19/11/2009

Prós e Contras

Confesso que já há muito tempo não me concentrava tanto a ver o programa "Prós e Contras" da RTP como no desta semana (16/11/2009).
Não obstante a importância dos temas que normalmente este programa coloca em discussão, com honrosa excepção ao que incidiu sobre Cristiano Ronaldo, a maior seca que a Sra. Fátima Campos Ferreira teve a ousadia de nos impingir, já há algum tempo não via o programa com atenção (exclusiva).
Bastante cansado nesse dia, mas consegui fazer um esforço para aguentar até ao fim.

Um tema interessante e bastante sensível contribuiu para que tivesse duas surpresas, uma agradável e uma me desapontou, e ainda retirar duas conclusões.

Tenho que reconhecer que fiquei surpreendido, pela positiva, com o Ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão.
Mostrou-se bem preparado, fundamentando bem a sua posição. Acima de tudo revelou estar muito atento às contradições das posições contrárias.
A surpresa negativa foi o Prof. Jorge Bacelar Gouveia. Não pela posição que tentou defender, pois cada um é livre de defender as ideias que entender, mas sim a fraca argumentação apresentada e as contradições em que entrou.
Não fica nada bem a um constitucionalista ser corrigido (e bem) na sua área de estudo por mais do que uma vez e por várias pessoas. Comparou referendos sobre autonomias e sobre IVG com referendos sobre casamentos misturando contextos e bases legais.
Contava, neste aspecto, com uma maior preparação do Professor.

Um outro aspecto bem pior do que o que anteriormente referi sobre o Prof. Bacelar Gouveia é, no meu entender, uma falta de respeito por quem defende o contraditório, nomeadamente com sucessivas interrupções, algumas delas, sem apresentar qualquer argumentação chegando mesmo a roçar a "piadola infantil".
Tendo presente que este, também, deputado foi o mandatário para a campanha de Pedro Santana Lopes à presidência da CML, talvez se entenda hoje um pouco melhor o descalabro dessa candidatura.

As duas conclusões a que cheguei são muito fáceis de compreender.
A primeira foi notória: aqueles que estavam no programa de televisão a defender a realização dum referendo para o tema não foram capaz, uma única vez que fosse, de apresentar um argumento devidamente fundamentado para o efeito.
Chegaram-se a defender argumentos que, no mínimo, deitam por terra toda e qualquer credibilidade da posição defendida e das pessoas que os proferem.
Como é que é possível argumentar com a Constituição da República Portuguesa que “chama” a Carta dos Direitos do Homem esquecendo que a mesma CRP também defende a igualdade e proíbe a descriminação?
Como é que é possível dizer-se que um casamento entre duas pessoas de sexo diferente é um contrato jurídico e que estabelece relações jurídicas entre eles e deles com terceiros esquecendo que um casamento entre pessoas do mesmo sexo também pode, e deve, ter a mesma interpretação à luz da lei? Ou será que os homossexuais não são pessoas idóneas para assumir este tipo de contratos jurídicos mas já o são noutro tipo de contratos como um crédito à habitação, uma escritura pública ou um contrato de compra e venda de um qualquer bem móvel?
Querer-se-á no futuro defender que se limitem outros tipos de contratos jurídicos aos homossexuais? Não serão também juridicamente responsáveis e passíveis de serem responsabilizados?
Como é que é possível comparar um casamento entre duas pessoas do mesmo sexo a casamentos poligâmicos?
Defendeu-se ainda que nos países onde se alargou o regime do casamento entre pessoas do mesmo sexo a taxa de casamentos é muito reduzida. Então isso poderá significar que, porque o número de pessoas que escrevem com a mão esquerda é, aparentemente, inferior ao das que escrevem com a mão direita, se devem obrigar todos a escrever com a mão direita?

Outro aspecto negativo foi o constante arrastamento da discussão sobre o casamento para a questão da adopção. Pareceram-me meras tentativas desesperadas de desviar o tema exactamente pela fraca capacidade argumentativa dos intervenientes.

