21/01/2014

Um referendo à estupidez

Sobre a proposta dos deputados do PSD para a realização de um referendo, publicada em Diário da República do dia 20 de Janeiro, já muito se falou e escreveu. Já se falou e escreveu sobre o facto de poder ser inconstitucional por desrespeitar a lei orgânica regime do referendo - na forma e no conteúdo - e sobre as motivações: o facto de se tratar uma manobra politiqueira de parar um processo legislativo (por birra ou razão ideológica) ou de ser resultado de enorme incompetência (de todo um grupo parlamentar ou de um grupo de pirralhos que levou pela certa as velhas raposas).
Qualquer uma das duas teorias para os motivos que levaram à proposta e à sua aprovação pode assentar que nem uma luva neste processo. Na verdade, será mais verosímil que sejam as duas simultaneamente.

Numa altura em que tanto se fala na possibilidade de se vir a verificar uma diminuição na qualidade e quantidade da investigação cientifica feita em Portugal, aqui estou eu para mostrar que com este texto em nada estou a contribuir para contrariar esse vaticínio. Mas, ainda assim, permitam-me a ousadia de usar o (nenhum) rigor científico para testar a hipótese de uma terceira motivação para a proposta de um referendo sobre esta matéria: a estupidez.
A estupidez do acto da proposta e a estupidez do acto da aprovação.
Poder-se-ia dizer, e só para dar um ar de que talvez até possa perceber o que estou a dizer (e fiquemo-nos só pelo "dar um ar"), num teste estatístico feito com todo o rigor (coisa que este não é, nem estatístico nem com rigor) esta minha hipótese seria a h1 (hipótese alternativa) e as anteriores a h0 (hipótese nula).

Tomando o modelo teórico adiantado por Carlo Cipolla, com base na acção e na relação perda/ganho, pressupõe-se a existência de quatro tipos de pessoas: os Inteligentes, os Crédulos (ou ingénuos), os Bandidos e, por fim, os Estúpidos.

A tipificação dos indivíduos, como referi antes, decorre de uma relação entre aquilo que estes perdem e ganham decorrente das suas próprias acções. Esta relação pode perfeitamente ser representada graficamente através do Sistema de Coordenadas Cartesianas (ou Plano Cartesiano) - lá estou eu a dar, novamente, o ar de quem percebe da coisa - conforme mostra a figura:


Consideramos, por isso, X como o individuo que promove a acção e Y aquele que sofre uma consequência dessa acção, I como o (1º) quadrante dos Inteligentes, H como o (2º) quadrante dos Crédulos, S como o (3º) quadrante dos Estúpidos e, finalmente, B como o (4º) quadrante dos Bandidos.

Podemos ver, assim, que uma acção promovida por X da qual ele obtenha um ganho (+) e que também ela proporcione algo de positivo (+) a Y, esta enquadra-se no 1º quadrante (I) e por isso depreendemos que X agiu de forma inteligente procurando o bem de ambos.

Se, por alguma razão, uma acção de X resulte para si numa perda (-) e para Y um ganho (+), o ponto cartesiano, isto é, o posicionamento do individuo encontrar-se-á no 2º quadrante (H) respeitante aos Crédulos ou Ingénuos e que, dependendo do tipo de acção, também poderão ser tipificados como honestos.

Mas se uma acção de X que tenha para a si um ganho (+) e para Y uma perda (-), encontraremos o individuo no 4º quadrante (B), o dos Bandidos. Pressupõe-se, aqui, uma acção intencional para prejudicar Y ou para obter um ganho exclusivamente seu sem qualquer preocupação com terceiros.

Finalmente, se atendermos que a acção de X resultou numa perda (-) para si próprio sem que Y tivesse um ganho, isto é, que para Y também resultasse uma perda (-) então depreendemos, pela sua acção, que o individuo agiu de forma estúpida e perfeitamente enquadrado no 3º quadrante (S) do Plano.

Apresentadas as possibilidades resultantes da acção, resta-nos testar a hipótese enquadrando, para isso, a acção dos deputados do PSD no que respeita à proposta e aprovação da realização de um referendo sobre co-adopção por um cônjuge do mesmo sexo e adopção de crianças por "casais" do mesmo sexo.

Tomando em consideração que a acção dos deputados do PSD (aqui, o X), ao proporem um referendo, fez com que ficassem conotados como batoteiros ou como gente capaz de fazer golpadas políticas e, dessa forma, ter resultado num prejuízo para a imagem da Assembleia da República e dos próprios deputados, constatamos que há uma notória perda (-).
Se considerarmos também que a aprovação posterior desse referendo provocou outra perda (-) no que respeita à sua própria imagem e credibilidade como deputados, da democracia representativa ou mesmo no estatuto que dispunham, então é seguro dizer que o ponto cartesiano de X se poderá encontrar no 2º ou  então no 3º quadrante.

Mas para aferir o enquadramento correcto de X, então teremos que olhar a consequência da sua acção em Y.

Se entendermos Y como as crianças e famílias que, com a proposta e aprovação de um referendo despropositado (e note-se, mais uma vez, o rigor cientifico do "despropositado"!), continuarão sem ver concretizados alguns dos seus direitos fundamentais, constataremos que também estes, em resultado da acção de X, sofreram uma perda (-). Assim, constatamos que -X com -Y coloca o ponto cartesiano no 3º quadrante conotando X - deputados do PSD que propuseram e aprovaram um referendo parvo (de novo o rigor cientifico na assumpção de "parvo") - na posição que, segundo a teoria de Carlo Cipolla, pertence àqueles que agem de forma estúpida.

