17/12/2011

Livro: De Roma a Lisboa: a Europa em debate

"De Roma a Lisboa: a Europa em debate" trata-se de mais uma reunião de vários textos de autores que abordam o tema Europa, União Europeia, no contexto do Tratado Reformador, ou Tratado de Lisboa como ficou conhecido, em diversas áreas, coordenado por Maria Manuela Tavares Ribeiro. Desde a vertente constitucional deste tratado, passando pela cobertura jornalística que o Tratado mereceu, as relações internacionais (Cabo Verde e Colômbia), a Europa nos manuais escolares, sem esquecer, naturalmente, a sua "permanente indefinição" e o alargamento europeu.
Um trabalho que cobre diversos temas transversais da Europa:
  • "European constitutional ambitions after Lisbon";
  • "O Tratado de Lisboa: conteúdo e desafios";
  • "Comunicando a Europa: o Tratado de Lisboa";
  • "Europa: Cultura, identidade, fronteiras";
  • "Rumo aos 27: O alargamento da UE nos manuais escolares";
  • "A União Europeia e o conflito colombiano: de uma irrelevância de facto a uma irrelevância de conteúdo?";
  • "A Parceria Especial CaboVerde/UE: olhares da imprensa";
  • e "A União Europeia: um actor (político) em permanente indefinição".
Um livro editado em 2010 pela Almedina que, em alguns aspectos nele abordados, se mantém actual face aos mais recentes acontecimentos e por isso poderá ser (mais) uma ferramenta para ajudar a compreensão desta Europa: «[...] cada vez mais os Estados da União se dividem entre os que têm uma concepção da Europa como projecto político e os que perfilham uma concepção instrumental e pragmática; ao mesmo tempo que as suas agendas ("nacionais" e "internacionais") tendem a divergir»

Sinopse:

«A Europa em mutação no século XXI debate-se ainda em busca de uma ideia de si mesma enquanto projecto e realidade política. Vai-se abrindo, porém, à percepção de que a União Europeia é ainda um caminho a percorrer, mais ainda do que um ponto de destino.
E se a Europa foi fruto de um conjunto de reflexões de intelectuais, ela foi também produto de ideais teóricos, mas é um facto que deixou de ser o produto de ideais teóricos para converter-se em realidade que define o ser europeu: a razão, o direito, a democracia.
Mas nela, na Europa, podemos encontrar os contrários. Se a Europa é o direito, ela é também a força; se é a democracia também é opressão, se é razão é também mito.
Como sublinhou o europeísta suíço Denis de Rougemont, esta Europa dividida conservará o seu destino histórico comum. E ao longo dos séculos houve intentos de reconciliação em que a diversidade europeia se transforma numa unidade continental como solução para os problemas, para os confrontos, para os conflitos. Em muitos momentos da nossa contemporaneidade a Europa foi avançando em direcção oposta à unidade, a acentuar a diversidade e a fomentar a sua fragmentação - segundo as etnias, as línguas, as culturas, as religiões. Mas também é verdade que houve a preocupação em percorrer o caminho em sentido contrário, ou seja, da diversidade para a unidade.
Não se estranhará, portanto, que a unidade da Europa seja uma tarefa em construção e, por ora, inacabada.»




19/11/2011

Livro: A Construção de Estados

Neste trabalho de 2006 de Francis Fukuyama, autor que ficou conhecido por ter anunciado o fim da História, podemos, de alguma forma, encontrar a visão liberal e belicista dos Estados Unidos da América no que diz respeito à posição dos Estados no sistema internacional.
Na primeira parte de "A Construção de Estados - Governação e Ordem Mundial no Século XXI", editado pela Gradiva, o autor faz uma abordagem à dimensão e funções dos Estados, divididas em mínimas, médias e activas, tentando estabelecer relações com os níveis de eficiência das instituições públicas construindo, para o efeito, matrizes que podem conduzir à percepção, errada, da simplicidade em delinear e definir a força e o alcance das funções do Estado. Na segunda parte é defendida a ideia de Estados fracos e Estados falhados apresentando-os como o problema para a paz e a segurança dos Estados e Continentes. É com base nessa definição deste tipos de Estados que o autor justifica, na terceira parte do seu trabalho e de forma implícita, a posição norte americana na visão dos Estado soberano e na sua legitimidade para assumir posições de força na resolução de conflitos internacionais e a tentativa de imposição de democracias noutras nações. Afinal, como diz o autor quando apresenta as diferenças entre os EUA e a UE no que respeita à legitimidade das instituições nacionais e internacionais, não esqueçamos, por exemplo, que os EUA não reconhecem ainda o Tribunal Penal Internacional, não se escusa de recorrer a Robert Kagan para defender a sua posição: «Os europeus são aqueles que realmente crêem viver no fim da História - isto é, num mundo em grande parte pacífico que pode ser cada vez mais governado pela lei, por normas e por acordos internacionais. [...] Os americanos, pelo contrário, pensam estar ainda a viver na História, e precisam de utilizar os meios do poder político tradicional para lidar com as ameaças do Iraque, da al-Qaeda, da Coreia do Norte e de outras forças malignas.» É por isso que, e contextualizando a obra em 2006, três anos depois do início da guerra do Iraque e da captura e execução de Saddam Hussein, e de já se saber do logro das armas de destruição em massa que serviu de justificação para o conflito, o autor defende que «Se os Estados Unidos fizeram, ou não, a abordagem correcta no caso do Iraque é uma questão em aberto, mas não deveríamos deixar que as circunstâncias específicas deste caso afastassem a atenção do facto de haver um desequilíbrio potencialmente grave entre a exigência de segurança num mundo de Estados fracos ou falhados e a capacidade das instituições internacionais para a assegurar.»


Um livro para reler daqui a algum tempo, com mais calma e atenção.


Sinopse:


«Francis Fukuyama tornou-se conhecido por prever a chegada do «fim da História», com o predomínio da democracia liberal e do capitalismo global. O tema do seu último livro é, por isso, surpreendente: a construção de novos Estados-nação. O fim da História nunca foi visto como um processo automático, afirma Fukuyama, e as comunidades políticas bem governadas foram sempre a sua condição necessária. «Os Estados fracos ou falhados são fonte de muitos dos mais graves problemas existentes no mundo», afirma. Nesta obra, sistematiza o que sabemos - e, sobretudo, o que não sabemos - sobre como criar instituições públicas bem-sucedidas em países em vias de desenvolvimento, de forma que estas beneficiem os seus cidadãos. Trata-se de uma lição importante, especialmente numa altura em que os Estados Unidos se confrontam com as suas responsabilidades no Afeganistão, no Iraque e noutros locais.
Fukuyama inicia A Construção de Estados com uma descrição da enorme importância conquistada pelo «Estado». Rejeita a noção de que possa haver uma ciência da administração pública e analisa as causas da actual fraqueza do Estado. Termina o livro com uma discussão sobre as consequências que a existência de Estados fracos pode ter na ordem internacional e sobre as condições que legitimam a intervenção da comunidade internacional em apoio daqueles»

21/10/2011

As certezas do desconhecido

Não podemos ficar indiferentes aos recentes acontecimentos na Líbia. Seja em relação à chacina da população nas mãos dum ditador, seja em relação a todo o "processo" da captura e morte desse mesmo ditador, Muammar Gaddafi (que por cá chamámos Kaddafi).


Os actos de barbárie do ser humano, ainda que sejam fáceis de despoletar e com um rastilho muito curto, agravando-se quando inserido num grupo, não são, na minha perspectiva, normais. São parte do comportamento animal e consequentemente do comportamento humano, mas a sociedade, e sem entrar nas teorias de Hobbes e Lock, encarregou-se de considerar esse comportamento, que Freud considera uma predisposição inata, como inaceitável - ou pelo menos assim aconteceu numa enorme larga maioria de sociedades.


