menos por quem dirige aquele jornal, mesmo com todas as liberdades editoriais, que alguém que seja detentor da carteira de jornalista possa revelar tamanha ignorância e incompetência.
Martim Silva (pelo menos é assim que assina este enorme disparate) é mais um daqueles que, sem qualquer pudor, ostenta o seu desconhecimento do que é a Constituição da República Portuguesa, o funcionamento do TC e o estatuto dos juízes constitucionais e também do próprio acórdão do TC. Tenho mesmo dúvidas que Martim Silva tenha visto na TV a declaração de Sousa Ribeiro!

Mas o que Martim Silva não sabe, ou faz por não saber, é que o acórdão do TC não proíbe despedimentos pela simples razão que não era essa a essência da questão em análise. A pronúncia de inconstitucionalidade do TC ocorreu pelo facto de que os artigos em fiscalização abriam a possibilidade a que ocorressem despedimentos sem justa causa - da mesma maneira como estes também não são permitidos "no privado", ao contrário do que escreve Martim Silva. Uma pessoa minimamente informada, ou que procure a informação, facilmente perceberá que mesmo sem a lei com artigos inconstitucionais que o Governo tentou fazer passar (se deliberadamente ou por incapacidade em legislar não está aqui em discussão), o Estado pode despedir e despede... com justa causa, tal como no privado. Alegrem-se aqueles que vêm neste ponto o busílis da equidade entre público e privado.

Quero acreditar que a utilização daquele espaço no Expresso tenha sido feita por alguém com um enorme desconhecimento da verdade, aliada a uma descarada incompetência jornalística, e não por alguém que, defendendo que a "realidade do país" permite todo e qualquer abuso e atropelo à lei, não foi propositadamente para "fazer opinião" errada e alinhada com o que de mais podre, a pouco e pouco, se está a enraizar em Portugal alimentado por certa visão política.

A passos largos, Portugal parece caminhar para uma situação em que Verdade e Direitos são conceitos cada vez mais desvanecido na sociedade: o primeiro, esquecido pelo jornalismo e cada vez menos reclamado pelas pessoas; o segundo, gradualmente inaplicável a quem deles deveria beneficiar.

E assim se vê como são incompetentes alguns "escritores" de páginas de jornal, porque de jornalistas nada têm.


Adenda, 04.09.2013: esta questão torna-se mais grave quando quem assina o texto é o editor de política do próprio jornal... agora juntam-se algumas "peças do puzzle"...

30/07/2013

O imperativo da mudança

 Benjamin Franklin, 1754
Mesmo com o descontentamento crescente dos cidadãos com a política e com os políticos ou, mais grave ainda, com as próprias instituições que os governam, há uma verdade que, muitos anos depois, ainda é uma verdade absoluta: as decisões que influenciam a governação das sociedades ainda emana a partir dos actores políticos, em especial dos partidos políticos.

Não são novas as minhas derivações pelos "ensinamentos da história" (aqueles que retive) onde entendo como fundamental a participação dos partidos políticos nos processos de decisão e os seus graus de responsabilidade nesses mesmos processos, nomeadamente, e para além do seu papel na estruturação da opinião pública e na integração social, no que respeita à selecção e formação dos seus dirigentes. 
Nos dias que correm, e agudizado pela crise política e social que Portugal vive, torna-se evidente um problema transversal a todos os partidos políticos: as direcções dos partidos tomam hoje decisões, em alguns casos contrárias a posições anteriores ou às suas próprias linhas orientadoras, perante uma total apatia dos seus militantes.  

Por considerar que a mudança se faz, ou se deveria fazer, a partir do interior dos partidos, sempre considerei a filiação partidária como o primeiro passo para a alteração do status quo podendo ser, dessa forma, um contributo para contrariar o recorrente discurso contra os políticos e contra a política. Infelizmente, um discurso para o qual os partidos políticos muito têm contribuído.

Como qualquer estrutura social, também os partidos têm falhas: nas suas estruturas, nas suas orgânicas e, mais grave, porque deveria ser a partir destas que se deveria reclamar o imperativo da mudança, até nas suas bases.
Num sentido figurado, o oxigénio dos partidos é o poder, são as vitórias eleitorais, e os militantes  os seus pulmões. As razões das militância são próprias de cada um e os objectivos com que se a exerce são legítimos, todos eles - importa aqui notar a diferença entre objectivos legítimos e meios/métodos legítimos.
Mas ao contrário dos pulmões no corpo humano, cujo movimento é 'não intencional', o movimento militante deveria ser provido de intencionalidade. A militância deve ser ideológica, racional e isenta de dogmas. Os militantes devem ser ser informados e formados para que a plataforma onde assenta a sua escolha e acção possa ser concebida a partir da razão. E para isso muito deveriam contribuir lideranças coerentes e programáticas.

