28/01/2010

Big Brother, eles "andem" aí...

O novo alarme social volta a ser a figura do "Big Brother", criada e retratada por Eric Arthur Blair, mais conhecido por George Orwell, na obra "Mil novecentos e oitenta e quatro".

Ainda que possa ser encontrada aqui uma contradição, a explicação é rápida e simples: "novo alarme social" porque, depois da Gripe A, das bases terroristas da ETA ou dos terramotos iguais aos de 1755 e do Haiti deste ano que podem ocorrer em Portugal, há necessidade de nova parvoeira que faça estremecer a malta para encher jornais, tv's e rádios; está de "volta" porque é um tema recorrente e que dura normalmente uma semana nos "meios de sensação social" (leia-se "meios de comunicação social"). Para gerar confusão e medo não há melhor!

Agora, e no seguimento duma "Declaração da CNPD por ocasião do Dia Europeu da Protecção de Dados" e dum alerta também divulgado pela CNPD, amplamente empolada pela pseudo-imprensa, já se começa a levantar burburinho, ou assim se deseja, porque estamos cada vez mais vigiados e a nossa privacidade cada vez mais invadida.

«Malvadas portagens, malvados telemóveis com e sem GPS, malvadas câmaras de vigilância, malvados chips para as matriculas, malvados cartões de crédito ou débito, malvados sistemas de informação de dados do Estado que agora até concentram várias dados num único cartão, malvados... malvados... e digo mais, malvados!»

Este, acredito eu, pelas conversas que vou tendo, é o pensamento duma grande parte das pessoas que se sentem indignadas por verem a sua privacidade invadida através deste "mecanismos do controlo". Sim, porque o que está por detrás de tudo isto, segundo alguns, não é mais do que uma tentativa a todo o custo dos Estados, ou do Estado, nos controlar e conhecer todos os nossos passos.

A forma (ridícula) como as coisas estão a ser colocadas dá-nos uma falsa sensação de que se instalou um Totalitarismo nunca antes visto.

O curioso de tudo isto é que quase todos os que dizem mal destas "restrições à liberdade individual", até porque dizer mal do que quer que seja é mesmo muito fácil, são aqueles que depois de se lamentarem por serem alvo duma perseguição sem tréguas, facilmente limpam as lamúrias dos seus âmagos colocando fotografias das férias, filhos e restante família (animais de estimação incluídos) no "Facebook"; relatando acções pessoais no "Twitter" ou mesmo anunciar rotinas diárias e pensamentos no seu Blog; e, claro está, logo em seguida ainda são capazes de fazer a compra duma viagem ou até um livrinho com o seu cartãozinho de crédito no seu site de compras online favorito e "100% seguro"*!

Provavelmente, e porque a tudo são capazes de tecer impropérios, seriam estas mesmas pessoas que, no caso de lhes verem furtadas um carro, e no qual livremente pagaram para instalar um dispositivo "GPS anti-roubo", ficariam muito irritadas por os bandidos se fazerem passear pelas AE a utilizar o seu dispositivo de Via Verde não controlado; ou muito desapontadas pelo facto do seu telemóvel estar a uso por um gatuno sem poder ser localizado ou bloqueado; ou até mesmo capazes de perder a cabeça porque o seu cartão de crédito ter sido usado por terceiros para compras astronómicas.

Qual seria a reacção dum cidadão que, numa qualquer caixa de multibanco, numa simples operação de levantamento de dinheiro, e isto já me aconteceu, se deparasse com um problema e não conseguisse ter evidencias do local ou operação realizada? (Felizmente, no meu caso, que o meu banco e a SIBS sabiam onde estive naquele dia, àquela hora a realizar determinada operação... caso contrário veria o meu dinheiro, que custa a ganhar, desaparecer num sistema informático não controlado).

O que diria o cidadão acusador da existência dum "Big Brother" ao ver-se assaltado numa rua duma "zona problemática" sem uma câmara de vigilância (em circuito fechado) que poderia contribuir para prevenir ou até mesmo identificar responsáveis?

