25/07/2011

Livro: Corrupção

A corrupção é um daqueles temas cuja discussão nunca sai da ordem do dia por se tratar dum fenómeno presente no dia-a-dia das sociedades, tanto na esfera pública como privada.

O ensaio de Luís de Sousa, "Corrupção", editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Relógio d'Água, trata-se dum trabalho interessante que obriga à reflexão sobre as causas e formas da corrupção permitindo uma boa base de lançamento na procura de formas de a combater.
No entanto, e não obstante tratar-se dum trabalho cuja leitura recomendo pela relevância do tema, encontro nele alguns aspectos menos positivos e que de alguma forma podem influenciar os leitores numa construção enviesada da ideia de corrupção e dos seus autores/protagonistas.

Um trabalho que se se apresenta com um título abrangente, "Corrupção", mas que na concretização se reduz apenas à difusão do fenómeno na área da administração pública e política.
Quando o autor, nas primeiras páginas, propõe como ponto de partida as perguntas «O que é a corrupção? Como se estrutura e se processa? Que tipos de corrupção são vistos com tolerância e que tipos são considerados danosos para o funcionamento das instituições? [...] Que factores de risco potenciam a sua ocorrência?» a expectativa que cresce é a de que poderemos ter acesso a um conjunto de informação que permita a compreensão do fenómeno como um todo.
Concluída a leitura, a percepção com que o leitor pode ficar é de que a corrupção é um fenómeno exclusivamente instalado na esfera pública (administração, funcionários públicos e partidos políticos).
Talvez pudessem ter sido acrescentadas considerações que levassem os leitores à compreensão das causas e razões de também ser possível encontrar acções ou indícios de corrupção na esfera privada. A única relação que o autor estabelece entre os agentes privados e a corrupção inclui sempre um terceiro agente, o público, quando na verdade, alguns fenómenos deste género são estabelecidos exclusivamente no espectro privado (e.g. recente caso de cartelização da panificação, a relação entre preços de combustíveis, os inúmeros casos no futebol, ou o maior sector privado de farmácias, a ANF, etc.).

Ela existe, é verdade, mas esta relação directa entre corrupção e sector público, e a praticamente inexistente alusão à relação entre corrupção e sector privado, pode conduzir o leitor ao entendimento de que este fenómeno é exclusivo da administração pública.
Como exemplo, podemos verificar esta tendência quando o autor, na apresentação dos tipos de corrupção em Portugal, define em terceiro lugar desta tipologia a «corrupção sistémica ou política».

Nos dias que correm é reconhecida a dificuldade política e judicial para combater e contrariar este fenómeno mas também é verdade que actualmente já não estamos num ponto igual ao de há 30 anos, ou há 10 anos até. Hoje, na administração pública, ainda que possamos considera-los escassos, já existem alguns mecanismos que tentam combater este fenómeno. Parece-me, portanto, pertinente o «Capítulo VII: A ineficácia da resposta política» onde o autor aponta algumas áreas onde há ainda trabalho a desenvolver no combate a este flagelo. No entanto, no ponto «Falta de formação e de recrutamento especializado» julgo que a crítica que é feita aos requisitos gerais de admissão a concursos públicos (neste caso de funcionários para investigadores criminais) peca por exagero por considerar que o requisito de "robustez física indispensável ao exercício das funções" seja irrelevante.
Parece-me um exagero que o autor use este argumento para justificar um o desvio da real necessidade de formação dos agentes público. Este é um requisito que está ao mesmo nível de outros como o de "Nacionalidade Portuguesa, quando não dispensada pela Constituição, convenção internacional ou lei especial" ou "18 anos de idade completos" presentes em qualquer concurso público.
Hoje em dia são requisitos em concursos públicos a formação adequada para o exercício das funções e, numa grande parte dos casos, a experiência profissional anterior. Casos existem também em que os candidatos têm que se submeter a provas de conhecimento.

Um outro aspecto que deve ser tido em consideração é o facto de Portugal ser apresentando como um país demasiadamente sensível ao fenómeno da corrupção baseando-se em estudos onde os níveis de corrupção são o reflexo da percepção que a opinião pública tem dos actores e dos agentes neste fenómeno sendo a Comunicação Social a principal fonte na construção dessa ideia.

Há, com certeza, muito trabalho pela frente para combater o fenómeno que mais corrói as sociedades e este trabalho pode ser mais uma fonte de conhecimento. Uma leitura OBRIGATÓRIA!


Sinopse:

A corrupção, enquanto forma de influência ou compra de decisões, permaneceu invariável ao longo dos séculos, mas o modo como o poder se estrutura e é exercido em sociedade tem evoluído, criando novas oportunidades e incentivos para este tipo de prática. O que é a corrupção? Como se estrutura e se processa? Que tipos de corrupção são vistos com tolerância e que tipos são considerados danosos para o funcionamento das instituições? Quais as causas que explicam a prevalência da corrupção numa determinada sociedade ou contexto histórico? Que factores de risco potenciam a sua ocorrência? Como se tem desenvolvido o combate à corrupção em Portugal? Que papel compete à política, à justiça, aos media e à sociedade civil? Estas e outras questões serão objecto de reflexão neste livro.

17/07/2011

Livro: História da União Europeia

"História da União Europeia" de Nuno Valério é um trabalho bastante interessante sobre a construção da organização. A apresentação da evolução da UE é feita cronologicamente o que proporciona um acompanhamento mais próximo das alterações e problemas que se lhe foram surgindo, assim como a sua ligação a outras organizações internacionais.

Além da visão histórica transportada até aos dias de hoje, permitindo uma percepção clara da construção europeia assente, essencialmente, na vertente económica, este trabalho deixa algumas considerações sobre o futuro da organização - hegemonia, externa e interna, e homogeneidade.

