03/11/2015

A discussão faz-se de ideias

Quanto às presidenciais, o meu apoio é mais do que óbvio e está declarado.
Não tenho quaisquer dúvidas que é Sampaio da Nóvoa o candidato necessário para responder às exigências que se adivinham para o próximo Presidente da República.
Claro de ideias e esclarecido nas propostas, e todas elas tornadas públicas há muito tempo de forma continuada para que todos possam fazer a sua escolha informada, Sampaio da Nóvoa é a antítese daquilo que foram estes últimos 10 anos de Cavaco Silva como Presidente da República.

Mas mesmo consciente das minhas convicções e ideais, esclarecido quanto às opções e certo daquilo que quero para o futuro, nada me impede de ouvir os restantes candidatos, bem como conhecer as suas ideias e propostas. Entre uns mais conhecidos do que outros, uns "políticos" outros nem tanto, procurei, muitas vezes sem encontrar, tudo o que pudesse ser visto, lido e ouvido sobre a visão dos restantes candidatos já declarados - mais 19 para além de Nóvoa.

E foi no âmbito dessa tarefa que consultei também o site da outra candidatura, dita de esquerda, que recolhe mais atenção por parte da comunicação Social - Belém 2016, lançada a 13 de Outubro (há 22 dias, portanto).

E infelizmente, à semelhança do que sucedeu quando procurei informação sobre outros candidatos menos fotogénicos ou menos interessantes para parangonas de jornais, também neste caso continuo sem conhecer uma ideia, uma visão, uma proposta da candidata Maria de Belém. Consultando o seu site oficial de campanha, ao visitante apenas é disponibilizado um único link para os documentos necessários para a propositura da candidatura. Sem ideias públicas e expressas passíveis de serem consultadas por este meio, parece que esta candidatura pede ao visitante, a poucos meses das eleições e numa fase muito crítica para Portugal, uma "assinatura em branco".




Tendo escutado algumas das suas declarações, sobre a actualidade política, como «não gostaria de me pronunciar sobre isso» ou «não posso comentar porque não estou na posse de toda a informação que o actual Presidente da República dispõem», não gostaria de acreditar que este é o reflexo desta candidatura, da forma como foi precipitada e lançada: um enorme vazio de ideias.

Poder-se-á, no entanto, dizer que o vídeo na única página do site poderá (poderia!) ser uma ajuda ao esclarecimento do visitante e que este terá através do meio audiovisual disponível um cabal esclarecimento do que pretende ser esta candidatura a quando o hipotético exercício do cargo. Mas não!

Não sendo um conhecedor em técnicas de comunicação (embora tenha, momentaneamente estudado marketing político), o vídeo causa alguma estranheza pois salta à vista uma imitação - e mal feita, diga-se - do "O" da campanha de Obama às presidenciais dos EUA em 2012 e ainda mais o facto do movimento das linhas com as cores da bandeira nacional se deslocar para o interior do "O" (zero, neste caso) - cuidado com a semiótica: é que, aos eleitores, pode estar a ser dado um sinal de entrada para o desconhecido... 



Mas imagens à parte: ouve-se um discurso, para além de editado (estranho corte aos 9 minutos e 38), com muitos lugares comuns e mensagens inócuas, no qual se esperaria ouvir e conhecer mais. Esperar-se-ia uma apresentação clara de princípios e de compromissos.
Afinal, trata-se de uma candidatura ao cargo de Presidente da República, de alguém que «não nasceu hoje para a política», e não de uma candidatura a um cargo de auditoria de defesa nacional...!

Não basta citar a Constituição da República Portuguesa, ou falar nos feitos históricos de Portugal. Não chega apenas a apresentação de um Curriculum Vitae com os cargos e (algumas) posições ocupadas no passado - é que não se pode começar por dizer que o cargo exige independência e capacidade para estabelecer pontes para depois apresentar como evidência da sua «maturidade e visão políticas» uma carreia politico-partidária. E até aí, muito há que se lhe diga no que toca à gestão independente de situações partidárias.

Mas a cima de tudo, não chega fazer-se um discurso cheio de retórica, apresentar uma candidatura quase como um chamamento pelo bem e glória dos portugueses, para depois dizer que «o mandato é claro», que «o programa do Presidente da República é a Constituição».
Enganam-se, e enganam, aqueles que assim pensam. A discussão faz-se de ideias.