Mas pior do que as imagens divulgadas do corpo de Gaddafi arrastado pelas ruas nas mãos duma multidão eufórica, que agora se diz que afinal não foi morto em fogo cruzado na sequência dum ataque da NATO mas sim numa execução sumária, são as vozes de responsáveis políticos internacionais que já vieram à praça rejubilar com o sucedido.
Ainda que compreendamos que a queda dum déspota pode ser um ponto de partida para um novo período da história, a sua morte e o seu corpo não devem ser usados como bandeira da Liberdade! è que o futuro, ninguém o conhece.
Bem fez Barack Obama ao recusar divulgar imagens do corpo de Ossama Bin Laden. Se o mandatário do assassínio de milhares de pessoas efectivamente morreu no seguimento da tentativa de captura (e aqui poderíamos entrar noutra discussão que também seria interessante), o assunto fica encerrado e fim da história. Novo começo.


O mais perigoso é quando usamos este tipo de bandeiras para fazer "futurologia". Parece-me que o entusiasmo pela morte de alguém que deveria ser preso, com direito a um julgamento justo e pagar todas as atrocidades que fez a milhares de pessoas, acaba por cegar algumas pessoas.
Se olharmos para o comunicado conjunto do Presidente da Comissão Europeia e do Presidente do Conselho Europeu e também para a certeza de Hillary Clinton vemos que o futuro está traçado: é «o início de uma nova era»! Está dito e mais que visto!
Na verdade é, de facto, o início dum novo período na história da Líbia mas, nem estes políticos, nem o povo da Líbia sabem o que os reserva. Não sabemos se a morte desta pessoa vai ser, como já anunciaram, o melhor para o futuro da Líbia e da sua população. Não sabemos se a morte desta pessoa vai contribuir para um caminho de "liberdade" e "mais democrático". Não sabemos, e pronto!


Hillary Clinton disse em 2003, quando ainda disputava o lugar de senadora, que a captura de Saddam Hussein poderia contribuir para a estabilidade e para a paz no Iraque. O homem foi enforcado (nova barbárie, mas legalizada!!) e o Iraque continua em pé de Guerra.
Ossama Bin Laden foi morto, e o Afeganistão continua em guerra.
Mubarak foi preso, está a ser julgado, e o Egipto continua a ferro e fogo.
A Tunísia deitou a baixo Ben Ali, outro ditador, e ainda não se conseguiu endireitar apesar de ter já as eleições marcadas - existem ainda focos de conflito social.


Mas será que a história ainda não nos ensinou nada? Ou talvez sejam optimistas quanto ao futuro, acreditando na ideia de Robert Bailey: «a sociedade é composta por indivíduos que, sendo racionais ou capazes de se tornarem racionais, hão-de impulsionar a humanidade para novos níveis de civilização.».
A questão é que quando há um sentimento optimista podemos ser sempre confrontados com a visão pessimista da mesma situação: «a sociedade é composta de massa que, sendo não racionais e facilmente influenciáveis hão-de reduzir a humanidade à mediocridade.»


Quanto ao futuro, só o tempo o dirá...




ADENDA (23.10.2011) - A recusa, ainda que não se conheçam os fundamentos, do Conselho Nacional de Transição em realizar uma autópsia ao corpo de Gaddafi, ainda para mais quando já foram divulgados vídeos que o mostram vivo e capturado contrariando a "versão oficial", não augura nada de bom para a Líbia que se segue...

20/10/2011

A estupidez devia pagar imposto

Se a estupidez pagasse imposto talvez os nossos sacrifícios não tivessem que ser tão grandes. E este iluminado estaria num dos escalões de contribuição mais elevados: José Manuel Fernandes!



Diz JMF: «Eu fechava amanhã a RTP Informação»

Pois se fosse eu, mandava erradicar amanhã todos os estúpidos da crosta terrestre... Mas José Manuel Fernandes está com sorte porque eu não tenho esse poder!

É preciso que se saiba que fechar qualquer serviço público de televisão ou rádio é entregar nas mãos de privados e grupos económicos, neste caso ligados à informação, o controlo sobre aquilo que nos entra pela casa a dentro.
Basta que olhemos o que se passa, esse triste cenário, com os canais generalistas. A RTP tornou-se, nesta fase, o refúgio daqueles que não se querem evangelizar com a ignorância e o espectáculo degradante em que se tornaram os canais generalistas privados (tanto na área noticiosa como na do entretenimento), em particular, com os seus "reality show's" - mas há mais exemplos nas grelhas de programação.

O desaparecimento dum canal de informação público, ainda que com manifestos problemas no funcionamento (que seguramente podem ser melhorados), é autorizar de forma implícita que através dos grupos de  interesses meramente económicos a informação nos entre pela casa a dentro já digerida e em forma de opinião.
Será um benefício para quem prefere usar e defender ideias já processadas por cabeças terceiras, muito mais fácil, portanto, mas uma séria dor de cabeça para quem gosta de diversificar as fontes de informação para formular as suas próprias conclusões.

Já agora, e não se aplicando em concreto ao canal público de informação, por falar em privatizações, é importante não esquecer o nº 5 do art.º 38 da CPRP quanto à necessidade de um serviço público de rádio e TV para assegurar a «Liberdade de imprensa e comunicação social»:
«O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão.»

Por isto e por muito mais, não sou defensor de qualquer privatização do serviço público de TV's ou rádios...

16/10/2011

Morte certa, ressurreição duvidosa

Não resisto a publicar aqui o texto de Miguel Sousa Tavares, alguém com quem eu nem sempre concordo, no Expresso de 15.10.2011 (pág 2):


«1 O discurso de Pedro Passos Coelho aos portugueses foi um texto bem escrito, bem elaborado, bem argumentado e lido com convicção e coragem - porque não era fácil. Essa é a grande qualidade de Passos Coelho: ele até pode estar errado em tudo, mas sente-se que acredita no que diz e está de boa fé.


2 O que ele agora nos veio dizer foi isto: "morram primeiro, que eu ressuscito-vos depois". E nós nada mais podemos fazer do que esperar que, contra toda a lógica, ele possa ter razão, no fim de tudo. Porque não temos alternativa (ou temos, e chama-se António José Seguro, o que vem a dar ao mesmo ou pior). A aposta é que, matando a economia, se restauram as finanças públicas. A Bélgica, a França, a Itália, a Inglaterra, os Estados Unidos, todos eles têm um problema de défice e de dívida soberana igual ou pior do que o nosso. Não é só Portugal ou os PIGS. A diferença é que eles têm a capacidade de retomar o crescimento e, por essa via, resolver o défice, e nós não. Subindo sem parar os impostos a todos os que ainda produzem, massacrando o consumo interno, o Governo está a matar a economia para pagar o despesismo público. O que eu gostaria de ter ouvido, e não ouvi, era o PM declarar, por exemplo: "Acabou-se Guimarães-Capital da Cultura, acabou-se o Museu Berardo, acabou-se o Metropolitano do Porto, acabou-se a Moda Lisboa, acabaram-se os dinheiros públicos para a Fundações privadas, acabaram-se os avales do Estado às dívidas da Madeira" (nem uma palavra de Passos Coelho sobre isso).


