03/07/2015

Os Homens, os gaviões, a Europa e a morte do um sonho

Accipiter nisus (Gavião da Europa)
No seguimento das convulsões (recuos!) vividas no seio da União Europeia de há umas semanas para cá (meses! ou mesmo anos!), há uns dias "recuperei" um texto publicado em 2011, de Alberto Regueira intitulado "O que os últimos vinte e cinco anos fizeram à minha ideia de Europa".
Nele, uma passagem dita assim:
«[...] onde pára a ideia da Europa, sessenta anos depois dos seus "pais fundadores"?
Em boa verdade, afigura-se de morte, essa partitura inspirada, complexa e empolgante colocada nas mãos canhestras de executantes de quinta ordem. Não é impossível que venha a encontrar uma segunda oportunidade - quase nada é impossível neste mundo! - mas é preciso uma boa dose de cândido optimismo para se acreditar no que começa a tornar-se uma "história da carochinha"

[...]
Como certos casamentos que sobrevivem ao seu período de validade [...] há interesses materiais que comandam a continuidade para além do vazio e da rotina.
O sonho é que morreu.
» (1)

Estes parágrafos bastante assertivos, e bastante actuais, diga-se!, não tanto pela alusão directa que lhe faz mas mais pela referência a uma transformação da ideia inicial de Europa unida (ou a ilusão da sua existência primária), rapidamente me transportou até ao famoso romance filosófico escrito no séc. XVIII pelo parisiense François-Marie Arouet:
«[...] - Acreditais, disse Cândido, que os Homens sempre se tenham massacrado como hoje em dia, que sempre tenham sido mentirosos, tratantes, pérfidos, ingratos, bandidos, frouxos, frívolos, cobardes, invejosos, gulosos, bárbaros, avaros, ambiciosos, sanguinários, caluniadores, debochados, fanáticos, hipócritas e tolos? - E vós, disse Martinho, acreditais que os gaviões tenham desde sempre comido pombos quando os encontravam? - Sim, sem dúvida, disse Cândido. - Pois bem! disse Martinho, se os gaviões sempre tiveram o mesmo carácter, por que razão querereis que tenham os homens mudado o deles?» (2)

Entre Homens e gaviões, há uma Europa que se está a transformar... estaremos nós perante o assassinato do sonho, ou da descoberta do verdadeiro carácter daquilo que a governa?


(1) in "25 anos na União Europeia, 125 reflexões", coord. Eduardo Paz Ferreira
(2) in "Cândido ou o optimismo", Voltaire 

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