Se antes entendi que os partidos se deveriam abrir aos militantes para que houvesse uma aproximação aos cidadãos e aos seus verdadeiros interesses, hoje entendo que os partidos se devem abrir aos cidadãos para que haja uma verdadeira aproximação aos interesses das próprias comunidades. Talvez seja a partir daqui que, efectivamente, se possam abrir as portas para a mudança do paradigma partidário e da percepção, algumas vezes não muito longe da realidade, que os cidadãos têm dos partidos e, consequentemente, dos políticos e da política.

22/07/2013

Livro: Não vos rendais!

O que mais prazer me dá na leitura de um livro é identificar-me com aquilo que leio. E este é um livro onde me identifico praticamente da primeira à última página. Stéphane Hessel em "Não vos rendais!", à semelhança de outro ensaio por si escrito ("Indignai-vos!"), em poucas páginas expõe de forma muito simples os problemas com que se deparam hoje os cidadãos e a própria União Europeia.

Hessel neste pequeno livro que apela à irresignação, entre outras coisas, aponta como uma das soluções para a credibilização da política e dos partidos políticos a participação dos cidadãos nos fóruns políticos e nas estruturas partidárias. Com essa forma de acção política, com a qual concordo e defendo, os cidadãos estarão posicionados para contribuírem positivamente e activamente para a mudança que tanto se pede e exige.
"Não vos rendais!" é um livro que, seja qual for a conjuntura, deveria ser de leitura obrigatória.

Sinopse:

O mundo como o conhecemos corre o risco de perecer. «Na crise actual», diz Stéphane Hessel, «está em jogo a sobrevivência das conquistas sociais alcançadas nas últimas décadas. O Estado- Providência, os direitos básicos dos cidadãos e dos trabalhadores, o direito à saúde e à educação, a liberdade de imprensa… tudo isto está hoje ameaçado pelo poder insolente do dinheiro e da ditadura dos mercados.» 

Stéphane Hessel foi a voz que, graças à publicação do livro-manifesto Indignai-vos!, deu nome ao movimento dos indignados um pouco por todo o mundo. Inspirado pelo movimento que ele próprio inspirou - e que viu como «um sinal de que há seiva nova para revitalizar o corpo social» -, lança neste seu testamento político um fervoroso chamamento para que não cedamos perante a fatalidade, para que nos comprometamos e actuemos, convencido de que a indignação não basta e que é preciso agir para derrubar a oligarquia e reivindicar a verdadeira democracia. 

Com a lucidez e a sabedoria que conquistou por ter sido actor de primeira linha no conturbado século XX, Hessel apela à insurreição das consciências e à mobilização pacífica mas concertada, com vista a gerar a metamorfose necessária e reconstruir o futuro da Europa. Pois «será da Europa - que é o mesmo que dizer de nós próprios - que deverá surgir a luz que nos conduzirá à saída do túnel. É a nossa responsabilidade.»

21/07/2013

Livro: Atentado ao Pudor

"Atentado ao Pudor" ("Indecent Exposure" no original, 1973) de Tom Sharpe, autor britânico recentemente falecido e que possuía um excelente humor negro, é a sequela do "Balbúrdia na Cidade" ("Riotous Assembly") de 1971. A continuação da saga do Kommandant Van Heerden e, surpreendentemente, do Konstabel Els é mais uma história repleta da sátira e do humor muito peculiar a que Sharpe habituou os seus leitores.


«O Sargento desceu à morgue da Polícia, onde o médico estava a fazer uma autópsia num Africano que tinha sido espancado até à morte no interrogatório.

- «Morte natural» - escreveu na certidão de óbito, antes de atender o Sargento Breitenbach.»

Foram passagens como esta, escritas em pleno Apartheid, que continuaram a irritar as autoridades sul africanas (que já o tinham expulso da África do Sul no início dos anos 60) e com as quais Sharpe apontava a perversão e o ridículo do regime que se viveu naquele país africano entre 1948 e 1994.

