22/08/2010

Tudo pelo poder

Em Março deste ano dava aqui conta da opinião de Diogo Moreira que subscrevia sobre um eventual trilho de conquista do poder pelo PSD quando as sondagens indicassem maiorias nas intenções de voto.
Uma eventual pressão interna das elites sociais democráticas poderia ocorrer quando as sondagens indicassem que o PSD poderia chegar a Governo de forma folgada. Aí, o PSD provocaria uma crise política e, por qualquer meio previsto constitucionalmente, o Governo socialista cairia e o país via-se novamente obrigado a manifestar o seu voto para eleger um Governo.

Mas a este cenário plausível veio juntar-se uma variável que pode estar a forçar o PSD a provocar essa crise política ainda que as sondagens, mesmo dando alguma vantagem, pareçam começar a inverter o seu sentido: uma proposta de revisão constitucional completamente desastrada.

Não discuto o seu conteúdo, ainda que considere que algumas das alterações propostas colocam-se ao nível de algumas ideias bastante liberais que por esse mundo fora vamos vendo e, com isso, potenciando alguns retrocessos políticos e sociais, mas a forma e a razão porque foi apresentada nesta altura.

Sendo que a última revisão constitucional se deu em 2005 é este ano que a lei fundamental pode ser revista e alterada (ainda que não seja obrigatório). Daí as iniciativas do PSD Madeira, primeiro, e agora do PSD (nacional).
Ambas as propostas de revisão constitucional deram que falar por conterem propostas polémicas e, em minha opinião, a roçar algumas ideias antigas que estiveram na origem e na manutenção de regimes autoritários: da primeira já ninguém se lembra; para a segunda parece-me que se está a tentar fazer o mesmo.
E digo isto porque a apresentação da proposta de revisão do PSD, completamente divergente dos problemas com que os portugueses se vêem a braços actualmente e fora do tempo por estarmos em vésperas de umas eleições presidenciais, surge para colmatar um vazio de ideias e propostas da recente eleita presidência do partido.

Esta proposta, e todo o processo que a gerou, que aparece numa altura em que as sondagens mostravam uma subida significativa do PSD na intenção de voto dos portugueses, não graças ao seu programa político mas à vontade de castigar o Governo, acaba por ter um efeito perverso nas aspirações sociais democratas e torna-se, seguramente, a origem da inversão verificada recentemente por várias empresas e centros de estudos de opinião.

Por isso, pelo estrago que este processo causou, a pressão que antes se julgava poder aparecer quando as sondagens indicassem uma maior à vontade em eleições, acaba por ocorrer no momento exactamente oposto.
É por essa razão que a questão do Orçamento de Estado de 2011, que só deveria se colocada lá para Outubro, está a ser posta agora em causa pelo PSD: primeiro, numa tentativa de limpar a imagem liberal que deixou com a proposta de revisão constitucional; segundo, tentar encostar no Governo a exclusividade do aumento da carga fiscal (da qual se tornou co-autor em Março); e terceiro, criar um ambiente, perigoso, com condições para a instabilidade política.
É que o PSD e os seus dirigentes, os visíveis e os que estão na sombra, sabem muito bem que o Governo não apresentará quaisquer linhas gerais do OE 2011 até 9 de Setembro, ainda que tecnicamente fosse possível.
Se o PSD contasse mesmo com as propostas do Governo até à data "limite" já teria apresentado a sua proposta de alternativa governativa que lhe desse garantias de que ganharia umas eleições na eventualidade do Presidente da República, por qualquer devaneio ou momento menos lúcido, dissolver a AR ou demitir o Governo - no entanto, pode estar a contar pedir um "cheque em branco" aos portugueses.

Não existe nenhuma razão válida e séria para que a questão do OE 2011 esteja a ser colocada neste momento, muito menos quando a justificam que «é o ‘timing' certo para que os portugueses e o Presidente da República possam tomar uma decisão quanto ao futuro da governação».
Esse 'timing' foi em 27 de Setembro de 2009 e a decisão tomada tornou-se válida para 4 anos de governação.

Se isto não é forçar uma crise política (artificial), então, não sei de que se tratará.

17/08/2010

Incêndios e memória curta

Todos os anos passamos pelo mesmo: incêndios às carradas!
Milhares e milhares de hectares queimados e, por isso, perdidos. Perdidos para muitos mas ganhos para alguns poucos.
Só este ano já se ultrapassou a barreira dos 50.000 hectares de vida queimada.

E todos os anos os meios são reforçados.
E todos os anos os contribuintes, por via do Estado, despendem milhares, ou milhões melhor dizendo, de euros para os combater os incêndios, renovação das áreas perdidas e compensações aos que perderam os seus bens no fogo.
E todos os anos há uma enorme percentagem de incêndios que começam com o sol abrasador da noite!
E todos os anos temos algumas (talvez poucas) dezenas de agentes da PJ envolvidos na investigação destes incêndios!
E todos os anos se prendem algumas dezenas de suspeitos!
E todos os anos se condenam poucos incendiários - que no ano a seguir estão novamente prontos e em forma para uma grande e produtiva "época de incêndios"!
E tudo se repete no ano seguinte...

