Esta semana no Expresso (20.03.2010), Miguel Sousa Tavares "confessa-se"... e não deixa de ter alguma razão.
Não comento dramas pessoais. Muito menos em lugares públicos. E, também desta vez, vou seguir o meu principio de não fazer qualquer comentário.
Mas transcrevo aqui uma parte do seu artigo de opinião, não pelo drama que envolve mas sim porque expõe as contradições e o estado a que a Comunicação Social, duma maneira geral, chegou.
Poderá contribuir para um momento de reflexão.
«Confesso que não entendo como é que todos fomos enganados pela morte do Leandro. Todos, eu incluído. Todos engolimos sem pestanejar a primeira e 'definitiva' versão que nos foi apresentada pela imprensa para a morte do jovem de doze anos, apresentado como exemplo limite das consequências do bullying. A saber: a) que Leandro, farto de ser sovado e maltratado pelos colegas da escola; b) por quem já havia sido seriamente espancado um ano antes; c) e incapaz de se defender; d) saiu pela porta principal da escola de Mirandela que frequentava, sem que ninguém o interceptasse, e declarando "não aguento mais, vou-me atirar ao rio": e) o que fez, suicidando-se no Tua; f) sem que a escola tenha tido depois uma só palavra para com a família. Ora, segundo o "Diário de Notícias" desta terça-feira, citando fontes da escola e da PSP e amigos e testemunhas do acto de Leandro, o que realmente terá acontecido foi: a) Leandro era, ele próprio, um miúdo dado a provocações e confrontos, o que terá estado na origem do incidente ocorrido há um ano, quando insultou outros alunos; b) os quais, aliás, não eram da sua escola, mas sim de outra escola de Mirandela; c) no dia fatal, não saiu da escola pela porta da frente, que estaria sempre vigiada, mas sim através das grades exteriores; d) não se quis suicidar, mas apenas tomar banho no rio, tendo sido levado pela corrente; f) e logo no dia seguinte o presidente do conselho executivo da escola falou com a mãe de Leandro, dando-lhe os sentimentos e colocando-se à disposição dela. Ou seja: a fazer fé na segunda e corrigida versão, todos fomos levados ao engano. E porquê? Pois, o que dói é a resposta a esta pergunta.
Fomos levados ao engano, porque a nossa imprensa, quase toda, vive à procura de sangue, escândalos, tragédias ou heróis. E porque, entre procurar a verdade da história além das aparências, esperar pelas investigações das autoridades sem antecipar conclusões, ou optar logo pela versão mais trágica e chocante, escolheu esta sem hesitar. Nada disto aconteceu por acaso. Não deixa de ser eloquente que, num momento em que na Comissão de Ética da Assembleia da República prosseguem as penosas audições para apurar se há ou não liberdade de imprensa em Portugal, a maior e mais real ameaça a essa liberdade esteja ausente de todas as questões colocadas e de todos os depoimentos prestados. Essa ameaça é o tipo de jornalismo que hoje se faz e que é ditado, primeiro que tudo, pela necessidade de vender informação e conquistar audiências a qualquer preço. Os célebres 'conteúdos', que tanto movem os novos patrões da imprensa, são ditados exclusivamente pela vontade de obter lucros e não pelo desejo de prestar um serviço público de informação e formação. Ninguém pergunta à Ongoing ou à PT para que querem eles ter uma televisão ou um jornal, quais são os seus pergaminhos, o seu currículo, as suas intenções em matéria jornalística. Parece que ter dinheiro, próprio ou emprestado, é critério suficiente.
Durante quatro semanas a fio, o jornal "Sol" levou a cabo, tranquilamente, a divulgação de escutas telefónicas recolhidas num processo em segredo de justiça e abrangendo até alguma gente que, tanto quanto sabemos, não é suspeita de qualquer crime. E assim continuou mesmo depois de um tribunal o ter proibido de o fazer, a pedido de um dos escutados. Todos sabemos que o que o "Sol" fez é crime, que é inaceitável num Estado de direito e que é uma perversão deontológica do jornalismo, grave e insustentável. Mas a verdade é que onze, entre doze directores de jornais interrogados, conseguiram justificar a atitude do "Sol" com "o direito à informação" e "o interesse público". E todos nós, mesmo os discordantes, fomos obrigados a ler as escutas e concluir a partir dos factos e indícios nelas contidos, sob pena de sermos excluídos da discussão pública. E, para que dúvidas não restassem, esse farol da ética jornalística, que é o "Público", titulava na primeira página e triunfantemente, no dia seguinte a o "Sol" ter ignorado altivamente a providência cautelar decretada pelo tribunal: "Primeira tentativa de censura em trinta anos falha".
De Mirandela ao 'Face Oculta' não vai assim tanta distância: a história é diferente, mas os métodos são semelhantes e, se pensarmos, o objecto final deste jornalismo é rigorosamente o mesmo.»
O artigo de opinião na integra aqui.
25/03/2010
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