08/10/2015

Livro: Cuidar do Futuro - Os Mitos do Estado Social Português

Pedro Adão e Silva e Mariana Trigo Pereira apresentam neste livro um conjunto de evidências que ajudam a desmontar vários dos mitos que se criaram em torno do "Estado Social" em Portugal.
Ideias enraizadas na narrativa do cidadão comum, originárias, muitas vezes, na luta político-partidária, de que as prestações sociais representam uma enorme despesa para o Estado, que em Portugal a despesa com pensões é das mais elevadas da U.E., da insustentabilidade da Segurança Social ou do peso que representam as famosas "pensões milionárias" (0,1%!) e o RSI para o Estado Social, são desmistificadas neste interessantíssimo trabalho. Também nele se demonstra a importância que representa (ou representou) o Complemento Solidário para Idosos no combate à pobreza entre os seniores em Portugal.

"Cuidar do Futuro - Os Mitos do Estado Social Português", editado pela editora Clube do Autor, trata-se de um livro que contém uma mensagem que deveria ser amplamente divulgada por forma a corrigir algumas da mentiras e mitos que foram propositadamente criados e, na maior parte das vezes, inconscientemente propagados ao longo do tempo em torno do Estado Social.
É, seguramente, um livro cuja leitura se recomenda vivamente.


Sinopse:

«O Estado Social está no centro do debate político em Portugal. É urgente fazer escolhas e tomar decisões fundamentais sobre o nosso futuro.

Será justo estar a pagar tanto para as pensões dos outros?
Pode não haver dinheiro quando me reformar?
Os políticos usam a despesa social para ganhar eleições?

Numa linguagem acessível dirigida a um público não especialista ,são desmontadas algumas ideias pré-concebidas que existem em torno do Estado Social português. Sem um entendimento informado e partilhado seremos incapazes de fazer face às verdadeiras causas que impedem a sustentabilidade do Estado Social.»


28/09/2015

As sondagens valem o que valem... mas valem para quem?

Se os estudos de opinião podem ser usados para inúmeros assuntos, é inegável que é em períodos eleitorais que mais damos por eles. E há para todos os gostos.

Estando nós em período de eleições legislativas (aguardem porque a seguir virão a eleições presidenciais!) todas as semanas somos inundados de sondagens sobre intenções de voto. Se as semanais, duas ou três, não eram suficientes, então agora surgem-nos com uma novidade: sondagens diárias!
Porque não só podemos escolher o centro de sondagens pelo qual nutrimos maior simpatia, podemos também escolher o resultado que mais nos agrada. E se é esta diversidade de resultados entre estudos de opinião, alguns feitos no mesmo período sem qualquer acontecimento capaz de alterar a intenção de voto dos eleitores, que confunde (admitamos a possibilidade de tal acontecer) os cidadãos interessados, é a mesma diversidade que os descredibiliza, até àqueles tecnicamente bem feitos.

Se das estatísticas poderemos dizer que estas consistem na arte de massajar os números até eles nos dizerem o que nós queremos, o mesmo já não se deveria aplicar aos estudos de opinião dado que eles deveriam ser representativos (ou aproximar-se) da opinião dos inquiridos sobre um tema específico ou intenção destes agirem em determinada situação, extrapolando estes resultados para uma representatividade do universo pré-determinado.
Mas se o universo estudado é importante para a um estudo de opinião, então é decisivo e crítico a construção da amostra.

Mesmo sem querer entrar na análise sobre a estratificação da amostra (interessante ver alguns dados, especialmente aqueles relacionados com as faixas etárias!) ou na discussão sobre as vantagens e desvantagens na utilização de um "painel" para sondagens e barómetros, independentemente da sua frequência, decidi dispensar algum tempo a perceber a amostra da sondagem referida numa notícia da RTP de 23 de Setembro: «Coligação com vantagem de cinco pontos na sondagem diária da RTP».
Porque as fichas técnicas publicadas pelos órgãos de comunicação social são muito importantes para perceber as própria sondagens, um melhor entendimento sobre como se chegaram àqueles resultados, ou como os sustentam, só é possível com todos os dados disponíveis. Por essa razão recorri ao arquivo de documentos depositados na ERC.

Podemos ver neste caso específico que nos é dito que para o estudo foram efectuadas 891 entrevistas e que destas se calculou uma taxa de resposta de cerca de 70% (69,61%) o que, poderemos assumir, foram considerados 623 inquiridos.
Observando a restante informação, podemos constatar que destas 623 entrevistas, 10% dos inquiridos indicaram não votar (62) e 12% nem sequer sabe ainda se vai votar (75).
Ficando estes 137 inquiridos imediatamente fora das contas, restam apenas 486 inquiridos que dizem que vão votar (65%) ou que "em princípio" o farão (13%). Mas diz-nos ainda a ficha técnica que destes 486, 29% não sabem em quem votar (141) e 8% recusaram-se a dizer em quem vão votar (39).
Em suma, é-nos apresentada a notícia de uma intenção de voto sustentada numa amostra de apenas 306 inquiridos.