3 Já basta e ofende a desculpa da herança do anterior Governo.
Primeiro, porque juraram que que não o fariam; segundo, porque só mostra que nada sabiam do estado do país e não estavam preparados para governar, mas apenas para ocupar o poder; terceiro, porque, que se tenha percebido, o tal buraco inesperado de 3000 milhões decorre, todo ele, da privatização do BPN, nas condições definidas por este Governo, e das dívidas escondidas do querido Jardim, criatura emérita do PSD. E resta este facto: desde que o actual Governo tomou posse, todos os indicadores económicos da conjuntura não fizeram senão agravar-se - todos, sem excepção.
E, depois de quatro ou cinco aumentos de impostos sucessivos, a receita fiscal do Estado decresce, em lugar de subir (e não nos venham dizer que a culpa é de Sócrates).


4 Anuladas todas as deduções fiscais nos dois últimos escalões do IRS e generalizando o aumento do IVA para o escalão máximo de 23% sobre a restauração e o pequeno comércio está aberta a porta para a fuga fiscal. Por mais bonito que seja o discurso e por mais séria que seja a convicção dos seus autores nenhuma redenção virá do massacre da economia leal e do estímulo à economia paralela.


5 Mas o mais extraordinário do anúncio das grande linhas do OE para 2012 foram as reacções do PCP e do BE. Disseram eles, ofendidos e exaltados, que estas "políticas de direita" são insustentáveis, um "roubo aos trabalhadores", o "caminho para o desastre", etc. e tal. Como? Peço perdão: não foram eles que votaram o derrube do governo PS, abrindo caminho a um governo de direita?
Esperavam o quê - uma solução mais suave que o saudoso PEC4, que tão entusiasticamente chumbaram?»


(o itálico é meu)

Este blog não morreu!

Este blog não morreu!... Está mais parado, mas não morreu!
Novos projectos (profissionais e académicos) têm ocupado muito do meu tempo o que me impede de continuar a escrever aqui.


Por continuar atento ao que se passa, ainda que o tempo não sobre, vou tentar tornar-me mais presente também aqui!...

08/08/2011

Livro: A Europa Possível

"A Europa Possível" de Luís Beirôco é um livro que, fazendo uma exposição da história da construção europeia, dos seus principais momentos e protagonistas, deixa evidente quem são os estados membros que comandam essa construção, as suas intenções e objectivos: o eixo Franco-Alemão.

Este trabalho contribui para uma clara percepção do caminho escolhido pelos estados europeus orientado exclusivamente pela visão economicista e de mercados livres. Enquanto ocorre a união económica na Europa percebe-se a incapacidade, ou falta de vontade política, dos mesmos estados na construção duma união política cujo inicio se dá com o fracasso da primeira iniciativa de construção dessa união: a Comunidade Europeia de Defesa (CED).

Um livro editado em 2004 mas que reflecte todas as preocupações actuais na defesa duma União Europeia, além de económica, também política. Facilmente se consegue entender que, apesar a alternância dos dirigentes europeus, a falta de vontade política dos anos 60, 80 e 90 que impediu uma união política da UE está patente nos dias de hoje. E, infelizmente, porque os interesses de cada um dos estados europeus (e não europeus!) não se alteraram muito ao longo dos anos, temo que esta incapacidade política possa estar para durar tornando a Europa uma organização vulnerável no plano internacional - não nó no aspecto económico, vejam-se os sucessivos "ataques" dos mercados aos países europeus, mas também no aspecto político se, e apenas como exemplo, tivermos presente os recentes "ataques" de dirigentes norte-americanos às políticas militares e de defesa dos estados europeus (sempre dependentes dos orçamentos dos EUA no plano militar e da NATO).

Uma leitura que se recomenda.


Sinopse:

A história da construção europeia ensina-nos que sempre que do plano económico se pretende avançar para o plano político multiplicam-se as dificuldades e surgem as divisões. Os chamados eurocépticos sustentam que os pressupostos da construção europeia se alteraram com a implosão da União Soviética e a reunificação alemã. Para eles, que valorizam o retorno das nações, enquanto reflexo identitário provocado pela globalização, o método comunitário, tal como definido pelos pais fundadores, está ultrapassado. Os europeístas, por seu lado, pensam que é precisamente o fim do mundo bipolar que impõe que se acelere o passo a caminho da união política. Por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque acolher os países da “outra Europa” obriga a um reforço da solidariedade e da coesão. Em segundo lugar, porque a Europa deve assumir um papel autónomo na nova ordem internacional que se pretende construir.

25/07/2011

Livro: Corrupção

A corrupção é um daqueles temas cuja discussão nunca sai da ordem do dia por se tratar dum fenómeno presente no dia-a-dia das sociedades, tanto na esfera pública como privada.

O ensaio de Luís de Sousa, "Corrupção", editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Relógio d'Água, trata-se dum trabalho interessante que obriga à reflexão sobre as causas e formas da corrupção permitindo uma boa base de lançamento na procura de formas de a combater.
No entanto, e não obstante tratar-se dum trabalho cuja leitura recomendo pela relevância do tema, encontro nele alguns aspectos menos positivos e que de alguma forma podem influenciar os leitores numa construção enviesada da ideia de corrupção e dos seus autores/protagonistas.

Um trabalho que se se apresenta com um título abrangente, "Corrupção", mas que na concretização se reduz apenas à difusão do fenómeno na área da administração pública e política.
Quando o autor, nas primeiras páginas, propõe como ponto de partida as perguntas «O que é a corrupção? Como se estrutura e se processa? Que tipos de corrupção são vistos com tolerância e que tipos são considerados danosos para o funcionamento das instituições? [...] Que factores de risco potenciam a sua ocorrência?» a expectativa que cresce é a de que poderemos ter acesso a um conjunto de informação que permita a compreensão do fenómeno como um todo.
Concluída a leitura, a percepção com que o leitor pode ficar é de que a corrupção é um fenómeno exclusivamente instalado na esfera pública (administração, funcionários públicos e partidos políticos).
Talvez pudessem ter sido acrescentadas considerações que levassem os leitores à compreensão das causas e razões de também ser possível encontrar acções ou indícios de corrupção na esfera privada. A única relação que o autor estabelece entre os agentes privados e a corrupção inclui sempre um terceiro agente, o público, quando na verdade, alguns fenómenos deste género são estabelecidos exclusivamente no espectro privado (e.g. recente caso de cartelização da panificação, a relação entre preços de combustíveis, os inúmeros casos no futebol, ou o maior sector privado de farmácias, a ANF, etc.).

Ela existe, é verdade, mas esta relação directa entre corrupção e sector público, e a praticamente inexistente alusão à relação entre corrupção e sector privado, pode conduzir o leitor ao entendimento de que este fenómeno é exclusivo da administração pública.
Como exemplo, podemos verificar esta tendência quando o autor, na apresentação dos tipos de corrupção em Portugal, define em terceiro lugar desta tipologia a «corrupção sistémica ou política».

Nos dias que correm é reconhecida a dificuldade política e judicial para combater e contrariar este fenómeno mas também é verdade que actualmente já não estamos num ponto igual ao de há 30 anos, ou há 10 anos até. Hoje, na administração pública, ainda que possamos considera-los escassos, já existem alguns mecanismos que tentam combater este fenómeno. Parece-me, portanto, pertinente o «Capítulo VII: A ineficácia da resposta política» onde o autor aponta algumas áreas onde há ainda trabalho a desenvolver no combate a este flagelo. No entanto, no ponto «Falta de formação e de recrutamento especializado» julgo que a crítica que é feita aos requisitos gerais de admissão a concursos públicos (neste caso de funcionários para investigadores criminais) peca por exagero por considerar que o requisito de "robustez física indispensável ao exercício das funções" seja irrelevante.
Parece-me um exagero que o autor use este argumento para justificar um o desvio da real necessidade de formação dos agentes público. Este é um requisito que está ao mesmo nível de outros como o de "Nacionalidade Portuguesa, quando não dispensada pela Constituição, convenção internacional ou lei especial" ou "18 anos de idade completos" presentes em qualquer concurso público.
Hoje em dia são requisitos em concursos públicos a formação adequada para o exercício das funções e, numa grande parte dos casos, a experiência profissional anterior. Casos existem também em que os candidatos têm que se submeter a provas de conhecimento.

