11/05/2010

Visita de Bento XVI vista por um ateu.

Não posso começar este texto sem fazer uma "declaração de interesses": Sou ateu, reconheço a liberdade de cada um em acreditar no que quiser (não sou radical ao ponto de impingir a minha visão a outros) e o meu único interesse nas religiões estão relacionados com história e política.

Feita esta "introdução", necessária para a compreensão do texto, aproveito a visita de Benedictus XVI a Portugal para tecer umas pequenas considerações.

Algumas pessoas, e com toda a legitimidade que lhes assiste, aproveitaram esta visita dum chefe de Estado - quer queiramos ou não, e por mais interpretações literais que se tentem fazer dos conceitos de Estado ou Nação, o Vaticano é um enclave reconhecido como tal há muitos séculos - para encostar o Estado à Igreja e assim acusar o Governo de ignorar a laicidade do Estado português.
(Hoje em dia, tudo serve para apontar o dedo ao Governo...)

Esta separação do Estado e da Igreja, que começa por ser teorizada por Maquiavel, passando por John Locke e outros que lhes seguiram, ainda que tentem demonstrar o contrário, está patente no actual Estado português. Mas é preciso que se compreenda que para que a separação continue a ser válida em Portugal não é preciso voltarmos à I República (1910-1926) e reavivar a perseguição que o Estado fez à Igreja, nomeadamente as que vieram na sequência da publicação dum decreto de 20 de Abril de 1911 com o nome "Lei da Separação do Estado das Igrejas" que resultou em expropriações das ordens religiosas, prisões ou mesmo na morte de membros religiosos.

Mas, e mantendo a sua laicidade, não deve o Estado repudiar as Igrejas e a importância que estas têm na Sociedade, considerando sempre a proporcionalidade da população crente. Neste caso específico, por isso, não deve o Estado ignorar que, segundo os valores adiantados na comunicação social, mais de 80% da sua população se assume como católica.

Por isso, não encontro qualquer problema nem percebo as críticas feitas à tolerância de ponto concedida pelo Governo aos seus funcionários para que estes, se o entenderem, possam celebrar ou praticar de forma diferente da habitual a sua religiosidade.

Além disso, e porque o argumento é sempre a "produtividade" (desta vez até os sindicatos se manifestaram contra), é preciso ter em conta que a produtividade numa organização não passa única e exclusivamente pelas 7 ou 8 horas de trabalho diário.
A produtividade é o resultado duma equação complexa conjugando factores como as horas de trabalho, condições de trabalho, motivação, cultura (organizacional) e aptidão.
Por isso, não possível argumentar ou defender de forma séria que este dia de tolerância terá um impacto negativo na produtividade dos serviços do Estado, ainda quando, e apenas como exemplo, dois feriados nacionais como o 25 de Abril e o 1 de Maio este ano coincidiram com sábados (dia de descanso para a grande maioria dos funcionários do Estado).
Aliado a isso, há também que ter em consideração o facto deste dia poder gerar receitas ao Estado: combustíveis, transportes, restauração, alojamento, comércio em geral (com certeza resultado de muitas visitas aos centros comerciais).

Também a fazer fé em valores que correm à boca cheia (não tive oportunidade de o confirmar) parece que em Portugal durante o ano passado o turismo religioso fez movimentar mais de 700 milhões de euros.


Um outro argumento é a despesa do Estado (incrível como se encontram tantos milhões em despesas e nenhuns em receitas) com esta visita - policias, força aérea, marinha, INEM, etc.
Considerando que esta visita é: a) sem qualquer sombra de dúvida, a mais mediática de sempre (a seguir às visitas do Presidente norte-americano) e que por isso coloca Portugal sob os olhares atentos de toda a comunidade internacional (religiosa e não religiosa); b) que tem eventualmente um impacto económico ao nível das receitas bastante auspicioso; c) que envolve alguns riscos de segurança não só para o chefe de Estado do Vaticano mas principalmente para os milhares (ou milhões) que o seguirão nesta estadia; não me parece que o custo seja mais alto que o beneficio.

Não posso ficar surpreendido ou chocado com o número elevado de recursos que uma operação de segurança desta envergadura, se recordar uma cimeira realizada recentemente com os chefes de Estado da Europa e de África ou a Presidência Portuguesa do Conselho União Europeia (6 meses), ambas também de alto risco e que envolveram um considerável número de agentes de segurança.
Ou até mesmo se considerar que para jogo de futebol entre Benfica, Porto e Sporting (8 "derbys" durante um campeonato) são destacados, para cada um desses dias, entre 600 a 750 policias.
E não me recordo que nenhumas destas "operações" tenham sido alvo de críticas tão inflamadas.



Em suma, como português e como ateu, não posso deixar de considerar como positiva a vinda deste chefe da Igreja Católica a este canto esquecido no mundo que é Portugal.




1 comentário:

  1. Muito boa a reflexão, Pedro. Tocas em pontos decisivos para o enquadramento objectivo da situação.

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