Sem querer julgar a boa vontade das entidades que compram estes estudos e a sua dificuldade em compreender o seu grau de sustentação, ou questionar o rigor científico das entidades que vendem estes estudos, as minhas duas dúvidas sobre estes estudos adensam-se cada vez mais:
1) afinal, a quem servem estes estudos de opinião? e
2) será que estes estudos pretendem ser eles o simples reflexo duma opinião ou transformar-se num instrumento de construção duma opinião?

... Afinal, as sondagens valem o que valem... mas valem para quem?

12/07/2015

Os Porquês da Esperança

O «entrevistado», sendo ele um cientista social, aceitará certamente que nem sempre concorde (ainda que muito poucas vezes!) com algumas das leituras que faz, especialmente no capítulo "as políticas" (afinal, é essa a maravilha da liberdade de pensamento e ideológica), mas "Os Porquês da Esperança" merece ser lido por se tratar duma conversa entre duas pessoas inteligentes que não pretende apresentar ao leitor qualquer dogma! É sim, um ponto de partida pelas ideias que deixa para discussão.
Como disse o próprio, «Mas um livro é para dizer! É para pensar além da circunstância imediata e sonhar futuros que não estão necessariamente inscritos no curso normal das coisas».

Lançado no dia 7 de Julho, é um livro que, pela forma da escrita, agarra o leitor interessado nestes temas.

Sinopse:

«QUE DESAFIOS ENFRENTA PORTUGAL?
PARA ONDE CAMINHAMOS E COM QUE ESTRATÉGIA?
É POSSÍVEL ACREDITAR NUM FUTURO MELHOR?

Um ano depois de a troika ter deixado o país, é importante perceber para onde dirigir a «nave pátria» em tempos que se esperam exigentes. Augusto Santos Silva e Paulo Magalhães fazem uma análise detalhada dos nossos recursos, das escolhas a fazer, da mudança a operar e da importância crucial de ter uma liderança competente.

QUAIS SÃO OS NOSSOS BLOQUEIOS?
TEREMOS JÁ PERDIDO DEMASIADO TEMPO?
SEREMOS MAIS DO QUE A LUSOFONIA?
PARA QUE HORIZONTES DEVE OLHAR O NOSSO PAÍS?
O QUE SE DEVE ESPERAR DE UM NOVO CICLO POLÍTICO?
UM LIVRO QUE AJUDA A COMPREENDER PORTUGAL PARA ALÉM DA ESPUMA DOS DIAS, À LUZ DA POLÍTICA, DA SOCIOLOGIA E DOS ACONTECIMENTOS QUE MARCARAM OS ÚLTIMOS ANOS.»

Matéria-Prima Edições



07/07/2015

Repost: "Thomas Piketty: Germany has never repaid"

Traduzido para o inglês e publicado por Gavin Schalliol no site Medium.com (do original em alemão) uma entrevista de leitura "obrigatória"!

«In a forceful interview with German newspaper Die Zeit, the star economist Thomas Piketty calls for a major conference on debt. Germany, in particular, should not withhold help from Greece. This interview has been translated from the original German.

Since his successful book, “Capital in the Twenty-First Century,” the Frenchman Thomas Piketty has been considered one of the most influential economists in the world. His argument for the redistribution of income and wealth launched a worldwide discussion. In a interview with Georg Blume of DIE ZEIT, he gives his clear opinions on the European debt debate.

DIE ZEIT: Should we Germans be happy that even the French government is aligned with the German dogma of austerity?

Thomas Piketty: Absolutely not. This is neither a reason for France, nor Germany, and especially not for Europe, to be happy. I am much more afraid that the conservatives, especially in Germany, are about to destroy Europe and the European idea, all because of their shocking ignorance of history.

ZEIT: But we Germans have already reckoned with our own history.

Piketty: But not when it comes to repaying debts! Germany’s past, in this respect, should be of great significance to today’s Germans. Look at the history of national debt: Great Britain, Germany, and France were all once in the situation of today’s Greece, and in fact had been far more indebted. The first lesson that we can take from the history of government debt is that we are not facing a brand new problem. There have been many ways to repay debts, and not just one, which is what Berlin and Paris would have the Greeks believe.

ZEIT: But shouldn’t they repay their debts?

Piketty: My book recounts the history of income and wealth, including that of nations. What struck me while I was writing is that Germany is really the single best example of a country that, throughout its history, has never repaid its external debt. Neither after the First nor the Second World War. However, it has frequently made other nations pay up, such as after the Franco-Prussian War of 1870, when it demanded massive reparations from France and indeed received them. The French state suffered for decades under this debt. The history of public debt is full of irony. It rarely follows our ideas of order and justice.

ZEIT: But surely we can’t draw the conclusion that we can do no better today?

Piketty: When I hear the Germans say that they maintain a very moral stance about debt and strongly believe that debts must be repaid, then I think: what a huge joke! Germany is the country that has never repaid its debts. It has no standing to lecture other nations.