Poderá o leitor atento, ou aquele que se deu ao trabalho de ler este texto até aqui (nem que seja só para me chamar algum nome feio), argumentar que este trabalho, na constatação a que agora chega, apresenta uma fragilidade científica - se o fizer, nesta fase, deixa-me bastante surpreendido o que, simultaneamente, me satisfaz: ou não prestou a devida atenção ao processo de análise ou a teorização, aparentemente, sustenta-se numa argumentação credível.
Mas, e voltando ao tema, poderá o leitor argumentar que a hipótese que aqui foi levantada pode não se comprovar uma vez que o posicionamento de Y poderá ser 0 (zero) o que faz com que o ponto de X acabe por não estar colocado no 3º quadrante.
Pois, prezado leitor, a utilização dessa argumentação é desmontada de imediato se se recordar que existia em curso, e votada favoravelmente, uma proposta de legislação que permitiria a co-adopção por um cônjuge do mesmo sexo. Assim, o posicionamento de Y nunca poderá ser 0 (zero) mas sim de valor negativo (-) uma vez que, pela acção de X, houve para Y um retrocesso, uma perda.

Infelizmente, não tendo este trabalho o objectivo de aferir o grau ou o nível de estupidez que a acção em estudo confere, poderemos concluir que, pelo menos, se podem assumir como verdadeiras a Primeira Lei Fundamental da Estupidez Humana (pela surpresa que a acção provocou) e a Terceira Lei Fundamental da Estupidez Humana (pelo resultado da própria acção), a saber:

1ª - Cada um de nós subestima, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação;
3ª - Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer um prejuízo.

15/01/2014

Livro: As Leis Fundamentais da Estupidez Humana

Alguns minutos são suficientes para ler um pequeno ensaio, bem divertido, de Carlo M. Cipolla intitulado "As Leis Fundamentais da Estupidez Humana". Este ensaio foi editado, em português, em dois formatos: um isoladamente (numa edição promovida por uma empresa de gás - capa na imagem) e num livro chamado "Allegro ma non troppo" que junta outro ensaio intitulado "O papel das especiarias (e em particular da pimenta) no desenvolvimento económico da Idade Média".

Sinto-me tentado em dizer que talvez este tenha sido o melhor ensaio que li até hoje - perdoem-me os grandes filósofos. Pela sua simplicidade, clareza de discurso e pela exposição do raciocínio que, aliado a um grande dose de sentido de humor, cria todas as condições para se conseguir facilmente colar a teoria nele expressa com a realidade de facto.
Um curto texto que consegue, de forma muito simples, contribuir para um melhor entendimento do que é a vida em sociedade. É-me, hoje, muito mais fácil (e divertido) a caracterização com um enquadramento gráfico de certas "personagens" da praça pública ou até da minha esfera social.

Neste ensaio o autor brinda-nos com 5 leis fundamentais (e fundamentadas) sobre a estupidez (de uma verdade quase absoluta, acrescento eu), a saber:

 1ª - Cada um de nós subestima, sempre e inevitavelmente, o número de indivíduos estúpidos em circulação
2ª - A probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica desta mesma pessoa
3ª - Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si, ou podendo até vir a sofrer uma prejuízo
4ª - As pessoas não estúpidas desvalorizam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem-se constantemente que, em qualquer momento, lugar e situação, tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se infalivelmente um erro que se paga muito caro
5ª - A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigoso que existe (O estúpido é mais perigoso do que o bandido).

Este é um daqueles textos que todos deveriam ler, mas não resisto a transcrever um parágrafo interessante (entre muitos outros) sobre a relação da estupidez e o poder (sobre o «fluxo constante de pessoas estúpidas para posições de poder»):

«Num sistema democrático, as eleições gerais são um instrumento de grande eficácia para assegurar a estabilidade da fracção E[1] entre os poderosos. Recorde-se que, com base na Segunda Lei, existe uma fracção de E de votantes que são estúpidos e as eleições oferecem-lhes uma magnífica ocasião para prejudicar todos os outros sem obter qualquer ganho com as suas acções. Realizando esse objectivo, através das eleições contribuem para a manutenção do nível E de estúpidos entre as pessoas que se encontram no poder.»


[1] - Quota de pessoas estúpidas de uma população.

NOTA: para um correcto entendimento e enquadramento das Leis Fundamentais propostas pelo autor ou mesmo de alguns conceitos, como o de «estúpido» ou «bandido», deve ser lido o ensaio na integra (para além das edições impressas, há disponível na Internet em versões inglesas e português do Brasil)




Sinopse (do livro "Allegro ma non troppo"):

Por que razão um estúpido é mais perigoso que um bandido? Qual é a relação histórica entre o consumo da pimenta, o desenvolvimento da metalurgia e a difusão do nome Smith? Estas e outras intrigantes perguntas encontram resposta nos dois divertidos ensaios que compõem este livro, uma pirueta anárquica de fino humor; o primeiro ensaio é uma paródia hilariante da história económica e social da idade Média, com o Império Romano à mistura; o segundo, uma deliciosa brincadeira, em jeito de teoria geral da estupidez humana. Duas pequenas obras-primas de jocosa extravagância intelectual, que nos propõem uma pausa de irreprimível comicidade e humorismo.
Esta obra destina-se a todos os leitores sem excepção, em especial aos interessados pelas peripécias da História e aos amantes da escrita irónica e perspicaz.
Related Posts with Thumbnails