27/01/2015

Grécia: um novo paradigma?

Não vale a pena discorrer sobre o que a Grécia foi e sobre a sua história ou o que representou para a Democracia(1). Ela é sobejamente conhecida, desde muito cedo a partir dos planos escolares.
Não vale a pena discorrer sobre como a Grécia está. Também o seu estado actual é do conhecimento geral (níveis de desemprego incomportáveis, um sistema de saúde a rebentar pelas costuras, a economia desfeita, fome... desespero!) mesmo que a muitos governantes e a uma "Europa unida na diversidade" interessasse esconder esse cenário de devastação social e económica. Lembremo-nos dos vários "nós não somos a Grécia". Antes, e agora outra vez.
Mas valerá a pena falar sobre o futuro da Grécia?... Não sei se tal será possível.

Sem qualquer sombra de dúvida que o eleitorado grego optou por um governo liderado por um partido (ou uma manta de retalhos de vários partidos resultante de dissidências de todos os espectros políticos) de esquerda radical como forma de protesto - contrariamente ao que muitos disseram e tentaram que outros assimilassem, não estamos a falar de um partido de extrema-esquerda.
A eleição do Syriza não é mais do que o resultado do cansaço dos gregos pelas políticas de austeridade impostas pela União Europeia e pelo próprio governo (que, tal como cá, obedece a um plano estritamente nacional assente numa linha ideológica, mas que depois justifica como a necessidade de corresponder ao "mercados", aos "credores" ou mesmo aos "nossos parceiros"). Políticas com os resultados que todos conhecemos.
Portanto, o eleitorado não escolheu um partido com base no seu programa político (uma situação recorrente), mas sim num conjunto de chavões e num discurso que foi sendo alterado ao longo do tempo. A mesma razão que levou à ascensão do partido de extrema-direita - neonazi -, o Aurora Dourada, como a 3.ª força política da Grécia(2).

Da esquerda à direita, da ciência política à economia, vi extremarem-se posições: "a Europa vai mudar", "acabou a austeridade", "a seguir à Grécia serão outros a impor a sua voz", "a Grécia tem de cumprir se não sai da UE", "a Grécia ficará pior", etc., etc.

A única coisa podemos assegurar é que esta eleição é como uma pedrada no charco: vai fazer ondas, mas ninguém sabe se serão suficientemente grandes para fazer transbordar a água!
No entanto, este acto eleitoral grego deve, tem!, de soar como um alarme para os governantes dos países do norte e centro da Europa. Vai para lá da evidência económica de que as políticas de austeridade falharam. É, agora, se é que ela faltasse, a evidência social e política do falhanço da orientação europeia de cortes cegos, custe o que custar. Já não estamos na fase de subidas ou descidas nas sondagens, ou aumento ou decréscimo no número de votos. Está provado que a radicalização do discurso ganha eleições - tanto à esquerda como à direita - e até forma governos, como o que agora foi eleito na Grécia: um governo de coligação da esquerda radical como a estrema-direita!

Poderíamos dizer que agora, o levantar da voz da Grécia no plano da UE iria conduzir a alterações profundas. Não estou certo disso.
É que o quadro institucional e orgânico da UE não mudou. É que, ao contrário do que algumas pessoas julgam (ainda no dia 27 de Janeiro, na TVI24, José Manuel Fernandes mostrava a sua imensa ignorância neste campo), a posição dos "pequenos" países da UE - e nova dificuldade se coloca no consenso em torno da definição de "pequenos países" - não está "sobre-valorizada" no Conselho da UE ou no Conselho Europeu, nem o Parlamento Europeu dispõe de um peso tão grande nas políticas europeias, muito menos nas financeiras e económicas. Dizer o contrário é mostrar um desconhecimento de como funciona a UE e o sistema de alianças nestas instituições.

O que vai ser o futuro da Grécia, não sei. Ninguém sabe. E esse é que vai ser o grande desafio para os gregos. A minha esperança, para a Grécia, para Portugal e para a Europa, é que o Syriza saiba encontrar o seu caminho, ser coerente, saiba contrariar a austeridade, defender os mais desprotegidos e acabar com as desigualdades. Porque se o conseguir, aí sim, reconquistar-se-á um dos mais preciosos bens da Democracia: a crença na política, a confiança dos governados nos governantes. Aí sim, as pessoas acreditarão!




(1) Não obstante a diferença do conceito de Democracia na antiga Grécia importa salientar o enorme contributo que esta deu para a Democracia tal como a entendemos nos dias de hoje.

(2) Não deixa de se verificar aqui um paradoxo a quando de campanhas (maioritariamente nas redes sociais) com a evocação da história da Alemanha nazi como um ataque à actual hegemonia política alemã e simultaneamente se verifica o crescimento eleitoral da força partidária que advoga o retorno a esse nacionalismo nazi.
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