Um outro aspecto que deve ser tido em consideração é o facto de Portugal ser apresentando como um país demasiadamente sensível ao fenómeno da corrupção baseando-se em estudos onde os níveis de corrupção são o reflexo da percepção que a opinião pública tem dos actores e dos agentes neste fenómeno sendo a Comunicação Social a principal fonte na construção dessa ideia.

Há, com certeza, muito trabalho pela frente para combater o fenómeno que mais corrói as sociedades e este trabalho pode ser mais uma fonte de conhecimento. Uma leitura OBRIGATÓRIA!


Sinopse:

A corrupção, enquanto forma de influência ou compra de decisões, permaneceu invariável ao longo dos séculos, mas o modo como o poder se estrutura e é exercido em sociedade tem evoluído, criando novas oportunidades e incentivos para este tipo de prática. O que é a corrupção? Como se estrutura e se processa? Que tipos de corrupção são vistos com tolerância e que tipos são considerados danosos para o funcionamento das instituições? Quais as causas que explicam a prevalência da corrupção numa determinada sociedade ou contexto histórico? Que factores de risco potenciam a sua ocorrência? Como se tem desenvolvido o combate à corrupção em Portugal? Que papel compete à política, à justiça, aos media e à sociedade civil? Estas e outras questões serão objecto de reflexão neste livro.

17/07/2011

Livro: História da União Europeia

"História da União Europeia" de Nuno Valério é um trabalho bastante interessante sobre a construção da organização. A apresentação da evolução da UE é feita cronologicamente o que proporciona um acompanhamento mais próximo das alterações e problemas que se lhe foram surgindo, assim como a sua ligação a outras organizações internacionais.

Além da visão histórica transportada até aos dias de hoje, permitindo uma percepção clara da construção europeia assente, essencialmente, na vertente económica, este trabalho deixa algumas considerações sobre o futuro da organização - hegemonia, externa e interna, e homogeneidade.

Terminada a sua leitura, não pode deixar de se constatar um evidente falhanço da união política!

Uma questão premente, e à qual o autor não dá resposta devido à sua natural complexidade, mas cujo trabalho apresentado abre portas a uma maturação e reflexão sobre o tema, é a de saber qual o rumo desta união europeia: «saber se a União Europeia vai, a prazo, evoluir no sentido federal esboçado e fracassado com o Tratado Constitucional, implodir num regresso à estrita soberania nacional, ou estabilizar na fórmula intermédia da supranacionalidade».


Sinopse:

Esta é uma obra muito documentada e exaustiva, de grande actualidade, incontornável para compreender o espaço europeu e todos os aspectos da sua articulação e protagonismo mundial. O processo de integração europeia é analisado em grande profundidade desde longínquos antecedentes históricos até aos mais recentes, já no século XX, a partir do pós-guerra. As várias fases do processo de integração são aqui perspectivadas até à efectiva existência da União Europeia, com a entrada em vigor do Tratado de Maastricht. A terceira parte do livro ocupa-se da evolução mais recente e das perspectivas para o futuro da União Europeia no século XXI.

04/07/2011

Construção Social

Em Portugal, como noutros países, também a imprensa esteve no passado associada ao poder político que, quando não era do Estado, era pertença dos próprios partidos políticos. A independência da Comunicação Social face ao poder político, que viria a sofrer um atraso em Portugal em virtude do período ditatorial que viveu, dá-se porque se começa a verificar uma maior dependência do poder económico. Encontram-se também, desde muito cedo, ainda que com uma aplicação prática bastante mais tarde, preocupações no sentido de regular e defender o jornalismo e a liberdade de imprensa.

É dessa forma, e porque deixa de ser uma voz concordante com o poder político, que a imprensa assume com agrado o papel que os políticos lhe atribuíram e que ficou rotulado de “Quarto Poder”. A imprensa e os jornalistas assumem-se como defensores da opinião pública e dos cidadãos face aos políticos e aos governantes ainda que para isso não tenham sido eleitos ou nomeados. É a falta dessa legitimidade que leva alguns radicais a sugerir que os jornalistas passem a ser escolhidos pelos cidadãos e, inclusivamente, a serem remunerados[1] também por estes.

À pergunta de partida “quais as relações entre a Comunicação Social e o Poder Político?”, percebe-se que não conseguirá ter uma resposta objectiva e concreta pois constata-se que uma relação que inicialmente se poderia considerar bipartida, encontra um terceiro poder com interesses tácitos nesta interacção: o poder económico.

Passam a ser claros os papéis de cada um nas relações observadas: o poder político detém o poder de decisão e possui conteúdo para notícias; o poder económico detém o capital e além de depender da decisão do primeiro também contribui, através de muitas formas disponíveis (impostos, apoios, subsídios, parcerias, etc.) para a sua manutenção; e os meios de comunicação social, dependentes do poder económico, que funcionam como canal de transmissão das mensagens pensadas e estrategicamente planeadas. A Comunicação Social serve, muitas vezes, como arma política mesmo no interior do poder político ou, melhor dizendo, na luta pelo lugar de destaque no interior da actividade política. Por exemplo, na vertente ideológica de esquerda, a Comunicação Social tem um papel negativo na sociedade porque serve os interesses do sistema capitalista, enquanto na visão de direita, a sua função é prejudicial por tentar enaltecer, falseando para isso, as virtudes dos sistemas anticapitalistas. Por essa razão, a Comunicação Social é frequentemente designada com um instrumento de acção política e os seus profissionais, por inerência, actores políticos.

Verifica-se que existem interesses que convergem neste “triângulo” mas também outros que se revelam antagónicos. Todos eles contribuem para o adensar da suspeita e da desconfiança da opinião pública sobre a classe governante e até sobre a classe jornalística. Muitas vezes o poder económico, que detém as empresas de Comunicação Social, fica isento da crítica porque, normalmente, prefere manter pouco visíveis as relações empresariais que detêm com os jornais, televisões ou rádios. São assim, os personagens políticos e os jornais, cadeias de televisão e emissoras de rádio, as faces mais visíveis desta relação.

Não obstante a imagem negativa que a opinião pública tem destes actores, que por norma incide mais na classe política face a uma capacidade que a imprensa tem de formar opiniões nesse sentido, existe entre políticos e jornalistas uma visão pejorativa do outro, visto que cada um deles se coloca no papel de defensor da liberdade e da democracia:

«O mundo divide-se em países que querem substituir os meios de comunicação, para os quais a única solução é a restauração da democracia; e países em que os meios de comunicação querem substituir o governo para os quais a solução assenta nos próprios meios de comunicação e na verdade dos factos transmitida pelos jornalistas para juízo da opinião pública.»[2]

Políticos, jornalistas e empresários não podem ficar indiferentes ao poder que os seus papéis representam e fazerem dele um aproveitamento de acordo com os seus próprios interesses. Devem assumir a sua preponderância na construção da realidade das sociedades mas de forma clara e transparente, com respeito pelos direitos fundamentais e valores éticos.

Mas essa função não deve ficar apenas nas mãos de quem detém o poder político, económico ou da informação. Cabe também à sociedade civil imiscuir-se nesta relação e participar na construção social. Estar atenta aos fenómenos que fundamentam essa construção e desempenhar uma acção crítica, exigente e participativa. É importante romper com situações de acomodação, porque são mais confortáveis ou por uma crença de incapacidade própria.