Sharpe tinha esta capacidade: o uso da sátira de forma inteligente e muito divertida para a exposição do ridículo das situações políticas e sociais.

"Atentado ao Pudor" é mais um livro capaz de proporcionar alguns momentos de gargalhadas e boa disposição cuja leitura recomendo. Ainda não posso dizer que tenho toda a sua bibliografia lida, mas já falta muito pouco, mesmo muito pouco...


Sinopse:

«O Kommandant Van Heerden, que o leitor já conhece de Bálburdia na Cidade, convencido de possuir um coração de gentleman inglês, em consequência do transplante a que foi submetido, passa a cultivar sinais exteriores de inglesismo, inscrevendo-se no clube de golfe de Piemburg, onde conhece Mrs. Heathcote-Kilkoons, uma cinquentona bem conservada e provida de carnes, que o vai arrastar para as mais loucas aventuras.

O Luitenant Verkamp continua com as suas velhas obsessões e, temporariamente no comando, aproveita para pôr em prática dois fabulosos planos da sua autoria: um para acabar com as «perversões» sexuais na polícia, outro para apanhar uma suposta rede de sabotadores comunistas. Acaba por enlouquecer, sendo entregue aos cuidados da sensual e atrevida Dra. Von Blimenstein, que usando de chantagem, o tenta obrigar a casar. No final, porém, tudo se compõem e a paz e os Valores da Civilização Ocidental voltam a reinar em Piemburg.»

19/07/2013

Estou cansado, pá!

Porque também isto é política, não podia deixar aqui a letra da música "Vernáculo" dos UHF. Um excelente tema que faz parte do muito bom álbum "A Minha Geração" (de 2013). Além do texto, não deixem de ouvir também a música (em baixo), não deixem de comprar o CD!

Cada um fará a interpretação que mais lhe convir, entenderá a mensagem da forma que melhor lhe aprouver, mas... estou cansado, pá! O país está num farrapo... as pessoas estão alheadas... estou cansado, pá! Estou mesmo cansado, pá!


Estou cansado, pá
Cansado e parado por dentro
Sem vontade de escolher um rumo
Sem vontade de fugir
Sem vontade de ficar
Parei por dentro de mim
Olho à volta e desconheço o sítio
As pessoas, a fala, os movimentos
A tristeza perfilada por horários
Este odor miserável que nos envolve
Como se nada acontecesse
E tudo corresse nos eixos.
Estou cansado destes filhos da puta que vejo passar
Idiotas convencidos
Que um dia um voto lançou pela TV
E se acham a desempenhar uma tarefa magnífica.
Com requinte de filhos da puta
Sabem justificar a corrupção
O deserto das ideias
Os projectos avulso para coisa nenhuma
A sua gentil reforma e as regalias
Esses idiotas que se sentam frente-a-frente no ecrã
À hora do jantar para vomitar
O escabeche de um bolo de palavras sem sentido
Filhos da puta porque se eternizam
Se levam a sério
E nos esmigalham o crânio com as suas banalidades:
O sôtor, vai-me desculpar
O que eu quero é mandá-los cagar
Para um campo de refugiados qualquer
Vê-los de Marlboro entre os dedos a passear o esqueleto
Entre os esqueletos
Naquela mistura de cheiros e cólicas que sufoca
Apenas e só - sufoca.

Estou cansado

Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou cansado de viver neste mesmo pequeno país que devoram

Escudados pelas desculpas mais miseráveis
Este charco bafiento onde eles pastam
Gordos que engordam
Ricos que amealham sem parar
Idiotas que gritam
Paneleiros que se agitam de dedo no ar
Filhos da puta a dar a dar
Enquanto dá a teta da vaca do Estado
Nada sabem de história
Nada sabem porque nada lêem além
Da primeira página da Bola
O Notícias a correr
E o Expresso, porque sim!
Nada sabem das ideias do homem
Da democracia
Atenas e Roma
Os Tribunos e as portas abertas
E a ética e o diálogo que inventaram o governo do povo pelo povo
Apenas guardam o circo e amansam as feras
Dão de comer à família até à diarreia
Aceitam a absolvição
E lavam as manipulas na água benta da convivência sã
Desde que todos se sustentem na sustentação do sistema
Contratualizem (oh neologismo) o gado miúdo
Enfatizem o discurso da culpa alheia
Pela esquizofrenia politicamente correcta:
Quando gritam, até parece que se levam a sério
Mas ao fundo, na sacristia de São Bento
O guião escrito é seguido pelas sombras vigentes. 