ZEIT: Are you trying to depict states that don’t pay back their debts as winners?

Piketty: Germany is just such a state. But wait: history shows us two ways for an indebted state to leave delinquency. One was demonstrated by the British Empire in the 19th century after its expensive wars with Napoleon. It is the slow method that is now being recommended to Greece. The Empire repaid its debts through strict budgetary discipline. This worked, but it took an extremely long time. For over 100 years, the British gave up two to three percent of their economy to repay its debts, which was more than they spent on schools and education. That didn’t have to happen, and it shouldn’t happen today. The second method is much faster. Germany proved it in the 20th century. Essentially, it consists of three components: inflation, a special tax on private wealth, and debt relief.

ZEIT: So you’re telling us that the German Wirtschaftswunder [“economic miracle”] was based on the same kind of debt relief that we deny Greece today?

Piketty: Exactly. After the war ended in 1945, Germany’s debt amounted to over 200% of its GDP. Ten years later, little of that remained: public debt was less than 20% of GDP. Around the same time, France managed a similarly artful turnaround. We never would have managed this unbelievably fast reduction in debt through the fiscal discipline that we today recommend to Greece. Instead, both of our states employed the second method with the three components that I mentioned, including debt relief. Think about the London Debt Agreement of 1953, where 60% of German foreign debt was cancelled and its internal debts were restructured.

ZEIT: That happened because people recognized that the high reparations demanded of Germany after World War I were one of the causes of the Second World War. People wanted to forgive Germany’s sins this time!

Piketty: Nonsense! This had nothing to do with moral clarity; it was a rational political and economic decision. They correctly recognized that, after large crises that created huge debt loads, at some point people need to look toward the future. We cannot demand that new generations must pay for decades for the mistakes of their parents. The Greeks have, without a doubt, made big mistakes. Until 2009, the government in Athens forged its books. But despite this, the younger generation of Greeks carries no more responsibility for the mistakes of its elders than the younger generation of Germans did in the 1950s and 1960s. We need to look ahead. Europe was founded on debt forgiveness and investment in the future. Not on the idea of endless penance. We need to remember this.

ZEIT: The end of the Second World War was a breakdown of civilization. Europe was a killing field. Today is different.

Piketty: To deny the historical parallels to the postwar period would be wrong. Let’s think about the financial crisis of 2008/2009. This wasn’t just any crisis. It was the biggest financial crisis since 1929. So the comparison is quite valid. This is equally true for the Greek economy: between 2009 and 2015, its GDP has fallen by 25%. This is comparable to the recessions in Germany and France between 1929 and 1935.

ZEIT: Many Germans believe that the Greeks still have not recognized their mistakes and want to continue their free-spending ways.

Piketty: If we had told you Germans in the 1950s that you have not properly recognized your failures, you would still be repaying your debts. Luckily, we were more intelligent than that.

ZEIT: The German Minister of Finance, on the other hand, seems to believe that a Greek exit from the Eurozone could foster greater unity within Europe.

Piketty: If we start kicking states out, then the crisis of confidence in which the Eurozone finds itself today will only worsen. Financial markets will immediately turn on the next country. This would be the beginning of a long, drawn-out period of agony, in whose grasp we risk sacrificing Europe’s social model, its democracy, indeed its civilization on the altar of a conservative, irrational austerity policy.

ZEIT: Do you believe that we Germans aren’t generous enough?

Piketty: What are you talking about? Generous? Currently, Germany is profiting from Greece as it extends loans at comparatively high interest rates.

ZEIT: What solution would you suggest for this crisis?

Piketty: We need a conference on all of Europe’s debts, just like after World War II. A restructuring of all debt, not just in Greece but in several European countries, is inevitable. Just now, we’ve lost six months in the completely intransparent negotiations with Athens. The Eurogroup’s notion that Greece will reach a budgetary surplus of 4% of GDP and will pay back its debts within 30 to 40 years is still on the table. Allegedly, they will reach one percent surplus in 2015, then two percent in 2016, and three and a half percent in 2017. Completely ridiculous! This will never happen. Yet we keep postponing the necessary debate until the cows come home.

ZEIT: And what would happen after the major debt cuts?

Piketty: A new European institution would be required to determine the maximum allowable budget deficit in order to prevent the regrowth of debt. For example, this could be a commmittee in the European Parliament consisting of legislators from national parliaments. Budgetary decisions should not be off-limits to legislatures. To undermine European democracy, which is what Germany is doing today by insisting that states remain in penury under mechanisms that Berlin itself is muscling through, is a grievous mistake.

ZEIT: Your president, François Hollande, recently failed to criticize the fiscal pact.