[1] TRAQUINA, Nelson (2007). O que é Jornalismo. Lisboa: Quimera. Pág. 33.

[2] SANTOS, Margarida Ruas dos (1996). Marketing Político. Mem Martins: Edições CETOP. Pág. 192.

30/06/2011

De candidato a Primeiro-Ministro

Para memória futura... para um qualquer trabalho de análise da transformação de "políticos candidatos" em "políticos governantes"...

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27/06/2011

Royksopp

Em 2002 (ou 2003), na altura que ainda via e ouvia a MTV com alguma frequência, ouvi em momentos diferentes duas músicas ("Eple" e "Poor Leno") que ficaram no ouvido. A Internet ajudou a conhecer e a ouvir com mais detalhe esses singles. Fiquei impressionado com o que ouvi e com a banda o que me levou a comprar o CD "Melody A.M." dos Royksopp (raramente comprava CD's, não porque os ouvia a partir da Internet mas porque fazia questão de não ter a música como mais uma despesa - rádio e TV serviam os propósitos perfeitamente).

Ouvi o álbum de 2001 deste duo norueguês as vezes suficientes para despertar em mim a curiosidade sobre trabalhos anteriores. Constatei que que já andavam no "circuito" da música electrónica desde o início dos anos 90 mas este era o primeiro álbum editado! "Belo arranque" achei eu.

Em 2005 lançaram o segundo álbum, "The Understanding". Achei-o bom mas pior que o primeiro!
Foi ai que me "desliguei" deste duo.

Recentemente, num zapping entre canais, esbarrei num episódio do CSI NY onde ouvi uma música que me intrigou bastante. Descobri depois que pertencia ao Royksopp e que haviam lançado novos álbuns em 2009 ("Junior") e 2010 ("Senior").
Ainda não os ouvi do princípio ao fim mas do "Junior" destaco este tema, "the girl and the robot" com a participação da sueca Robyn, que promete ser um bom regresso...


versão do álbum
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versão ao vivo
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enjoy!

23/06/2011

Livro: A Ciência em Portugal

"A Ciência em Portugal" de Carlos Fiolhais é uma visão sobre o estado da Ciência, antecedido duma abordagem histórica.
São-nos dados a conhecer não só alguns pontos negativos do actual estado da Ciência em Portugal como alguns sucessos e metas alcançadas. São também apresentadas algumas ideias para o futuro das ciências exactas no nosso país.

Discordo de alguns (poucos) pontos de falha apontados pelo autor e tenho pena que o trabalho não tenha tido a oportunidade de ter sido enriquecido pelo último relatório PISA (pág. 60, "Aguardam-se resultados do PISA 2009") - talvez tivesse alguma influência na análise do autor.
Concordo plenamente com a ideia dum visível e sistemático afastamento entre a ciência e a escola (a esta distância consigo ter uma maior percepção disso quando faço uma retrospectiva dos meus tempos de estudante). Ultrapassando esta barreira talvez seja possível a aproximação dos alunos (como defende o autor, desde o pré-escolar) às ciências exactas. Tenho sérias reservas quanto à ideia de tornar, também, a comunicação social como um canal de aproximação das pessoas e da ciência e tecnologia - infelizmente, são temas que não estão na ordem do dia destes grupos (económicos) pela sua fraca rentabilização.
Efectivamente, é um trabalho de leitura recomendada.


Sinopse:

Neste ensaio passa-se em revista o estado da ciência em Portugal, nas suas múltiplas facetas: história, organização, produtividade, ligação à economia, ensino e divulgação das ciências. Usando vários gráficos e tabelas, mostra-se o grande progresso alcançado nas últimas décadas, sem esquecer de apontar o muito que falta fazer para que, na área decisiva da ciência e da tecnologia, Portugal seja um país mais competitivo à escala internacional.

Uma edição FFMS e Relógio d'Água.

14/06/2011

O Poder da Justiça

Não tenho o hábito de ver muitos filmes ou séries de televisão. Esporadicamente lá consigo ver um filme do princípio ao fim. E por isso são poucos os que posso dizer que, de alguma forma, me marcaram.
Tenho alguns filmes de eleição, naturalmente, mas podem contar-se pelos dedos duma mão aqueles que, para mim, são referências.

Mais do que todos aqueles aspectos que "vendem" os filmes como os efeitos especiais, o estatuto dos actores ou os realizadores, presto mais atenção à estória. Para mim, é isso que define um bom de um mau filme. Curiosamente, algumas das minhas preferências cinematográficas resultam de adaptações conseguidas de alguns livros.
E este, com o título "The Rainmaker", não fugiu à regra. Não conhecia o filme nem o livro. Não sei se a adaptação, realizada por Francis Ford Coppola, está melhor ou pior que o livro, mas fiquei muito curioso. O livro foi escrito em 1995 por John Grisham - formado em direito com bastantes livros escritos sobre Justiça, sendo que outros dos seus trabalhos também serviram de base para filmes como o "The Firm" com Tom Cruise e Gene Hackman ou "Runaway Jury" com John Cusack.

A estória poder-se-ia resumir (e quantas vezes é que já vimos isto acontecer em filmes?!) num jovem advogado que, tendo acabado de conseguir o seu diploma, abraça uma causa enfrentando grandes grupos financeiros em tribunal e no fim consegue sair vencedor ao ponto de provocar a falência da empresa condenada.
Até aqui nada de novo. Mas os contornos desta estória são verdadeiramente perturbadores.
Provavelmente para um americano a história representa apenas mais uma situação idêntica a muitas outras, mas para um português, como eu, que nasceu num país que tinha já (e ainda vai tendo) um sistema de saúde e um sistema de protecção social não pode deixar se causar estranheza e até uma certa apreensão pelos tempos e transformações que estamos a viver em Portugal e na Europa.

Esta estória conta o caso de um jovem que, depois de lhe ser diagnosticada uma leucemia, vê recusada (sete vezes) pela empresa de seguros a autorização para a realização de um transplante de medula óssea. A empresa que supostamente deveria assegurar os pagamentos de cuidados de saúde aos seus clientes, por razões burocráticas e financeiras, recusa uma intervenção cirúrgica que poderia salvar a vida a um jovem. Os pormenores de gestão desta empresa privada são expostos em tribunal onde ficam claros os interesses exclusivamente financeiros da seguradora e o arrastar das situações até que os clientes desistam (ou morram). Sempre contando que estes nunca recorram à justiça como forma de reclamar aquilo a que têm direito (porque para isso até pagaram bem).

Não deixa de ser curiosa a argumentação de defesa que o advogado da empresa faz do seu constituinte perante o júri: «pensem que uma indemnização no valor de 10 milhões de dólares fará subir os prémios dos seguros e isso pode criar condições a que o Governo possa querer tomar conta da forma como nós asseguramos os nossos cuidados de saúde» (cito de memória)... Que ultraje o Estado assegurar e cuidar da saúde dos cidadãos! Este é o pensamento liberal mais extremo e é bem real como tivemos oportunidade de ver na recente discussão sobre as alterações do actual sistema de saúde americano (bem representado neste filme/livro).

Mas, claro está, o ultraje não está no facto do Estado assegurar qualquer tipo protecção social mas sim no facto de haver quem deixe de ganhar dinheiro com isso.