Estou cansado

Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou farto de abrir a porta de casa e nada estoirar como na televisão

Não era lá longe, era aqui mesmo
Barricadas, armas, pedradas, convulsão
Nada, não há nada
Os borregos, as ovelhas e os cabrões seguem no carreiro
Como se nada lhes tocasse - e não toca
A não ser quando o cinto aperta
Mas em vez da guerra
Fazem contas para manter a fachada:
Ah carneirada, vossos mandantes conhecem-vos pela coragem e pela devoção na gritaria do futebol a três cores
Pelas vitórias morais de quem voa baixinho
E assume discursos inflamados sem tutano.

Estou cansado

Cansado da rotina
Desta mentira que é a vida
Servida respeitosamente
Com ferrete
Obediente
Obediente.

Estou cansado, pá

Sem arte, sem génio, cansado:
Aqui presente está a ementa e o somatório erróneo do desempenho de uma nação
Um abismo prometido
Camuflado por discursos panfletários:
Morte aos velhos!
Morte aos fracos!
Morte a quem exija decência na causa pública!
Morte a quem lhes chama filhos da puta!
- E essa mãe já morreu de sífilis à porta de um hospital.
Mataram os sonhos
Prenderam o luxo das ideias livres
Empanturraram a juventude de teclados para a felicidade
E as famílias de consumo & consumo
Até ao prometido AVC
Que resolve todas as prestações:
Quem casa com um banco vive divinamente feliz
E tem assistência no divórcio a uma taxa moderada pela putibor.
Estou cansado, pá
Da surdez e da surdina
Desta alegria por porra nenhuma
Medida pelo sorriso de vitória do idiota do lado
Quando te entala na fila e passa à frente
É a glória única de muita gente
Uma vida inteira...

Eleitos, cuidem da oratória...


A música aqui:

12/07/2013

Indicadores do descontentamento

Sessão inaugural da Assembleia Constituinte, 1975.
Fonte: http://www.parlamento.pt/
É cada vez mais frequente encontrarmos nos discursos e comentários políticos a referência a "indicadores". É, também, cada vez mais frequente utilizarmos "indicadores" para encontrar explicações, uma vez bem e outras mal, para as consequências resultantes da aplicação de políticas públicas.
Temos indicadores para o consumo, temos indicadores para a satisfação, temos indicadores de confiança, indicadores da conjuntura, temos indicadores para tudo e mais alguma coisa. E com eles criamos percepções sobre o estado em que o país se encontra.

Sustentada por alguns estudos de opinião, exercícios cada vez mais recorrentes, cresce a percepção de que a desconfiança dos cidadãos nas instituições está "pelas ruas da amargura".
Mas a juntar a todos os outros indicadores há um que começa a agora a surgir e, esse sim, é merecedor de alguma atenção pelos "analítico-comentadores": a atenção que os cidadãos focam, não na Assembleia da República, mas sim na figura do Presidente da Assembleia da República. O fenómeno é novo.

A Constituição da República Portuguesa estabelece, desde o seu início, a figura de Presidente da Assembleia da República como a segunda figura do Estado - a primeira o Presidente da República, a segunda o Presidente da AR.
Se o momento que vivemos actualmente é histórico, então ele torna-se mais acentuado graças a esta segunda figura do Estado. Nunca antes na história da AR ou de Portugal, algum dos seus ilustres presidentes teve tanta atenção como está a ter agora a actual Presidente, a Sra. Assunção Esteves, e pelas piores razões.

Este é mais um traço na teia de convergência em que Portugal se vê enredado: um Presidente que transformou um cargo independente e apartidário num órgão que se confunde ideologicamente, no espectro político, num apoio (pouco) disfarçado a um Governo que não respeita nem o seu programa eleitoral nem o seu programa de Governo; Governo esse que, meramente orientado por uma ideologia e entidades exteriores, não tem um entendimento claro da lei fundamental do Estado e consegue algo inédito como a convergência de associações antagónicas, empregadores e empregados; e uma AR alinhada cega e religiosamente com uma orientação do Governo aprovando diplomas a torto e a direito sem respeitar o diálogo com parceiros sociais ou partidos da oposição.