Piketty: This does not improve anything. If, in past years, decisions in Europe had been reached in more democratic ways, the current austerity policy in Europe would be less strict.

ZEIT: But no political party in France is participating. National sovereignty is considered holy.

Piketty: Indeed, in Germany many more people are entertaining thoughts of reestablishing European democracy, in contrast to France with its countless believers in sovereignty. What’s more, our president still portrays himself as a prisoner of the failed 2005 referendum on a European Constitution, which failed in France. François Hollande does not understand that a lot has changed because of the financial crisis. We have to overcome our own national egoism.

ZEIT: What sort of national egoism do you see in Germany?

Piketty: I think that Germany was greatly shaped by its reunification. It was long feared that it would lead to economic stagnation. But then reunification turned out to be a great success thanks to a functioning social safety net and an intact industrial sector. Meanwhile, Germany has become so proud of its success that it dispenses lectures to all other countries. This is a little infantile. Of course, I understand how important the successful reunification was to the personal history of Chancellor Angela Merkel. But now Germany has to rethink things. Otherwise, its position on the debt crisis will be a grave danger to Europe.

ZEIT: What advice do you have for the Chancellor?

Piketty: Those who want to chase Greece out of the Eurozone today will end up on the trash heap of history. If the Chancellor wants to secure her place in the history books, just like [Helmut] Kohl did during reunification, then she must forge a solution to the Greek question, including a debt conference where we can start with a clean slate. But with renewed, much stronger fiscal discipline.»

03/07/2015

Os Homens, os gaviões, a Europa e a morte do um sonho

Accipiter nisus (Gavião da Europa)
No seguimento das convulsões (recuos!) vividas no seio da União Europeia de há umas semanas para cá (meses! ou mesmo anos!), há uns dias "recuperei" um texto publicado em 2011, de Alberto Regueira intitulado "O que os últimos vinte e cinco anos fizeram à minha ideia de Europa".
Nele, uma passagem dita assim:
«[...] onde pára a ideia da Europa, sessenta anos depois dos seus "pais fundadores"?
Em boa verdade, afigura-se de morte, essa partitura inspirada, complexa e empolgante colocada nas mãos canhestras de executantes de quinta ordem. Não é impossível que venha a encontrar uma segunda oportunidade - quase nada é impossível neste mundo! - mas é preciso uma boa dose de cândido optimismo para se acreditar no que começa a tornar-se uma "história da carochinha"

[...]
Como certos casamentos que sobrevivem ao seu período de validade [...] há interesses materiais que comandam a continuidade para além do vazio e da rotina.
O sonho é que morreu.
» (1)

Estes parágrafos bastante assertivos, e bastante actuais, diga-se!, não tanto pela alusão directa que lhe faz mas mais pela referência a uma transformação da ideia inicial de Europa unida (ou a ilusão da sua existência primária), rapidamente me transportou até ao famoso romance filosófico escrito no séc. XVIII pelo parisiense François-Marie Arouet:
«[...] - Acreditais, disse Cândido, que os Homens sempre se tenham massacrado como hoje em dia, que sempre tenham sido mentirosos, tratantes, pérfidos, ingratos, bandidos, frouxos, frívolos, cobardes, invejosos, gulosos, bárbaros, avaros, ambiciosos, sanguinários, caluniadores, debochados, fanáticos, hipócritas e tolos? - E vós, disse Martinho, acreditais que os gaviões tenham desde sempre comido pombos quando os encontravam? - Sim, sem dúvida, disse Cândido. - Pois bem! disse Martinho, se os gaviões sempre tiveram o mesmo carácter, por que razão querereis que tenham os homens mudado o deles?» (2)

Entre Homens e gaviões, há uma Europa que se está a transformar... estaremos nós perante o assassinato do sonho, ou da descoberta do verdadeiro carácter daquilo que a governa?


(1) in "25 anos na União Europeia, 125 reflexões", coord. Eduardo Paz Ferreira
(2) in "Cândido ou o optimismo", Voltaire 

29/06/2015

Sim, mas...

A recente alteração no cargo de Presidente (não confundir com Secretário-Geral) do Partido Socialista veio acrescentar uma maior assertividade na mensagem política socialista. Nem sempre concordando com as posições de Maria de Belém Roseira, reconheço-lhe um trabalho positivo mas discreto no exercício da presidência do PS. Já Carlos César, talvez pela sua vasta experiência política e governativa, adopta uma postura menos discreta e mais interventiva. Mas também nem sempre estou de acordo com aquilo que defende.
É esta a maravilha da democracia e liberdade política e de expressão que muitos, de há uns tempos para cá, parecem ter vindo a esquecer ou a menosprezar.