Terminada a sua leitura, não pode deixar de se constatar um evidente falhanço da união política!

Uma questão premente, e à qual o autor não dá resposta devido à sua natural complexidade, mas cujo trabalho apresentado abre portas a uma maturação e reflexão sobre o tema, é a de saber qual o rumo desta união europeia: «saber se a União Europeia vai, a prazo, evoluir no sentido federal esboçado e fracassado com o Tratado Constitucional, implodir num regresso à estrita soberania nacional, ou estabilizar na fórmula intermédia da supranacionalidade».


Sinopse:

Esta é uma obra muito documentada e exaustiva, de grande actualidade, incontornável para compreender o espaço europeu e todos os aspectos da sua articulação e protagonismo mundial. O processo de integração europeia é analisado em grande profundidade desde longínquos antecedentes históricos até aos mais recentes, já no século XX, a partir do pós-guerra. As várias fases do processo de integração são aqui perspectivadas até à efectiva existência da União Europeia, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht. A terceira parte do livro ocupa-se da evolução mais recente e das perspectivas para o futuro da União Europeia no século XXI.

04/07/2011

Construção Social

Em Portugal, como noutros países, também a imprensa esteve no passado associada ao poder político que, quando não era do Estado, era pertença dos próprios partidos políticos. A independência da Comunicação Social face ao poder político, que viria a sofrer um atraso em Portugal em virtude do período ditatorial que viveu, dá-se porque se começa a verificar uma maior dependência do poder económico. Encontram-se também, desde muito cedo, ainda que com uma aplicação prática bastante mais tarde, preocupações no sentido de regular e defender o jornalismo e a liberdade de imprensa.

É dessa forma, e porque deixa de ser uma voz concordante com o poder político, que a imprensa assume com agrado o papel que os políticos lhe atribuíram e que ficou rotulado de “Quarto Poder”. A imprensa e os jornalistas assumem-se como defensores da opinião pública e dos cidadãos face aos políticos e aos governantes ainda que para isso não tenham sido eleitos ou nomeados. É a falta dessa legitimidade que leva alguns radicais a sugerir que os jornalistas passem a ser escolhidos pelos cidadãos e, inclusivamente, a serem remunerados[1] também por estes.

À pergunta de partida “quais as relações entre a Comunicação Social e o Poder Político?”, percebe-se que não conseguirá ter uma resposta objectiva e concreta pois constata-se que uma relação que inicialmente se poderia considerar bipartida, encontra um terceiro poder com interesses tácitos nesta interacção: o poder económico.

Passam a ser claros os papéis de cada um nas relações observadas: o poder político detém o poder de decisão e possui conteúdo para notícias; o poder económico detém o capital e além de depender da decisão do primeiro também contribui, através de muitas formas disponíveis (impostos, apoios, subsídios, parcerias, etc.) para a sua manutenção; e os meios de comunicação social, dependentes do poder económico, que funcionam como canal de transmissão das mensagens pensadas e estrategicamente planeadas. A Comunicação Social serve, muitas vezes, como arma política mesmo no interior do poder político ou, melhor dizendo, na luta pelo lugar de destaque no interior da actividade política. Por exemplo, na vertente ideológica de esquerda, a Comunicação Social tem um papel negativo na sociedade porque serve os interesses do sistema capitalista, enquanto na visão de direita, a sua função é prejudicial por tentar enaltecer, falseando para isso, as virtudes dos sistemas anticapitalistas. Por essa razão, a Comunicação Social é frequentemente designada com um instrumento de acção política e os seus profissionais, por inerência, actores políticos.

Verifica-se que existem interesses que convergem neste “triângulo” mas também outros que se revelam antagónicos. Todos eles contribuem para o adensar da suspeita e da desconfiança da opinião pública sobre a classe governante e até sobre a classe jornalística. Muitas vezes o poder económico, que detém as empresas de Comunicação Social, fica isento da crítica porque, normalmente, prefere manter pouco visíveis as relações empresariais que detêm com os jornais, televisões ou rádios. São assim, os personagens políticos e os jornais, cadeias de televisão e emissoras de rádio, as faces mais visíveis desta relação.

Não obstante a imagem negativa que a opinião pública tem destes actores, que por norma incide mais na classe política face a uma capacidade que a imprensa tem de formar opiniões nesse sentido, existe entre políticos e jornalistas uma visão pejorativa do outro, visto que cada um deles se coloca no papel de defensor da liberdade e da democracia:

«O mundo divide-se em países que querem substituir os meios de comunicação, para os quais a única solução é a restauração da democracia; e países em que os meios de comunicação querem substituir o governo para os quais a solução assenta nos próprios meios de comunicação e na verdade dos factos transmitida pelos jornalistas para juízo da opinião pública.»[2]

Políticos, jornalistas e empresários não podem ficar indiferentes ao poder que os seus papéis representam e fazerem dele um aproveitamento de acordo com os seus próprios interesses. Devem assumir a sua preponderância na construção da realidade das sociedades mas de forma clara e transparente, com respeito pelos direitos fundamentais e valores éticos.

Mas essa função não deve ficar apenas nas mãos de quem detém o poder político, económico ou da informação. Cabe também à sociedade civil imiscuir-se nesta relação e participar na construção social. Estar atenta aos fenómenos que fundamentam essa construção e desempenhar uma acção crítica, exigente e participativa. É importante romper com situações de acomodação, porque são mais confortáveis ou por uma crença de incapacidade própria.



[1] TRAQUINA, Nelson (2007). O que é Jornalismo. Lisboa: Quimera. Pág. 33.

[2] SANTOS, Margarida Ruas dos (1996). Marketing Político. Mem Martins: Edições CETOP. Pág. 192.

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