Nesta legislatura, aquele que era um triângulo político rapidamente se transformou numa quadratura pois passou a incorporar a Presidente da Assembleia da República que por não ter sido eleita para ser desrespeitada, parece entender que se encontra numa posição de desrespeitar os cidadãos, aqueles que a elegeram e os outros, a democracia e a "casa" para a qual foi eleita.

Parece-me que, quando pela primeira vez na história do Estado democrático português, a figura do Presidente da Assembleia da República se coloca, por iniciativa própria, numa posição em que passa a ser um dos alvos de descontentamento dos cidadãos, então sim, esse é um "indicador" que deve ser analisado como um alerta para o regime político que muito custou a conquistar para Portugal.

Cidadãos, Partidos e a Política

Sempre defendi a importância da política e dos partidos políticos, dois pilares que estiveram na génese de algumas das grandes transformações nas sociedades. E considero que é neles que reside algumas das soluções para os problemas com que nos deparamos na actualidade.

Infelizmente, pela sua própria acção, da esquerda à direita e com responsabilidades repartidas por toda a estrutura hierárquica partidária, os partidos políticos têm contribuído decisivamente para um aumento da desconfiança dos cidadãos na acção partidária e, bem pior, um descrédito avassalador na própria acção política exercida por qualquer uma das instituições basilares da democracia.

Num determinado contexto, atrevi-me a escrever sobre a importância dos partidos. Tal como na altura, continuo hoje a acreditar, talvez com maior convicção, que os partidos, apesar das suas matrizes e ideologias orientadoras, são feitos por pessoas e pelas pessoas têm de mudar.

Num momento de grande exigência política como o que vivemos nos dias de hoje, o país (e também a Europa) encontra-se, talvez, numa das suas maiores e mais perigosas incertezas: a de saber se dispõe de partidos políticos à altura da situação!

Parece-me que o texto de Fevereiro de 2012 se mantém actual:

«Estudos recentes mostraram que em Portugal a ideia de que “os partidos os são todos iguais”, tem vindo a enraizar-se entre a população. Em 1985, estimou-se que essa noção estava presente em cerca de 60% da população. Em 2008, estimaram-se 82%. E tudo aponta para que esta tendência se mantenha.

Uma personalidade marcante na história recente portuguesa escreveu um dia, não há muito tempo, que “o perigoso é que os partidos se fechem sobre si próprios, as bases se desinteressem, os eleitores se tornem indiferentes”. A história e os números deram-lhe razão!

Olhando atentamente a evolução da nossa democracia, torna-se evidente o aumento do fosso entre os cidadãos e a política, entre os cidadãos e aqueles que os deveriam representar.

Um afastamento que não deve ser interpretado apenas como indiferença. Deve considera-se a possibilidade de ser representativo do descontentamento e mal-estar instalado nos cidadãos em relação aos que os governam.

No passado, os partidos políticos desempenharam um papel fundamental na construção democrática e na defesa e protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos. 

Na conjuntura actual, quando todos nós, de alguma forma, somos afectados por dificuldades a vários níveis, social, económico, laboral, saúde e educação, não restam dúvidas que é o momento dos partidos políticos retomarem a sua função e de estarem à altura das suas responsabilidades. Este é o momento de chamar novamente os cidadãos para junto da política, para junto daquele que é também o seu interesse: o “governo da coisa pública”.
Aos partidos cabe a responsabilidade de dar voz aos cidadãos, de os envolver na construção social, de lhes pedir a contribuições para o bem comum.»

09/07/2013

O Futuro da Democracia

Com uma Democracia destas, quem precisa de uma Ditadura?
Há uns anos atrás, enquanto lia umas coisas por causa de um trabalho académico, tive de ler o livro de Norberto Bobbio, de seu título "O Futuro da Democracia", um trabalho de 1984 onde o autor expôs algumas das virtudes e, principalmente, ameaças à Democracia.

E hoje, perante as crises económica e política (à beira da social) com que Portugal se depara, com um governo "ferido de morte" que pouca ou nenhuma confiança inspira a uma grande parte dos portugueses (sim, eu não falo em "todos os portugueses", limito-me aos factos e não à especulação), quando ouço algumas vozes que, por meros interesses próprios, de classe, partidários ou ideológicos, defendem a não realização do exercício democrático máximo, eleições, não posso esquecer as palavras de Bobbio no seu texto "Governo dos homens ou governo das leis?":

«Em alguns dos maiores escritores políticos da idade moderna [...] a ditadura romana é apresentada como exemplo de sabedoria política [...]» onde, acrescenta, «[...] o dever do ditador é exactamente o de restabelecer o Estado normal e, com isso, a soberania das leis.»