Mas como disse Vasco Franco, Secretário de Estado para a Protecção Civil, há uns dias em entrevista na Antena 1, as pessoas "têm memória curta" e que nestas alturas a tendência é para esquecer o que está para trás e aumentar a dimensão dos acontecimentos recentes - evidência disso mesmo foi um recente artigo de opinião do Prof. Cardoso Rosas sobre as suas "Arrumações de Verão" onde diz ter encontrado um jornal de há 10 anos que dava a conhecer que «o país estava a arder».
Afinal, não estamos em pior situação do que em anos anteriores. A memória é que é fraca. Principalmente como começa o calor!

Dizem-nos repetidamente que os responsáveis por todas estas desgraças, de antigamente e de hoje, são, nem mais nem menos, os "proprietários" das terras que, impunemente, continuam a criar condições para que estes cenários se repitam. Os "proprietários" deveriam fazer a limpeza das matas e dos caminhos! E estes incêndios só atingem esta escala porque os "proprietários" não fazem o que deviam!
Mas o presidente da Autoridade Nacional Florestal, Amândio Torres, tocou num ponto muito importante e quase sempre esquecido: «para limpar é preciso dinheiro, sendo difícil transferir de magros orçamentos familiares».

Admitindo que a questão económica não estivesse na origem do problema da falta de limpeza das matas e florestas, ainda que generalizada, poder-se-ia considerar justa esta acusação; o problema é que quando se aponta o dedo aos "proprietários" acrescenta-se quase sempre a palavra "privados".
E os outros?
Será que não há mais proprietários além dos "privados"?
E os terrenos e áreas pertencentes ao Estado e aos Municípios estão todas limpas e isentas de risco?
Estas são as perguntas que, frequentemente, me assolam a mente quando se responsabilizam os "proprietários"...
Naturalmente que o não cumprimento de uns não é desculpa para o incumprimento dos outros... mas torna-se grave quando são os "outros" que acusam os "uns" por incumprimento!

No concelho que escolhi para viver, zona de muito agrado de D. João V, costumo dar umas voltas com o intuito de o explorar, não só na procura de caminhos alternativos como no de ficar a conhecer um pouco melhor a região.
Pois ontem ao regressar duma incursão a uma superfície comercial para abastecer um pouco a despensa, vinha numa dessas rotas alternativas a ouvir as notícias que davam conta do mapa de incêndios em Portugal e onde, uma vez mais, se falava na falta de limpeza das florestas. Os "proprietários"!
Anui com a cabeça e as perguntas voltaram a surgir na minha cabeça. Foi então que obtive uma resposta: Há terrenos municipais que não estão limpos! Também há municípios responsáveis por não limpar os terrenos! Afinal há mais para além dos "privados"!

Na estrada que percorria, que até me parece ter trânsito a mais para as condições que oferece (estreita e sinuosa), e onde, curiosamente, surgiu um foco de incêndio há bem pouco tempo, as bermas - desde o alcatrão até às vedações dos "proprietários privados" - encontram-se cheias de mato! Seguramente com mais de 1,20m de altura... contiguas a zonas extensas de eucaliptos!
Basta uma pequena brisa e uma ponta de cigarro criminosamente lançada pela janela dum carro e o problema está instalado!

Mas situações destas há, seguramente, mais no concelho onde vivo assim como noutros concelhos espalhados pelo país fora!!
Infelizmente é um cenário que se repete vezes sem conta!

Também por isto concordo com Vasco Franco: a memória é curta!
A memória é curta quando se acusam outros sem olhar ao facto de se estar a incorrer no mesmo desmazelo, no mesmo erro, no mesmo crime; a memória é curta quando os dirigentes municipais se esquecem que também eles são responsáveis pelo "combustível" que muitas vezes ajuda a propagar incêndios; a memória é curta na assumpção das responsabilidades; a memória é curta porque muitas destas intervenções essenciais só ocorrem de 4 em 4 anos...

12/08/2010

"A soldado desconhecida" por Ferreira Fernandes

na integra:

«Josefa, 21 anos, a viver com a mãe. Estudante de Engenharia Biomédica, trabalhadora de supermercado em part-time e bombeira voluntária. Acumulava trabalhos e não cargos - e essa pode ser uma primeira explicação para a não conhecermos. Afinal, um jovem daqueles que frequentamos nas revistas de consultório, arranja forma de chamar os holofotes. Se é futebolista, pinta o cabelo de cores impossíveis; se é cantora, mostra o futebolista com quem namora; e se quer ser mesmo importante, é mandatário de juventude. Não entra é na cabeça de uma jovem dispersar-se em ninharias acumuladas: um curso no Porto, caixeirinha em Santa Maria da Feira e bombeira de Verão. Daí não a conhecermos, à Josefa. Chegava-lhe, talvez, que um colega mais experiente dissesse dela: "Ela era das poucas pessoas com que um gajo sabia que podia contar nas piores alturas." Enfim, 15 minutos de fama só se ocorresse um azar... Aconteceu: anteontem, Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar, cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. A morte de uma jovem é sempre uma coisa tão enorme para os seus que, evidentemente, nem trato aqui. Interessa-me, na Josefa, relevar o que ela nos disse: que há miúdos de 21 anos que são estudantes e trabalhadores e bombeiros, sem nós sabermos. Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?»

06/08/2010

Momento de reflexão II

«Tal como o navio já não é senão madeira sem forma de navio, quando a quilha que sustenta o costado, a proa, a popa e a cobertura estão fora do lugar: também a República sem poder soberano que una todos os membros e partes dela e todas as famílias e colégios num corpo, já não é República»

Jehan Bodin (em 1576)
Related Posts with Thumbnails