As declarações de Carlos César, em certo sentido, são inegáveis mas só se as quisermos enquadrar no seu verdadeiro contexto e admitir uma inadvertida confusão entre a utilização do verbo "querer" e o "optar" ou "escolher".
Na verdade,os maus políticos - os de hoje, os de ontem e até mesmo os de amanhã - foram e serão eleitos pelos portugueses. E se a maioria dos eleitores portugueses elegeram os actuais políticos, os que nos conduziram às actuais políticas, isso deve-se não só à liberdade de escolha dos eleitores, mas também à interpretação e avaliação que fazem das mensagens políticas e do seu contacto com as consequências práticas e reais dessas políticas.

Não vale a pena entrar em grandes considerações e análises de dados sobre aquele que tem sido o envolvimento dos eleitores na vida política da terceira república(1) em Portugal, mas é do conhecimento geral - sustentado por inúmeros trabalhos e ensaios - o aumento progressivo do distanciamento entre governados e governantes. No entanto, se é correcto dizer-se que o abstencionismo cria todas as condições para uma escolha feita apenas por alguns com impacto em todos, já não é verdade que seja o abstencionismo responsável por querer melhores ou piores políticos, por querer melhores ou piores políticas. Não estamos perante uma dicotomia de responsabilidade ou vontade entre votantes e não votantes. Muito provavelmente estes últimos não querem nada e o que os primeiros querem é-lhes indiferente. Muito provavelmente estes últimos pura e simplesmente deixaram de acreditar e por isso entendem abdicar da sua escolha condicionada.

É que, na verdade, se tomarmos atenção àquilo que as pessoas dizem nos cafés, nas ruas, nas associações, nos transportes públicos, enfim, no país real, facilmente no apercebemos que os eleitores querem, de facto, melhores políticos e querem, de facto, melhores políticas. Mais do que querer, precisam de melhores políticas! Mas no momento em que poderiam levar por diante essa sua pretensão vêem-se confrontados com um acto de opção em listas de políticos, bons e maus, previamente seleccionados por aqueles que detém essa exclusividade: os partidos políticos.

Sempre fui um defensor da existência de partidos políticos - para mim é inconcebível a existência de Democracia sem estes - e advoguei (e continuo a advogar) a participação dos cidadãos na vida activa destas organizações. Mas está na altura dos partidos políticos perceberem que não temos maus políticos porque os portugueses querem. Se os temos, é porque foram as opções impostas aos portugueses através de listas elaboradas pelos próprios partidos. Está na altura dos partidos políticos assumirem que têm vindo a falhar naquele que deveria ser o seu papel na sociedade, que não conseguem passar uma verdadeira e clara mensagem de esperança, que não conseguem voltar a chamar a si o cidadão. Está na altura dos partidos políticos se reinventarem, de encontrarem novos caminhos e formas de responder às reais necessidades dos cidadãos.
Provavelmente, o primeiro passo para querer melhor terá mesmo que começar no interior dos partidos políticos - e neste ponto há que reconhecer alguns passos já dados nesse sentido tanto pelo Partido Socialista como pelo LIVRE/Tempo de Avançar.



(1) Sem entrar numa outra discussão, assumo a expressão mesmo reconhecendo a existência de uma divergência quanto a esta classificação dos últimos 41 anos da democracia portuguesa.

23/05/2015

De "Equus ferus caballus" para "Equus africanus asinus"

Diariamente leio alguns textos, uns bons e outros maus, uns de onde consigo retirar conhecimento e outros que me levam ao arrependimento... de os ter lido!
As estes últimos a melhor "resposta" a dar é esquecer que os li e ignorar. Mas há uns que, de tão maus que são, isso se torna impossível de conseguir. E é sobre um desses que agora escrevo. Será, porventura, o texto mais ignorante, deturpado e falacioso que alguma vez li.

O texto em questão é do da "sra." (porque "Prof." é título que se atribui a quem tem capacidade e competência para ensinar) Maria Fátima Bonifácio, sra. que lá vai aparecendo quando é preciso bajular a direita, disparar umas alarvidades contra a esquerda, ou quando não há mais ninguém disponível para se prestar ao ridículo, e que é impresso hoje (22.05.15) no jornal Público com o titulo «Um "transportador de desassossegos"».

No referido texto, a dita sra. historiadora (ou estoriadora?!) tenta argumentar sobre a candidatura do Prof. (este sim, tem direito a título) Sampaio da Nóvoa. Mas deste texto, ignorando o histórico pensamento da sra. Bonifácio e a sua elevada capacidade argumentativa sobre qualquer que seja o assunto (veja-se que até sobre leis do tabaco se lhe encontra pensamento filosófico e argucia), depois de lido poder-se-ia retirar uma de 3 conclusões:
1 - o texto resulta da ignorância da sra. quanto ao cargo a que Sampaio da Nóvoa se está a candidatar;
2 - o texto resulta da incapacidade de interpretação por parte da sra. do conteúdo das entrevistas dadas por Sampaio da Nóvoa (a jornais e televisões);
3 - o texto deturpa intencionalmente a verdade e pretende construir uma imagem errada da candidatura e das ideias já apresentadas por Sampaio da Nóvoa.