Assim, perante o argumento de que, mesmo na confusão em que o país se encontra, não deve haver eleições para devolver a "voz" aos eleitores permitindo a legitimação das políticas que se estão a impor em Portugal contra aquilo que foram os programas eleitorais dos partidos que compõem hoje o Governo, e onde os próprios partidos políticos, aqueles que, a cima de tudo deveriam procurar defendera democracia, entendem que esta só ocorre de 4 em 4 anos (Guilherme Silva, deputado do PSD, teve a pouca vergonha em o dizer abertamente, uma vez, num programa de debate na TVI24), então parece-me que o vaticínio que se fazia há já uns meses atrás está mais perto do que nunca: com as crises actuais, em Portugal e na Europa, é a própria democracia que já se encontra verdadeiramente em risco uma vez que, em nome de uma dita estabilidade política que poucos conseguem vislumbrar, se exortam como virtudes algumas das características das ditaduras. 

Estamos já, em pleno retrocesso civilizacional. 

Hegel escreveu há muitos anos que a História ensina-nos que não somos capazes de aprender nada com a História... e aparentemente, tinha toda a razão.

02/07/2013

Xeque... Mate?

Dizem os entendidos que, num jogo de estratégia como o Xadrez, os jogadores devem calcular e antecipar as três jogadas seguintes, se pretendem ganhar o jogo.


Hoje, Paulo Portas, apresentando a sua demissão do Governo, demonstrou que a melhor resposta a uma acção estratégica disparatada e declaradamente errada é uma atitude estrategicamente inteligente.

Com a demissão apresentada pelo ex-Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, de entre as várias opções que se colocavam perante o Governo, nomeadamente perante o Primeiro-Ministro, a acção politicamente inteligente poderia passar por:

  1. escolher para novo Ministro das Finanças uma cara nova, dissociado da imagem de austeridade que este Governo tem infligido aos portugueses, permitindo, dessa forma, uma folga na contestação até meados de Setembro;
  2. ou, querendo manter a mesma linha política e orçamental, escolhendo a "prata da casa" e promovendo um Secretário de Estado em funções a Ministro (um precedente perigoso e questionável moral e eticamente, já aberto anteriormente), de todos os Secretários de Estado em funções a escolha deveria cair sobre Paulo Núncio, aquele que goza de um índice de impopularidade menor por lhe ter sido atribuída a autoria da medida da factura electrónica.
Qualquer uma destas opções, um mal menor, poderiam contribuir para evitar [mais] um erro estratégico na governação de Portugal.

Mas quando julgamos que a falta de visão política, para não lhe atribuir outra expressão, não pode causar maiores danos, eis que alguém trata de provar que estamos enganados. 

Passos Coelho, colocando novamente o "pé em ramo verde", fez com que o seu parceiro de coligação, Paulo Portas, decidisse jogar forte - na gíria do xadrez, decidiu atacar o rei em xeque, e com vista ao mate!
Portas decidiu, assim, 1) capitalizar o descontentamento do eleitorado do PSD, que viam na promoção da ex-Secretária de Estado Maria Luís Albuquerque uma linha de continuidade e «persistência dos desequilíbrios , estruturais e institucionais, que determinaram a crise orçamental e financeira», 2) cair novamente nas boas graças do eleitorado do CDS e, por fim, 3) apresentar-se como determinante para a salvação nacional de um mal maior. Portas, que, desta forma, puxa o tapete ao terceiro líder do PSD, e uma vez que dificilmente conquistará votos no eleitorado do PS, não obstante algum descontentamento nele patente, ou no do BE e do PCP, posiciona-se para aumentar a sua base de apoio na direita portuguesa.

Num cenário de queda do XIX Governo Constitucional, ainda que a sua manutenção, mesmo com uma base de apoio declaradamente mais reduzida na Assembleia da República, não seja de todo um cenário a excluir, com o actual quadro institucional português Paulo Portas é, novamente, e independentemente duma vitória eleitoral da esquerda em Portugal, aquele que em melhores condições se apresentará para decidir a formação do XX Governo Constitucional da República Portuguesa.

Paulo de Sacadura Cabral Portas é, de longe, actualmente e dificilmente será ultrapassado num futuro próximo, o melhor e mais brilhante estratega político em Portugal.

