O ensaio de Luís de Sousa, "Corrupção", editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Relógio d'Água, trata-se dum trabalho interessante que obriga à reflexão sobre as causas e formas da corrupção permitindo uma boa base de lançamento na procura de formas de a combater.
No entanto, e não obstante tratar-se dum trabalho cuja leitura recomendo pela relevância do tema, encontro nele alguns aspectos menos positivos e que de alguma forma podem influenciar os leitores numa construção enviesada da ideia de corrupção e dos seus autores/protagonistas.
Um trabalho que se se apresenta com um título abrangente, "Corrupção", mas que na concretização se reduz apenas à difusão do fenómeno na área da administração pública e política.
Quando o autor, nas primeiras páginas, propõe como ponto de partida as perguntas «O que é a corrupção? Como se estrutura e se processa? Que tipos de corrupção são vistos com tolerância e que tipos são considerados danosos para o funcionamento das instituições? [...] Que factores de risco potenciam a sua ocorrência?» a expectativa que cresce é a de que poderemos ter acesso a um conjunto de informação que permita a compreensão do fenómeno como um todo.
Concluída a leitura, a percepção com que o leitor pode ficar é de que a corrupção é um fenómeno exclusivamente instalado na esfera pública (administração, funcionários públicos e partidos políticos).
Talvez pudessem ter sido acrescentadas considerações que levassem os leitores à compreensão das causas e razões de também ser possível encontrar acções ou indícios de corrupção na esfera privada. A única relação que o autor estabelece entre os agentes privados e a corrupção inclui sempre um terceiro agente, o público, quando na verdade, alguns fenómenos deste género são estabelecidos exclusivamente no espectro privado (e.g. recente caso de cartelização da panificação, a relação entre preços de combustíveis, os inúmeros casos no futebol, ou o maior sector privado de farmácias, a ANF, etc.).
Ela existe, é verdade, mas esta relação directa entre corrupção e sector público, e a praticamente inexistente alusão à relação entre corrupção e sector privado, pode conduzir o leitor ao entendimento de que este fenómeno é exclusivo da administração pública.
Como exemplo, podemos verificar esta tendência quando o autor, na apresentação dos tipos de corrupção em Portugal, define em terceiro lugar desta tipologia a «corrupção sistémica ou política».
Nos dias que correm é reconhecida a dificuldade política e judicial para combater e contrariar este fenómeno mas também é verdade que actualmente já não estamos num ponto igual ao de há 30 anos, ou há 10 anos até. Hoje, na administração pública, ainda que possamos considera-los escassos, já existem alguns mecanismos que tentam combater este fenómeno. Parece-me, portanto, pertinente o «Capítulo VII: A ineficácia da resposta política» onde o autor aponta algumas áreas onde há ainda trabalho a desenvolver no combate a este flagelo. No entanto, no ponto «Falta de formação e de recrutamento especializado» julgo que a crítica que é feita aos requisitos gerais de admissão a concursos públicos (neste caso de funcionários para investigadores criminais) peca por exagero por considerar que o requisito de "robustez física indispensável ao exercício das funções" seja irrelevante.
Parece-me um exagero que o autor use este argumento para justificar um o desvio da real necessidade de formação dos agentes público. Este é um requisito que está ao mesmo nível de outros como o de "Nacionalidade Portuguesa, quando não dispensada pela Constituição, convenção internacional ou lei especial" ou "18 anos de idade completos" presentes em qualquer concurso público.
Hoje em dia são requisitos em concursos públicos a formação adequada para o exercício das funções e, numa grande parte dos casos, a experiência profissional anterior. Casos existem também em que os candidatos têm que se submeter a provas de conhecimento.
Um outro aspecto que deve ser tido em consideração é o facto de Portugal ser apresentando como um país demasiadamente sensível ao fenómeno da corrupção baseando-se em estudos onde os níveis de corrupção são o reflexo da percepção que a opinião pública tem dos actores e dos agentes neste fenómeno sendo a Comunicação Social a principal fonte na construção dessa ideia.
Há, com certeza, muito trabalho pela frente para combater o fenómeno que mais corrói as sociedades e este trabalho pode ser mais uma fonte de conhecimento. Uma leitura OBRIGATÓRIA!
Sinopse:
A corrupção, enquanto forma de influência ou compra de decisões, permaneceu invariável ao longo dos séculos, mas o modo como o poder se estrutura e é exercido em sociedade tem evoluído, criando novas oportunidades e incentivos para este tipo de prática. O que é a corrupção? Como se estrutura e se processa? Que tipos de corrupção são vistos com tolerância e que tipos são considerados danosos para o funcionamento das instituições? Quais as causas que explicam a prevalência da corrupção numa determinada sociedade ou contexto histórico? Que factores de risco potenciam a sua ocorrência? Como se tem desenvolvido o combate à corrupção em Portugal? Que papel compete à política, à justiça, aos media e à sociedade civil? Estas e outras questões serão objecto de reflexão neste livro.
Sem comentários:
Enviar um comentário