A sra. Bonifácio escreve «É facto que jura renegociar a dívida “até ao limite do possível”, mas ignora por onde passam o limite e o possível.» - o que as pessoas informadas e sérias sabem e compreendem - a sra. M. Fátima Bonifácio não - é que quem renegoceia dívidas ou o que quer que seja em matéria executiva são os Governos. E a sra. Bonifácio sabe que esta "jura" que tenta atribuir a Sampaio da Nóvoa nem sequer existe na entrevista que cita.

A sra. Bonifácio escreve que «Nóvoa é o homem providencial para abraçar esse combate e demonstrar ao mundo “que as políticas de austeridade [não] são uma inevitabilidade”.» - ainda que assim fosse, se Nóvoa quisesse demonstrar alguma coisa não seria ao «mundo» mas sim à Europa, mas a sra. Bonifácio não conseguiu interpretar a frase «Se nós acreditássemos que esta Europa não vai mudar, e que as políticas de austeridade são uma inevitabilidade ficávamos em casa a protestar contra qualquer coisa»

Sobre a alusão de Sampaio da Nóvoa em que o voto no «arco da governação» implica que 20% dos portugueses fica à partida excluído, a sra. Bonifácio escreve «O remédio, como se adivinha, está em puxar o arco para a esquerda até incluir o Bloco e o PC. Mas, nesta hipótese humana e generosa, ficam excluídos 80% dos portugueses.» - revelando, à partida, enorme dificuldade na matemática, a sra. Bonifácio considera que a esquerda é representada apenas por dois partidos em Portugal, que no PS, por exemplo, não há votantes de esquerda ou, em última análise, tal presunção não passa de um enorme desejo que a sua direita represente 80% dos portugueses.

A sra. Bonifácio, incompreensivelmente, classifica PCP e BE como partidos da «extrema-esquerda» - teria evitado mais um atestado da sua ignorância se tivesse lido alguns dos trabalhos feitos por colegas seus tanto na Universidade para a qual trabalha como do ICS onde se diz investigadora.

A sra. Bonifácio, referindo-se à falta de apoios de estruturas partidárias, escreve «A sua candidatura, que ainda não recebeu o apoio declarado de nenhuma dessas agremiações, é “pessoal”.» - mesmo que conseguíssemos ignorar que se diz historiadora e não se lhe exigindo que conheça a Constituição da República Portuguesa, perguntando a alguns colegas seus, a sra. Bonifácio facilmente teria percebido que as candidaturas à Presidência da República são isso mesmo: pessoais («São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos.» Artigo 122.º da CRP).

Mas de entre tantos disparates (há ainda mais alguns naquela mais de meia página de jornal) há aquele que, para mim é a "cereja no cimo do bolo". Escreve a sra. Bonifácio: «Inquirido, há dias, se se sentia mais próximo do Partido Socialista ou do Partido Comunista, o candidato à Presidência da República respondeu: “Não sei.” Está tudo dito. Politicamente, António Nóvoa não sabe o que é, nem quem é.»
Mas para que cada um possa tirar as suas próprias conclusões sobre se esta "tirada" é reflexo de ignorância, deficiência na compreensão e interpretação, problema auditivo, mitomania ou outra qualquer característica da sra. Bonifácio aqui fica a transcrição da entrevista dada à RTP em 6 de Maio 2015:
«Vitor Gonçalves: ... e olhando para o nosso espectro partidário, o senhor sente-se mais próximo do partido socialista do que do partido comunista, por exemplo?

Sampaio da Nóvoa: eu não sou capaz de lhe responder dessa maneira.
VG: não é capaz?
SN: não.
VG: então deixe-me concretizar-lhe a pergunta de outro modo: nas eleições, em eleições anteriores o senhor alguma vez votou, por exemplo, no partido comunista ou... ou não?
SN: eu não vou divulgar em nenhuma circunstância as votações que fiz e em quem em momentos anteriores.»

Porque a sra. Bonifácio até gosta de escrever uns livros sobre história, não lhe seria difícil encontrar referências que - estivesse ela nos tempos onde se podem encontrar algumas características com as quais o seu pensamento se parece identificar - depois de escrever um texto como este, era o momento de colocar um chapéu de papel ornamentado e ficar um bom bocado de tempo virada para a parede até perceber o quão mau é aquilo que escrevinhou.
Sobre o texto da sra. Bonifácio, como ela própria escreveu: «Está tudo dito.»

27/01/2015

Grécia: um novo paradigma?