Ainda que ocupemos espectros ideológicos antagónicos, reconheço que seria extremamente estimulante disputar uma partida de xadrez com Paulo Portas.


PS: sob a égide de evitar uma crise política, no actual cenário político e democrático português, o Presidente da República tornou-se o único responsável político pela actual instabilidade política que se vive em Portugal. E desta vez, a Democracia tem que forçosamente funcionar!

04/06/2013

Livro: A Europa Alemã

«A Europa Alemã, de Maquiavel a "Merkievel": Estratégias de poder na crise do euro», é um ensaio onde Ulrich Beck consegue, de forma clara e muito simples, clarifica os actuais problemas da União Europeia e as razões e causas da hegemonia alemã.
Um trabalho que deixa patente o actual poder da Alemanha e de Angela Merkel assente em razões históricas, nomeadamente naquilo que é entendido com rigor, e na força económica. É nesta hegemonia que a Alemanha se apoia para impor de forma intransigente medidas de austeridade noutros países da União.
Beck define no seu ensaio quatro princípios fundamentais para uma verdadeira sociedade europeia que são desrespeitados pela actual política alemã: o princípio da equidade; o princípio do equilíbrio; o princípio da reconciliação; e o princípio do impedimento da exploração.
Neste ensaio, e como se torna cada vez mais evidente ao cidadão atento, fica exposto o perigo que representa para a própria democracia a situação do poder que a Alemanha exerce sobre os restantes Estados Membros, nomeadamente na exigência de que estes implementem políticas internas de austeridade (que já se perceberam, há muito, como ineficazes e contraproducentes) : «[...] a União Europeia pode evoluir em dois sentidos. Se a evolução for positiva, consegue ultrapassar definitivamente a história bélica dos Estados nacionais e dominar as crises actuais através de uma cooperação democrática. Caso contrário, as reacções tecnocráticas à crise preparam o fim da democracia, uma vez que as medidas alegadamente necessárias são legitimadas através da invocação da catástrofe iminente, qualquer oposição é declarada como inadmissível e, neste sentido, a governação assume a forma absolutista.»

Um livro que não se destina só àqueles que se interessam por assuntos europeus mas sim a todos os cidadãos!

Sinopse:
«Em 1953, Thomas Mann, no seu famoso discurso de Hamburgo, advertiu os alemães para que nunca mais voltassem a aspirar a «Europa alemã». No entanto, foi precisamente isto que se tornou realidade durante a crise do euro: a potência económica mais forte do continente pode ditar as condições para novos empréstimos aos Estados pobres da zona euro – até chegar ao ponto de esvaziar os direitos democráticos de codecisão dos parlamentos grego, português, italiano, espanhol e, por último, também alemão.» 

20/04/2013

Livro: A Democracia na Europa

Um livro escrito por Sylvie Goulard, deputada no Parlamento Europeu, e o conhecido Mario Monti, antigo comissário europeu e primeiro-ministro (não eleito) italiano, pretende contribuir para "A Democracia na Europa", com ideias e sugestões para uma discussão que, de forma recorrente, se eleva especialmente nos maus momentos da Europa. E, no momento em que a Europa e a sua União atravessam, talvez (ironia), o seu pior momento desde 1951, eis que surge mais um livro para a reflexão.
Os autores, que acreditam que «é possível que os europeus sejam obrigados a uma refundação», pretendem demonstrar que a Europa se encontra perante uma crise também democrática e, com isso, longe da condição essencial para uma continuidade da União consolidada.

Não obstante os autores não defenderam abertamente qualquer modelo de governação na União Europeia, nomeadamente afastarem a ideia de uma defesa do modelo federal, baseiam-se nos escritos de Alexis de Tocqueville ("Da democracia na América" de 1835) e nos Federalist Papers para sustentar alguns dos seus argumentos.
Para eles, os nacionalismos são o maior obstáculo à verdadeira União e os métodos de escolha dos governantes da União e as suas instituições também carecem de reavaliação.

Se dúvidas existissem sobre a ideologia liberal dos autores nesta defesa da democracia na Europa, elas ficariam esclarecidas quando defendem que doseando moderadamente a harmonização fiscal para tornar os programas de austeridade mais equitativos, ainda que cada vez mais se defenda que a austeridade não é a solução para as crises dos Estados europeus, «os países nórdicos, ligados simultaneamente a um conceito aberto e liberal da economia e a um modelo social generoso, baseado em receitas fiscais elevadas, teriam o seu lugar no centro do jogo. Mas todos os países europeus receberiam os benefícios.» Será?