Esta é apenas uma estória e por isso poderíamos considera-la como mais um livro ou filme de ficção no meio dos milhares que se escrevem ou fazem todos os anos, mas não podemos ficar indiferentes quando esta estória de ficção é escrita por alguém que conhece bem os sistemas judicial e político norte americano.
Pergunto-me, será mesmo ficção? Nos Estados Unidos não é efectivamente ficção! É assim que funciona o acesso aos cuidados médicos naquele país. Quem paga um seguro tem acesso aos serviços de saúde. Quem não tem, ou tem um seguro que não cubra todas as situações vê-lhe negado o acesso ou este passa a ser-lhe limitado.
E esta é apenas uma estória que representa milhares de outras histórias.

O que será que o futuro nos reserva?... Para onde nos levam estas novas correntes liberais europeias?...
Perguntas que só o tempo dará resposta mas a julgar pelas "nuvens" que se avistam no horizonte, é quase certo que enfrentaremos algumas tempestades.



12/06/2011

A herança de Sócrates, por Nicolau Santos

Não posso deixar de destacar o texto de Nicolau Santos no caderno Economia do semanário Expresso de 10 de Junho (2011).
Uma síntese que não deixa dúvidas quanto à capacidade redutora quando tratamos de proceder a avaliações e julgamentos políticos.
Infelizmente, o que é agora feito com José Sócrates não é novo. Já o fizemos no passado, no julgamento de outros actores políticos, com a certeza de que esta continuará a ser a nossa atitude.

«Os seis anos de governação de José Sócrates tendem a ser avaliados agora apenas pelo facto de ter conduzido o país a uma situação de insolvência, que nos obrigou a um pedido de ajuda internacional. Se as últimas impressões são as que ficam, Sócrates será julgado severamente pela História, sobretudo se não se levarem em linha de conta a violenta crise financeira de 2008 que provocou um autêntico tsunami em Portugal, e os violentos ataques pessoais de que foi alvo e que lhe sugaram a energia e atenção, que poderiam ter sido canalizadas para uma melhor governação. Em qualquer caso, os seis anos de Sócrates foram muito mais do que apenas os dois últimos. E nos quatro primeiros anos, Sócrates enfrentou os interesses instalados na sociedade portuguesa como nunca nenhum primeiro-ministro ousara fazer antes. Foram introduzidas mudanças muito significativas na educação, na administração pública, no e-governance, na saúde e obtidos excelente resultados no domínio da investigação e desenvolvimento, na inovação, na ciência, na afirmação das energias renováveis e, pasme-se, na redução do défice orçamental em 2007 e 2008. Não compensa o desastre a que chegámos? Não. Mas também deve ser considerado quando se faz o balanço dos anos Sócrates.»

Acrescento que neste pequeno texto, de forma muito subtil, Nicolau Santos tocou no ponto que, porventura, terá custado a José Sócrates sucessivas campanhas de descredibilização e de diabolização: «nos quatro primeiros anos, Sócrates enfrentou os interesses instalados na sociedade portuguesa como nunca nenhum primeiro-ministro ousara fazer antes.»
José Sócrates teve a ousadia de enfrentar poderes e lobbys instalados, começando na ANF passando pelos sindicatos de Juízes e de Professores até à acumulação de reformas e vencimentos na classe política, que, se não estiveram na origem destas campanhas, contribuíram de forma decisiva para a sua propagação pelos meios de comunicação social.

Não podemos deixar de temer pela Democracia quando verificamos que, cada vez mais, se criam condições para o enraizamento nas sociedades da desconfiança de que àqueles que, por qualquer razão, enfrentam este tipo de forças está reservado um assassinato político sem qualquer pudor.

11/06/2011

Livro: Mussolini e a Itália Fascista

"Mussolini e a Itália Fascista" de Martin Blinkhorn.

Uma síntese da ascensão e queda do regime fascista em Itália. Com uma abordagem inicial das características do país no período pré-fascista permite ao leitor uma compreensão das razões do crescimento e reforço do regime ditatorial assim como as causas da sua destruição (implosão).


Sinopse:

Uma exposição exemplar de rigor e clareza sobre o movimento político que dominou a vida italiana de 1922 até à Segunda Guerra Mundial.
Martin Blinkhorn examina as origens do fascismo no contexto dos problemas económicos do pós-Risorgimento e das convulsões políticas e sociais resultantes das transformações económicas ocorridas depois de 1890, quadro que permitiu a firme instauração do regime fascista em 1925. Martin Blinkhorn traça a história do regime até ao seu afundamento durante a Segunda Guerra Mundial, analisando o papel pessoal de Mussolini e, em particular, a estrutura do Estado fascista e a sua natureza em tantos aspectos fluida e mesmo contraditória.

10/06/2011

Livro: Sondagens e Democracia

"Sondagens e Democracia" de Jean de Legge.

Não sendo um livro técnico sobre estudos de opinião e sondagens permite uma melhor percepção sobre a elaboração, interpretação e intenção destes estudos. Um olhar sobre a razão destes estudos, quem os elabora e quem os interpreta.

«As sondagens podem contribuir para recriar proximidade, reatar uma ligação entre os poderes e os seus sujeitos, alertar identificando um nicho ou um segmento ocultado pelas ideias dominantes»



Sinopse:

As sondagens provaram a sua eficácia tanto no universo do marketing como na previsão eleitoral e conhecem um sucesso crescente. Para o autor as sondagens políticas não devem ser concebidas como simples utensílios de gestão de opinião e de comunicação, mas como um meio de escuta das esperanças sociais. JEAN DE LEGGE.

Depois de estudos de teologia e de psicologia, começa por trabalhar como psicólogo de terapias institucionais antes de ingressar no serviço de estudos de um grande jornal diário regional. Hoje em dia, é director associado de uma das dez maiores empresas francesas de estudos de mercado e sondagens de opinião.

Livro: O Que Resta da Esquerda

"O Que Resta da Esquerda" de Franco Cazzola.

Ainda que considere nele existir algumas questões que careciam de melhor clarificação, nomeadamente a utilização de determinados conceitos e a explicação de alguns dados apresentados (que no posfácio o Prof. André Freire classifica como o "quarto problema"), trata-se dum trabalho muito interessante para a temática Esquerda vs Direita que pode acrescentar alguns dados novos (ou talvez não!).

«Às mudanças de ontem a esquerda devia responder repensando os meios (as vias a seguir), sendo em grande parte realizado o ingresso das classes subalternas no Estado (democracia liberal).
Às mudanças de hoje, do início do século XXI, a esquerda deve responder «pensando no porquê» da sua existência futura.»


Sinopse:

Escrito numa linguagem acessível ao público em geral, «O Que Resta da Esquerda» resume, compara e analisa as políticas governativas de 13 democracias europeias (incluindo Portugal), desde 1946 a 2010.

Franco Cazzola traça o mapa político da Europa actual e oferece ao leitor o quadro completo das políticas e instrumentos, dos objectivos e da realidade dos factos, dos sucessos e dos insucessos da esquerda no poder, ao mesmo tempo que oferece uma resposta empírica a questões essenciais para os cidadãos europeus:

Que fazem realmente os partidos políticos quando tomam o poder? Quais as diferenças concretas em relação ao que declaram que irão fazer quando estão na oposição? O que verdadeiramente distingue a esquerda da direita nos dias de hoje, no plano das medidas concretas de governo? Que fizeram os governos de esquerda com os recursos financeiros à sua disposição? Os partidos fazem a diferença?

Tabelas e quadros estatísticos simples e úteis complementam a exposição das premissas e das conclusões.

Posfácio de André Freire debruça-se sobre a realidade do nosso país analisando a situação das esquerdas portuguesas e lança pistas para futuras pesquisas.

Livro: A Outra Globalização


Um trabalho que aborda aquela que deveria ser a globalização paralela à económica: a cultural.
Baseia-se num triângulo de conceitos "identidade - cultura - comunicação" que estão na base duma coabitação cultural que vai mais além das redes de informação e tecnológica.
Um tema interessante e que, quando confrontado com os recentes acontecimentos relacionados com a emigração e o multi-culturalismo, pode colocar algumas questões à Europa como a conhecemos actualmente.


