08/05/2011

Transformação cubana

Há algum tempo atrás, no ano de readaptação à vida de aluno, para uma cadeira chamada Epistemetodologia da Ciência Política, tive oportunidade de fazer um pequeno trabalho com uma abordagem histórica e aquilo que se aproximam de análises sistémicas da “governação colonialista espanhola em Cuba”, do “governo cubano de Fulgencio Batista entre 1952 e 1959” e dos “baixos índices nas áreas sociais, educação e saúde” imediatamente após o triunfo da “Revolução Cubana”.

Um tema que, pela sua natureza e personagens envolvidas, é controverso e ao qual é impossível ficar indiferente.


Nesse trabalho, além das frequentes tentativas de libertação do povo cubano de países como a Espanha, Inglaterra e Estados Unidos, consegui perceber algumas evoluções nas áreas da educação (aumento do número de escolas e alunos em todos os níveis académicos), da saúde (aumento de hospitais e policlínicas, de médicos e a redução de alguns índices levados em consideração na elaboração de estatísticas como taxas de mortalidade, de doenças e até mesmo a erradicação de algumas) e do campo social (redução da taxa de desemprego e um aumento dos apoios sociais como subsídios de reforma e desemprego).

O período de tempo nele abordado termina na década de 90 com o início do declínio económico do regime cubano, isto é, a falta de parcerias económicas devido à queda do bloco de leste e o bloqueio económico imposto pelos Estados Unidos[i], provocando a abertura de Cuba ao turismo. E é talvez nos cerca de vinte anos que se seguiram que ocorrem as mudanças mais significativas.


Cuba é actualmente um país que exporta alguma da sua produção e matéria-prima como citrinos, tabaco, rum, açúcar, níquel ou cimento mas em quantidades que não garantem ainda um encaixe económico capaz de satisfazer todas as suas necessidades. A actividade que porventura terá mais peso na sua frágil economia é mesmo o turismo. E é esta a actividade que tem contribuído para expor as fragilidades do modelo comunista.


Aqueles que visitam Cuba na condição de turista encontram situações nem sempre perceptíveis na ausência dum prévio conhecimento tanto do regime político que ali se vive como da sua história.

Tudo ali é causa e consequência simultaneamente.


Percorrendo as estradas daquele país encontram-se inúmeras pessoas à sua beira esperando uma boleia ou, em último caso, um transporte público. Mas existe uma explicação: a boleia está tradicionalmente instituída na população. Pode parecer estranho mas se tivermos em consideração que durante a década de 70 e 80 o país sofreu bastante ao nível dos transportes com as crises económicas, também consequência das retaliações contra o regime político, o governo criou uma figura de motoristas de veículos ligeiros (que ficaram conhecidos como os “amarillos”) que em paralelo com a fraca rede de transportes públicos pudessem percorrer o país com o único objectivo de transportar pessoas.

Porque, por razões ideológicas, a propriedade privada não é permitida, no caso dos meios de transporte, está impedida a aquisição de veículos por parte do cidadão comum excepto se o ano de construção do automóvel for anterior a 1958.


Os camponeses, ainda a maior actividade do país, não devem possuir áreas de terreno de cultivo superiores a 400 hectares. Mas, e porque o número destes trabalhadores tem vindo a reduzir, aquele que pretenda desenvolver essa actividade pode contar com a cedência pelo regime duma parcela de terreno arável com a condição de que parte da sua produção seja posteriormente vendida a um preço “simbólico” ao Estado. O restante é para consumo do próprio camponês ou para poder vender em mercados.

Os idosos e aqueles que não conseguem desenvolver uma actividade profissional podem contar com infra-estruturas, subsídios e apoios sociais do regime. As casas são cedidas aos habitantes pelo Estado. A educação é gratuita desde o ensino primário até à universidade. Há uma aposta no ensino técnico-profissional O ensino obrigatório é, desde há muitos anos, o 12º ano - uma medida que só o ano passado foi implementada em Portugal.

Há médicos para todos os cubanos. Não há tempos de espera para cirurgias. Como me disse Juan, um cubano que tentava encaminhar-me para o festival do Buena Vista Social Club, só em Havana há cerca de três milhões de habitantes e um milhão deles são polícias. Logo podemos perceber o porquê dos baixos índices de criminalidade no país.