Não deixa de ser estranho que entre as ideias apresentadas, onde questionam correctamente o porquê de Estados Membros que não usam a moeda comum poderem ter influência nas políticas que dizem respeito ao Euro, se encontre a defesa de que a unanimidade e a ratificação dos Tratados é uma barreira à consolidação europeia. Para Goulard e Monti a não ratificação pelos cidadãos e governos de um Tratado não deveria ser um impedimento à sua implementação abrindo, assim, a porta a que esse Estado possa abandonar, por essa razão, a União Europeia.

Quererão de facto uma União Europeia ou várias uniões na Europa?


Sinopse:
«Os autores deste livro, dois europeístas de larga experiência, tomam como ponto de partida e fonte de inspiração para as suas reflexões Tocqueville para repensar a União Europeia em moldes inteiramente novos e sob uma perspetiva de longo prazo, para que os europeus possam escolher juntos e de forma direta os seus governantes através de instituições supranacionais. A Democracia na Europa, que se propõe como um contributo para a construção de uma união económica e política forte, elenca temas da máxima importância para a vida de todos nós e centra-se em aspetos pouco conhecidos do público português e dos cidadãos europeus em geral.»

06/04/2013

A política também tem altos para além dos baixos

31.10.2012, votação do Orçamento do Estado 2013, Rui Barreto do CDS-PP
Com frequência, e porque é fácil, criticamos os actores políticos a torto e a direito. Convenhamos que uma grande parte deles se coloca a jeito e pouco fazem para contrariar essa tendência.


Casos de discursos de declarada demagogia e populismo, atitudes comportamentais impróprias de pessoas minimamente civilizadas ou, pior ainda, alheamento total da realidade contribuem, e muito, para a degradação da imagem daqueles que deveriam ser exemplos e que, dessa forma, conduzem à degradação dos pilares da democracia. Do colapso da democracia à destruição da liberdade a distância não é muita!



É indiscutível que em Portugal se instalou a ideia de que "os políticos são todos iguais" e que "deviam ser todos presos" (fiquei-me clichés simpáticos)!

Porque não partilho desta ideia, cada vez mais enraizada nas conversas pelas razões que atrás referi e outras com que diariamente nos brindam, gosto de registar todos aqueles momentos que, com mais frequência do que poderíamos imaginar, mostram que não se pode rotular de política venal.


Este acórdão do Tribunal Constitucional (TC), que vem declarar a inconstitucionalidade de pelo menos 4  normas, além de evidenciar a incompetência do governo que pela segunda vez apresenta um Orçamento do Estado com (as mesmas) inconstitucionalidades, a manifesta surdez deste governo por não ter ouvido os avisos, ainda no ano passado, do mesmo TC e de toda a oposição e vários especialistas, serve, acima de tudo, para mostrar que ainda há deputados, neste caso no CDS-PP, com coragem para exercer em consciência o seu papel na AR.



Independentemente das razões, ficará para a história que Rui Barreto foi o único deputado da maioria que sustenta o governo a enfrentar a imposição da "disciplina de voto" (figura inexistente na Lei) e que votou contra um OE inconstitucional e usurpador!!



Porque a política (uma necessidade fulcral) e os políticos (os seus actores principais) estão altamente mal vistos, talvez possamos esperar que este tipo de situações possam também contribuir para ajudar a esbater a percepção negativa da gestão e dos gestores da coisa pública.

05/04/2013

E aqui vai a Europa aos trambolhões

Estas declarações de Mário Draghi, sobre os resultados da reunião do Eurogrupo, de 21 de Março 2013, que ditou a "solução" para todos os problemas do Chipre, cobrando taxas sobre todos os depósitos bancários, são altamente esclarecedoras do desnorte desta União Europeia e da elite a que foi entregue o poder de decisão:



«[...] e o resultado foi o que vocês conhecem, designadamente a aplicação de uma taxa também sobre os depósitos garantidos. Não foi uma solução inteligente, para dizer o mínimo [...]»



Uma Europa que caminha trilhos perigosos e que não augura nada de bom para o futuro... é necessária um reflexão séria e urgente para evitar um descalabro cada vez mais eminente...



Toda a conferência de imprensa:





Para quem quiser encurtar, pode consultar a notícia aqui.

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