Certamente perguntas que dão que pensar e que ficariam sem resposta...

Alguns deles são incapazes de admitir que, por exemplo, um cruzamento de dados entre os sistemas de previdência social com os de controlo de impostos e rendimentos, é benéfico para a prossecução duma maior justiça social porque, e não é segredo para ninguém, há muito boa gente com grandes rendimentos não declarados. Há mesmo quem disso se regozije.

Depois, e porque esses não pagam impostos sobre rendimentos não declarados, quando precisarem de um subsídio social qualquer (e já há muitos à escolha) vai recebe-lo porque eu e outros como eu declaramos e pagamos os nossos impostos.

Mas a existência de mecanismos que possam ajudar a combater situações deste tipo (demasiadamente vulgares) são "claras e inequívocas invasões à privacidade do cidadão"!

É que na mente de muito boa gente, como a utilização internet e das redes sociais nela instaladas são na verdade uma divulgação autorizada (ainda que inconscientemente) de dados privados não há lugar para a condenação ou indignação de qualquer tipo.

No entanto os dados que divulgam, algumas vezes de livre e espontânea vontade, a entidades e organismos aparentemente merecedoras de credibilidade (depende sempre muito dos recursos humanos e técnicos de que dispõem), já pode constituir uma grave falha na privacidade de cada um assim como um inadmissível golpe na liberdade individual!

A declaração da CNPD é válida e pertinente. Não é isso que está deve estar em causa. O que deve estár em causa é o tratamento pseudo-noticioso dum documento, que levanta questões relevantes, mas que tratadas com rigor não servem para encher espaços noticiosos.

Assim, e outra vez, o cidadão comum, possivelmente distraído por outros coisas importantes em mente, é bombardeado com estas teorias da conspiração criando condições para que cresçam no seu inconsciente complexos de perseguição.

É por isso que, sujeitos a esta dramatização e ao fantasma do Estado controlador, aliado à preguiça intelectual (quando não a limitações de outros tipos), as pessoas sentem uma vontade enorme de apontar o dedo a todo e qualquer "mecanismo de controlo de dados" sem que haja previamente uma reflexão sobre os benefícios e os prejuízos de tal ferramenta ou medida.

Apesar da CNPD ter um importante papel de destaque na manutenção da privacidade e confidencialidade dos dados, é por isso que qualquer sistema só pode ser implementado com a concordância deste organismo, essa protecção não é exclusivamente da responsabilidade de empresas ou Estados. É de todos: «do Estado, das empresas, dos media, das escolas e de cada um de nós, colectiva e individualmente.»

Apontamos com frequência o dedo às instituições do Estado e empresas quando nos esquecemos do resto. (E, cá está, os media incluídos... quantas vezes não incorrem estes em invasões de privacidade? Só os outros são culpados… nunca a comunicação social!)

Parece-me que o que deve ser discutido são os métodos e a sua aplicação eficiente (ou não). O princípio não.

E já diz o povo, «quem não deve, não teme».

NOTA: todos os exemplos que referi como supostos “mecanismos de controlo”, à excepção do Cartão do Cidadão, ouvi-os e li na comunicação social. Curiosamente nenhum deles, ou outro, é referido no documento da CNPD!...

Portugal é frequentemente apelidado de “país de inventores”… porque é que a comunicação social haveria de ser diferente?!
Será que custa muito fazer uma peça jornalística sem que o sensacionalismo seja o objectivo da notícia, centrando-a no seu essencial que é a informação e a verdade?... Não percebo nada de jornalismo, mas acho que a resposta é fácil.


*
- Na rede (Internet) nunca houve, não há nem nunca haverá nada 100% seguro. Seja computador pessoal, seja servidor de serviços ou de armazenamento de dados! Todos eles são violáveis. A diferença é que uns são mais do que outros!


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