Sinopse:

Com a abertura das fronteiras, a televisão, a democratização das viagens e, mais recentemente, a Internet, o mundo ter-se-á transformado numa gigantesca «aldeia». Pelo menos, isto é o que pretendem fazer crer algumas indústrias da comunicação que são agora mais poderosas do que nunca: seríamos todos «cidadãos do mundo», com múltiplas ligações, capazes de assimilar as mais diversas heranças, constituindo alegremente uma espécie de cultura globalizada.
Nada mais vão do que esta pretensão cosmopolita. Para enfrentarmos um mundo cada vez mais aberto e, portanto, mais incerto, precisamos, pelo contrário, de estar confiantes na nossa identidade, preparados para nos confrontarmos com outros valores. Em suma, ter raízes. Não é por o Outro ser hoje mais acessível que ele é mais compreensível; é exactamente o contrário. Quanto mais visíveis são as nossas diferenças, mais tensões elas criam. Curiosamente, enquanto observamos à lupa a globalização económica, esquecemo-nos de pensar esta «outra globalização» da qual dependem, porém, a paz e a guerra futuras.
Em que condições, portanto, organizar a nível mundial uma coabitação de culturas?
Esta é a questão central deste livro e, para Dominique Wolton, uma das principais questões políticas dos nossos dias. Num sentido contrário às ideias admitidas, o autor avança propostas surpreendentes.

02/06/2011

Ensinamentos da História

(Texto escrito em Março de 2011... ainda estava por publicar)

Relativizarmos o tema da crise apenas a Portugal seria incorrer num erro. É impossível negar: a crise está aí, não é só nossa ainda que estejamos a sofrer mais do que outros e, ao que parece, está para durar mais algum tempo.

A capacidade para a ultrapassar depende de todos nós mas, e naturalmente, mais daqueles que são legitimados para exercer cargos de governo – sejam eles de nível central, regional ou local – porque, afinal, Portugal é ainda um estado democrático.

Se acreditarmos que a História não se repete devemos, pelo menos, considerar que pode servir para evitar erros passados que estiveram na génese de grandes convulsões. Se atendermos que se a «a crise mundial [que teve início em 1929 arrastando-se até meados dos anos 30] provocou um enfraquecimento geral da democracia, considerada responsável pelas desordens económicas e sócias, e facilitou o aparecimento de novas ideologias autoritárias e que utilizam o nacionalismo como meio de ascensão ao poder ou como fuga aos problemas interinos»[i], os nossos decisores políticos têm uma responsabilidade acrescida na escolha das políticas. Não devem ser cometidos os mesmos erros do passado.

E é precisamente em momentos sensíveis e conturbados como os que vivemos actualmente que vemos surgir movimentos, cujas reivindicações roçam a utopia ou demagogia orientadas por ideias que no mínimo se poderão considerar anarquistas, imiscuindo-se com outros devidamente identificados e passíveis de uma apreciação séria por se considerar poderem trazer propostas exequíveis. Vimos recentemente uma mescla de contestações e sugestões sem que daí consigamos retirar de forma clara e inequívoca uma ou mais propostas com soluções.

Reclamava-se por melhores condições ao mesmo tempo que outros pediam a demissão do Governo. Mais à frente clamava-se por uma maior atenção pelas pessoas e simultaneamente a extinção de todos os cargos políticos no nosso país. Exigiam-se políticas de iniciativa interna, viradas para os portugueses ao mesmo tempo que manifestantes de várias nacionalidades estrangeiras contribuíam para adensar a massa manifestante. E esta situação torna-se particularmente grave quando a ela se associam partidos políticos. Quando os partidos optam pelo discurso vazio, com um conteúdo de fácil combustão quando misturados com descontentamentos e frustrações, e sem soluções que sirvam o interesse geral, o resultado raramente se pode saldar como positivo.

Os partidos políticos têm, em democracia, um papel fundamental. São estas associações de indivíduos com interesses na participação política e governo que têm a seu cargo a responsabilidade: no recrutamento e selecção de dirigentes (que passa pela formação e pela renovação destes); de contribuir para a estruturação da opinião pública com a apresentação de programas e políticas; organizar a grande diversidade de valores e uma integração social. É também nestes que, além da natural função de assegurar a representação política, recai a função de mediação – ligação e articulação – entre as instituições políticas e a sociedade, assim como a integração de conflitos.

É por estas razões que os partidos políticos não só não podem deixar de existir, sob o risco de se instalarem modelos de governação assentes em grupos onde os aspectos societais e sociais pequem por inexistentes, como também não devem tornar a sua existência financeira ou “ideológica” dependente de grandes grupos de interesses. Por isso, reivindicações para a erradicação da classe política, por exemplo, ou alterações nas estruturas com funções governativas devem ser alvo duma apreciação cuidada e desprovida de sentimentos.

Julgo, por isso, que a conjuntura actual, onde naturalmente a governação não deve, ou antes dizendo, não pode entrar navegação automática, é a que indica que está na altura de se repensarem os partidos sem se esquecer as suas origens, interesses próprios e ideológicos e, naturalmente, colocando sempre o país e os seus cidadãos como principal destaque.

Os aparelhos partidários devem retomar ao seu estado de estrutura directa, isto é, nos partidos cuja filiação é individual a interacção entre o partido e o militante deve ser feita de forma directa; ainda que não possamos classificar as actuais estruturas partidárias como partidos de quadros, estas deverão perder a condição que claramente têm vindo a adquirir e a que Robert Michels (1876-1936) chamou em 1911 a “Lei de ferro da oligarquia” (também traduzida como “Lei de bronze da oligarquia”). Encontramos hoje nas direcções partidárias uma espécie de oligarquia onde praticamente as “massas” são necessariamente governadas por uma minoria que se lhes impõem, com um sentido algumas vezes oposto à função de renovação e com uma consequente inércia por parte dos seus militantes ou cidadãos.

No passado, diz-nos a história, os partidos políticos foram preponderantes na transformação das sociedades. Porque a actual crise não é exclusivamente económica, chegou o momento em que os partidos devem reassumir o seu papel principal na construção duma melhor e mais justa sociedade.



[i] MOUGEL, Françoies-Charles, PACTEAU, Séverine (2009). História das Relações Internacionais. Mem Martins: Publicações Europa-América. Pág 67.

08/05/2011

Transformação cubana

Há algum tempo atrás, no ano de readaptação à vida de aluno, para uma cadeira chamada Epistemetodologia da Ciência Política, tive oportunidade de fazer um pequeno trabalho com uma abordagem histórica e aquilo que se aproximam de análises sistémicas da “governação colonialista espanhola em Cuba”, do “governo cubano de Fulgencio Batista entre 1952 e 1959” e dos “baixos índices nas áreas sociais, educação e saúde” imediatamente após o triunfo da “Revolução Cubana”.

Um tema que, pela sua natureza e personagens envolvidas, é controverso e ao qual é impossível ficar indiferente.


Nesse trabalho, além das frequentes tentativas de libertação do povo cubano de países como a Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, consegui perceber algumas evoluções nas áreas da educação (aumento do número de escolas e alunos em todos os níveis académicos), da saúde (aumento de hospitais e policlínicas, de médicos e a redução de alguns índices levados em consideração na elaboração de estatísticas como taxas de mortalidade, de doenças e até mesmo a erradicação de algumas) e do campo social (redução da taxa de desemprego e um aumento dos apoios sociais como subsídios de reforma e desemprego).