Que fique claro que não ponho em causa, de forma alguma, qualquer das posições que ali foram defendidas. A que defende que o tema deve ser alvo dum referendo e a que defende que a decisão deverá passar pela Assembleia da República são perfeitamente legítimas e defensáveis.
O que eu ponho em causa é a forma como essas posições foram (e são) defendidas. Haja seriedade na forma e no conteúdo.

A segunda conclusão é de que, ainda que a defender posições pessoais, os deputados que ali estiveram em representação de partidos políticos (PSD e CDS-PP) tem dois pesos e duas medidas no que concerne à legitimidade da AR e do Governo.
Se, como tanto apregoaram, o PS não tinha a maioria necessária na AR para poder sustentar o Programa de Governo que apresentou e por isso deveria seguir a vontade dos que votaram nos programas eleitorais dos partidos da oposição, então por que razão a AR não deve legislar sobre esta matéria ainda que tendo uma maioria representada pelos partidos (PS, BE e CDU) que manifestaram essa intenção nos programas eleitorais?
Afinal a maioria na AR só está legitimada pelo povo para uns assuntos e já não está para outros?
Onde está a coerência e seriedade destas pessoas, destes partidos?

Já agora, e porque a nossa é uma democracia representativa, defendo que é à AR que compete legislar sobre este e outros temas.
Foi para isso que votei. Para que o programa eleitoral que escolhi como merecedor da minha confiança fosse aplicado pelo partido que o representa. Neste e em todos os outros pontos nele expressos.
Não espero do partido em que votei uma posição contrária ao que me apresentou no seu programa de eleitoral.
Também sei que alguns dos que agora defendem um referendo sobre este assunto preferiram não votar no dia 27 de Setembro!
As legislativas (e autárquicas) servem para isso mesmo: para legitimar uma ou várias forças partidárias em decisões governativas e legislativas!

Quanto ao tema propriamente dito, não levanto qualquer objecção ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Uma alteração destas na legislação, seguindo assim o cumprimento da CRP no que diz respeito à igualdade de géneros, não estaria a obrigar as pessoas a casar. Estaria sim a dar liberdade de opção a essas pessoas. Homossexuais e heterossexuais teriam a mesma liberdade de escolha, os mesmos direitos, os mesmos deveres.

Entretanto já se começou a sentir alguma agitação na Igreja Católica. Ateu e defensor convicto da separação do Estado e da Igreja (separação que muito deve a Nicolau Maquiavel), entendo que cabe à Igreja Católica a defesa do ser humano, pelo valor humanitário que lhe reconheço, mantendo-se afastada da discussão jurídica.

É um tema que promete...


2 comentários:

  1. O jornalismo nacional continua em franca evolução: no bom e no péssimo. Os maus exemplos que vêm de fora são importados com minúcia selectiva. Pelos menos, lá fora, nos ditos "exemplos" a seguir, os diversos órgãos de comunicação não se escondem sob a capa da propalada "independência" jornalística e, abertamente ou, pelo menos, inequivocamente, defendem políticas, políticos, ideologias... e não enganam ninguém (ou não tentam). O problema da RTP é que ela é paga com o dinheiro dos contribuintes e, independentemente do governo, é manipulada naquele ou no outro sentido. Assim, se eu, governante do status quo, quiser perpassar para a opinião pública uma ideia, arranjo um programa "de debate público" (em tempos idos com intervenção do público anónimo... em directo) e convido para a "legítima" posição contrária alguém que faria muito melhor discurso se estivesse mudo. É uma técnica velha mas eficaz. Pegando no exemplo futebolístico (excelente modelo de comparação universal), é mesmo que ter o Beto a jogar no Sporting a marcar dois autogolos: ninguém dúvida que é sportinguista mas quem o lá colocou talvez não.
    Se a isenção editorial fosse uma preocupação na RTP questões como o casamento entre pessoas do mesmo sexo seriam secundarizadas por questões como a Justiça e a sua deterioração, a Educação e a sua inexistência, a Saúde e a sua implosão... enfim, a Democracia, diagnóstico e profilaxia. Mas não, interessa muito mais desviar a atenção da opinião pública para longe dos desempregados efectivos e a sua cavalgada incessante. Pelo menos, quando o fizessem, que não convocassem para os programas pessoas que, defendendo ideias ultrapassadas ou claramente não apoiadas pela esmagadora maioria da população, são confundidas com aquelas que vão mais fundo em situações que, aparentemente, sãao de somenos importância mas que fazem toda a diferença: o acesso ao direito a adoptar por parte das parcerias registadas (nome jurídico dado, em certos ordenamentos jurídicos, às situações equiparadas com os casamentos entre pessoas de sexo diferente). Sendo assim, convoquem-se especialistas da pedopsiquiatria e profissionais da pediatria. Eu já ouvia alguns e de todos eles, nenhum concorda com essa possibilidade sem que haja um estudo mais aprofundado.
    A Igreja Católica, assim como o resto das confissões religiosas, tem o mesmo direito que qualquer entidade da sociedade a pronunciar-se sobre esse e outros aspectos da vida. A família, o indivíduo, os grupos sociais, a religião (ou a sua negação) fazem parte de mim e eu sou um todo. Logo, estas partes de mim têm a mesma legitimidade no meu rumo de vida.
    Um abraço de saudade ao Pedro e um cumprimento especial à sua família.

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  2. Meu querido amigo Paulo,

    Poderei, porventura, ser chamado de "pessimista" se discordar contigo sobre a evolução do jornalismo. Com o devido respeito e ressalva por alguns profissionais da área, entendo que a evolução no jornalismo é descendente. O jornalismo em Portugal, excluindo algumas das "velhas-guardas" e lhes reconhecendo a maior credibilidade, é mau!
    Tendencioso, nos vários sentidos, se é que me faço entender, de má qualidade subvertendo todas as regras do jornalismo e até o seu código deontológico.
    É por essa razão que, cada vez mais, sinto a necessidade de filtrar a absorção do chorrilho de disparates a que todos os dias estamos sujeitos.

    A RTP é, e será sempre, um motivo de discórdia, suspeição e rumores. Abstenho-me por isso, e já o fiz no post, de fazer qualquer juízo de valor sobre a idoneidade deste canal de televisão.
    Se o fizesse em relação à RTP, nomeadamente no que concerne ao erário publico, também o teria de fazer em relação a órgãos de comunicação privados ou até mesmo à subvenção partidária.
    Assim, o tema ficará lá mais para a frente...

    Há efectivamente outros temas na ordem do dia. Mas também este interfere com a vida social de algumas pessoas. Por isso tem que ser discutido. Agora? Não sei, mas tem de o ser feito o quanto antes.

    Julgo, no entanto, e utilizando a expressão que usas (e bem), o tema em "cima da mesa" é efectivamente o das «parcerias registadas» e não o da adopção de menores.
    O meu entendimento é que são coisas completamente distintas onde a primeira não obriga à outra (e também isso já foi assumido por alguns partidos da esquerda).
    Completamente ignorante em ambas as matérias, assumo-o, parece-me que a primeira é muito mais fácil de resolver do que a segunda.
    Pela forma como ela é usada, fico até com a sensação de que a adopção de crianças por homossexuais que legalizem uma «parceria regista» (visto que mesmo não existindo o registo legal dessa parceria a adopção até é possível nos dias que correm)é o único argumento que parece servir para inviabilizar esta alteração colocando-se assim em confronto duas situações de natureza diferente.

    Reconheço todo o direito que qualquer entidade de índole religiosa, social, humanitária, desportiva, etc. tem de se pronunciar sobre os aspectos da sociedade mas, e pelo tema em questão, o das «relações registadas», acho que a discussão deverá centrar-se no seu aspecto principal: o jurídico.
    Matéria exclusiva dos juristas e não, neste caso, das congregações religiosas!

    Um grande abraço amigo Paulo e fica a promessa dum encontro gastronómico para breve!
    :)

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