Não vale a pena discorrer sobre o que a Grécia foi e sobre a sua história ou o que representou para a Democracia(1). Ela é sobejamente conhecida, desde muito cedo a partir dos planos escolares.
Não vale a pena discorrer sobre como a Grécia está. Também o seu estado actual é do conhecimento geral (níveis de desemprego incomportáveis, um sistema de saúde a rebentar pelas costuras, a economia desfeita, fome... desespero!) mesmo que a muitos governantes e a uma "Europa unida na diversidade" interessasse esconder esse cenário de devastação social e económica. Lembremo-nos dos vários "nós não somos a Grécia". Antes, e agora outra vez.
Mas valerá a pena falar sobre o futuro da Grécia?... Não sei se tal será possível.

Sem qualquer sombra de dúvida que o eleitorado grego optou por um governo liderado por um partido (ou uma manta de retalhos de vários partidos resultante de dissidências de todos os espectros políticos) de esquerda radical como forma de protesto - contrariamente ao que muitos disseram e tentaram que outros assimilassem, não estamos a falar de um partido de extrema-esquerda.
A eleição do Syriza não é mais do que o resultado do cansaço dos gregos pelas políticas de austeridade impostas pela União Europeia e pelo próprio governo (que, tal como cá, obedece a um plano estritamente nacional assente numa linha ideológica, mas que depois justifica como a necessidade de corresponder ao "mercados", aos "credores" ou mesmo aos "nossos parceiros"). Políticas com os resultados que todos conhecemos.
Portanto, o eleitorado não escolheu um partido com base no seu programa político (uma situação recorrente), mas sim num conjunto de chavões e num discurso que foi sendo alterado ao longo do tempo. A mesma razão que levou à ascensão do partido de extrema-direita - neonazi -, o Aurora Dourada, como a 3.ª força política da Grécia(2).

Da esquerda à direita, da ciência política à economia, vi extremarem-se posições: "a Europa vai mudar", "acabou a austeridade", "a seguir à Grécia serão outros a impor a sua voz", "a Grécia tem de cumprir se não sai da UE", "a Grécia ficará pior", etc., etc.

A única coisa podemos assegurar é que esta eleição é como uma pedrada no charco: vai fazer ondas, mas ninguém sabe se serão suficientemente grandes para fazer transbordar a água!
No entanto, este acto eleitoral grego deve, tem!, de soar como um alarme para os governantes dos países do norte e centro da Europa. Vai para lá da evidência económica de que as políticas de austeridade falharam. É, agora, se é que ela faltasse, a evidência social e política do falhanço da orientação europeia de cortes cegos, custe o que custar. Já não estamos na fase de subidas ou descidas nas sondagens, ou aumento ou decréscimo no número de votos. Está provado que a radicalização do discurso ganha eleições - tanto à esquerda como à direita - e até forma governos, como o que agora foi eleito na Grécia: um governo de coligação da esquerda radical como a estrema-direita!

Poderíamos dizer que agora, o levantar da voz da Grécia no plano da UE iria conduzir a alterações profundas. Não estou certo disso.
É que o quadro institucional e orgânico da UE não mudou. É que, ao contrário do que algumas pessoas julgam (ainda no dia 27 de Janeiro, na TVI24, José Manuel Fernandes mostrava a sua imensa ignorância neste campo), a posição dos "pequenos" países da UE - e nova dificuldade se coloca no consenso em torno da definição de "pequenos países" - não está "sobre-valorizada" no Conselho da UE ou no Conselho Europeu, nem o Parlamento Europeu dispõe de um peso tão grande nas políticas europeias, muito menos nas financeiras e económicas. Dizer o contrário é mostrar um desconhecimento de como funciona a UE e o sistema de alianças nestas instituições.

O que vai ser o futuro da Grécia, não sei. Ninguém sabe. E esse é que vai ser o grande desafio para os gregos. A minha esperança, para a Grécia, para Portugal e para a Europa, é que o Syriza saiba encontrar o seu caminho, ser coerente, saiba contrariar a austeridade, defender os mais desprotegidos e acabar com as desigualdades. Porque se o conseguir, aí sim, reconquistar-se-á um dos mais preciosos bens da Democracia: a crença na política, a confiança dos governados nos governantes. Aí sim, as pessoas acreditarão!




(1) Não obstante a diferença do conceito de Democracia na antiga Grécia importa salientar o enorme contributo que esta deu para a Democracia tal como a entendemos nos dias de hoje.

(2) Não deixa de se verificar aqui um paradoxo a quando de campanhas (maioritariamente nas redes sociais) com a evocação da história da Alemanha nazi como um ataque à actual hegemonia política alemã e simultaneamente se verifica o crescimento eleitoral da força partidária que advoga o retorno a esse nacionalismo nazi.
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