O período de tempo nele abordado termina na década de 90 com o início do declínio económico do regime cubano, isto é, a falta de parcerias económicas devido à queda do bloco de leste e o bloqueio económico imposto pelos Estados Unidos[i], provocando a abertura de Cuba ao turismo. E é talvez nos cerca de vinte anos que se seguiram que ocorrem as mudanças mais significativas.


Cuba é actualmente um país que exporta alguma da sua produção e matéria-prima como citrinos, tabaco, rum, açúcar, níquel ou cimento mas em quantidades que não garantem ainda um encaixe económico capaz de satisfazer todas as suas necessidades. A actividade que porventura terá mais peso na sua frágil economia é mesmo o turismo. E é esta a actividade que tem contribuído para expor as fragilidades do modelo comunista.


Aqueles que visitam Cuba na condição de turista encontram situações nem sempre perceptíveis na ausência dum prévio conhecimento tanto do regime político que ali se vive como da sua história.

Tudo ali é causa e consequência simultaneamente.


Percorrendo as estradas daquele país encontram-se inúmeras pessoas à sua beira esperando uma boleia ou, em último caso, um transporte público. Mas existe uma explicação: a boleia está tradicionalmente instituída na população. Pode parecer estranho mas se tivermos em consideração que durante a década de 70 e 80 o país sofreu bastante ao nível dos transportes com as crises económicas, também consequência das retaliações contra o regime político, o governo criou uma figura de motoristas de veículos ligeiros (que ficaram conhecidos como os “amarillos”) que em paralelo com a fraca rede de transportes públicos pudessem percorrer o país com o único objectivo de transportar pessoas.

Porque, por razões ideológicas, a propriedade privada não é permitida, no caso dos meios de transporte, está impedida a aquisição de veículos por parte do cidadão comum excepto se o ano de construção do automóvel for anterior a 1958.


Os camponeses, ainda a maior actividade do país, não devem possuir áreas de terreno de cultivo superiores a 400 hectares. Mas, e porque o número destes trabalhadores tem vindo a reduzir, aquele que pretenda desenvolver essa actividade pode contar com a cedência pelo regime duma parcela de terreno arável com a condição de que parte da sua produção seja posteriormente vendida a um preço “simbólico” ao Estado. O restante é para consumo do próprio camponês ou para poder vender em mercados.

Os idosos e aqueles que não conseguem desenvolver uma actividade profissional podem contar com infra-estruturas, subsídios e apoios sociais do regime. As casas são cedidas aos habitantes pelo Estado. A educação é gratuita desde o ensino primário até à universidade. Há uma aposta no ensino técnico-profissional O ensino obrigatório é, desde há muitos anos, o 12º ano - uma medida que só o ano passado foi implementada em Portugal.

Há médicos para todos os cubanos. Não há tempos de espera para cirurgias. Como me disse Juan, um cubano que tentava encaminhar-me para o festival do Buena Vista Social Club, só em Havana há cerca de três milhões de habitantes e um milhão deles são polícias. Logo podemos perceber o porquê dos baixos índices de criminalidade no país.


Se tomarmos em consideração tudo isto, exposto assim desta forma, não deveríamos convencionar que não poderá haver melhor lugar para viver do que um um país com um regime ao que os cubanos estão sujeitos? Então por que razão há cada vez mais cubanos insatisfeitos com a sua situação? Por que razão cerca de 0,75€, que correspondem a 1 Peso Convertido (moeda usados pelos turistas) ou a 24 Pesos Cubanos (moeda usada pelos cubanos), levam uma idosa às lágrimas e a expressar uma eterna gratidão? Por que razão, nas zonas urbanas, em cada esquina encontramos alguém que propõem um qualquer negócio a melhores preços que qualquer loja oficial?

Dizia-me alguém «a nós não nos interessa quem governa, se Fidel, Raúl ou outro. O que queremos é que a nossa situação mude. Não produzimos riqueza, as coisas estão cada vez mais caras! E agora com um milhão de funcionários públicos que vão ser despedidos o que vai acontecer? As pessoas vão ter que fazer por sobreviver...»


Palmilhando alguns caminhos por cidades e vilas de Cuba, fora das rotas habitualmente reservadas aos turistas, têm-se uma maior percepção do orgulho e humildade que aquelas gentes têm da sua história e feitos, principalmente os mais idosos, aqueles que mais sentiram a revolução e a “libertação” em relação ao domínio “imperialista”. Mas também se percebem as dificuldades que dia a dia ultrapassam. Quando se sai destes trilhos e se entram nas “correntes” turísticas, facilmente se encontra o contraste. Qual explorador a desbravar caminho por mato denso, o turista tem que passar um “mato” de vendedores, pretensos guias turísticos, condutores de coches e triciclos, taxistas legais e ilegais e ainda pedintes credenciados. Estes últimos, identificados com uma “tarjeta” e de esferográfica na mão, estão dispostos a aceitar tudo e depois de algumas recusas de contribuição para “instituições” (escolas, infantários ou outros do género) passam de imediato para o espectro pessoal (um filho ou filha, sobrinho ou o próprio) dispostos a se deslocar até à recepção do hotel para ir recolher os objectos que o turista lhe esteja disposto a dar.
Há ainda aqueles que perante as suas dificuldades estão dispostos a aceitar a ajuda do turista mas em troca de algo: um jornal, uma moeda local de “recuerdo” ou um simples cartuxo de amendoins torrados em casa (muito bons diga-se de passagem).
Poderíamos assumir que, olhando em volta, esta parafernália de pessoas que rodeia o turista em busca de uma ajuda é motivada exclusivamente pela necessidade. Mas não é assim. Há efectivamente gente que, ao ver-se incapacitada para desenvolver uma actividade profissional, procura algum rendimento para poder juntar ao apoio que recebe do estado mas, e dito por cubanos, há muita gente também que se “profissionalizou” neste tipo de negócios ilícitos ou como pedinte.

Percebem-se assim as palavras de Raul Castro[ii] em 2008 quando prometia mais rigor nas despesas e menos subsídios em 2009.
Para os cubanos e para as cúpulas do regime tornou-se evidente que um regime que diz tratar todos por igual, ainda que podendo aplicar a máxima “orwelliana” de que «todos são iguais mas há uns mais iguais que outros», esbarra na diversidade humana. É por isso que as “ditaduras do proletariado” nunca conseguiram, nem alguma vez o farão, atingir a utopia comunista. O próprio Fidel Castro, acérrimo defensor deste regime, admitia que até para Cuba o modelo já estaria esgotado[iii].

O ser humano deve ser merecedor de todo o respeito e dignidade. Ninguém deveria estar vulnerável à fome, desprotegido na doença, no trabalho, na educação e na habitação. Isso é indiscutível. Cuba tomou em consideração a utopia mas, tal como outras tentativas de implementar a ideologia baseada nessa vontade, também a sua falha passa pela assumpção de que os seres humanos são todos iguais na reacção às situações. Empiricamente, verificam-se diariamente situações que nos levam a pensar o contrário. Tal como à igualdade de oportunidades, a reacção difere de pessoa para pessoa quanto colocada em igualdade de tratamento.
As recentes medidas tomadas em Cuba parecem indicar que o regime está a reagir a essa constatação e implementar mudanças na perspectiva de substituir o “tratamento igual” por “igualdade de oportunidade”. Para alguém que, como eu, gosta de Cuba pela sua riqueza natural, cultural e histórica, será interessante acompanhar este percurso.



[i] Este bloqueio, com o voto favorável da OEA, foi interrompido em 1975 permitindo o estabelecimento de contactos diplomáticos e económicos mas viria a ser retomado em 1981 com o presidente norte-americano Ronald Regan.

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