Se tomarmos em consideração tudo isto, exposto assim desta forma, não deveríamos convencionar que não poderá haver melhor lugar para viver do que um um país com um regime ao que os cubanos estão sujeitos? Então por que razão há cada vez mais cubanos insatisfeitos com a sua situação? Por que razão cerca de 0,75€, que correspondem a 1 Peso Convertido (moeda usados pelos turistas) ou a 24 Pesos Cubanos (moeda usada pelos cubanos), levam uma idosa às lágrimas e a expressar uma eterna gratidão? Por que razão, nas zonas urbanas, em cada esquina encontramos alguém que propõem um qualquer negócio a melhores preços que qualquer loja oficial?

Dizia-me alguém «a nós não nos interessa quem governa, se Fidel, Raúl ou outro. O que queremos é que a nossa situação mude. Não produzimos riqueza, as coisas estão cada vez mais caras! E agora com um milhão de funcionários públicos que vão ser despedidos o que vai acontecer? As pessoas vão ter que fazer por sobreviver...»


Palmilhando alguns caminhos por cidades e vilas de Cuba, fora das rotas habitualmente reservadas aos turistas, têm-se uma maior percepção do orgulho e humildade que aquelas gentes têm da sua história e feitos, principalmente os mais idosos, aqueles que mais sentiram a revolução e a “libertação” em relação ao domínio “imperialista”. Mas também se percebem as dificuldades que dia a dia ultrapassam. Quando se sai destes trilhos e se entram nas “correntes” turísticas, facilmente se encontra o contraste. Qual explorador a desbravar caminho por mato denso, o turista tem que passar um “mato” de vendedores, pretensos guias turísticos, condutores de coches e triciclos, taxistas legais e ilegais e ainda pedintes credenciados. Estes últimos, identificados com uma “tarjeta” e de esferográfica na mão, estão dispostos a aceitar tudo e depois de algumas recusas de contribuição para “instituições” (escolas, infantários ou outros do género) passam de imediato para o espectro pessoal (um filho ou filha, sobrinho ou o próprio) dispostos a se deslocar até à recepção do hotel para ir recolher os objectos que o turista lhe esteja disposto a dar.
Há ainda aqueles que perante as suas dificuldades estão dispostos a aceitar a ajuda do turista mas em troca de algo: um jornal, uma moeda local de “recuerdo” ou um simples cartuxo de amendoins torrados em casa (muito bons diga-se de passagem).
Poderíamos assumir que, olhando em volta, esta parafernália de pessoas que rodeia o turista em busca de uma ajuda é motivada exclusivamente pela necessidade. Mas não é assim. Há efectivamente gente que, ao ver-se incapacitada para desenvolver uma actividade profissional, procura algum rendimento para poder juntar ao apoio que recebe do estado mas, e dito por cubanos, há muita gente também que se “profissionalizou” neste tipo de negócios ilícitos ou como pedinte.

Percebem-se assim as palavras de Raul Castro[ii] em 2008 quando prometia mais rigor nas despesas e menos subsídios em 2009.
Para os cubanos e para as cúpulas do regime tornou-se evidente que um regime que diz tratar todos por igual, ainda que podendo aplicar a máxima “orwelliana” de que «todos são iguais mas há uns mais iguais que outros», esbarra na diversidade humana. É por isso que as “ditaduras do proletariado” nunca conseguiram, nem alguma vez o farão, atingir a utopia comunista. O próprio Fidel Castro, acérrimo defensor deste regime, admitia que até para Cuba o modelo já estaria esgotado[iii].

O ser humano deve ser merecedor de todo o respeito e dignidade. Ninguém deveria estar vulnerável à fome, desprotegido na doença, no trabalho, na educação e na habitação. Isso é indiscutível. Cuba tomou em consideração a utopia mas, tal como outras tentativas de implementar a ideologia baseada nessa vontade, também a sua falha passa pela assumpção de que os seres humanos são todos iguais na reacção às situações. Empiricamente, verificam-se diariamente situações que nos levam a pensar o contrário. Tal como à igualdade de oportunidades, a reacção difere de pessoa para pessoa quanto colocada em igualdade de tratamento.
As recentes medidas tomadas em Cuba parecem indicar que o regime está a reagir a essa constatação e implementar mudanças na perspectiva de substituir o “tratamento igual” por “igualdade de oportunidade”. Para alguém que, como eu, gosta de Cuba pela sua riqueza natural, cultural e histórica, será interessante acompanhar este percurso.



[i] Este bloqueio, com o voto favorável da OEA, foi interrompido em 1975 permitindo o estabelecimento de contactos diplomáticos e económicos mas viria a ser retomado em 1981 com o presidente norte-americano Ronald Regan.

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